A tragédia que sacrificou milhares de peixes foi só outro expoente do descaso que há décadas ronda o Vale
do Sinos.
Há poucos dias, pude conferir de perto a situação do moribundo Sinos, rio que ainda nasce limpo para depois
recolher todo tipo de poluentes em sua jornada serpenteante de quase 200 quilômetros até o Delta do Jacuí.
Em São Leopoldo, de tão raso, já exibe relíquias como partes de embarcações e peças de alvenaria que
adornaram margens de um passado mais verde. A caminho do Verão, o rio está nas mãos de São Pedro.
A tragédia anunciada que sacrificou milhares de peixes e prejudicou a vida de pessoas que se alimentam de
perigosa carne foi só outro expoente do descaso que há décadas ronda o Vale do Sinos. Com crescimento
industrial, agrícola e demográfico na região, aliado a total descontrole no uso da água, o resultado não
poderia ser diferente. Era questão de tempo.
Segundo o IBGE (2004), mais de 70 milhões de brasileiros não têm redes para coletar esgotos. E, dos esgotos
captados, 65% não são tratados - são despejados "in natura" nos rios e no mar. Essa realidade nacional ganha
cores próprias no Vale do Sinos, onde menos de 5% do esgoto cloacal recebe tratamento. O restante escorre
para o rio e arroios, tornando mais cara e complexa a descontaminação da água até a torneira. Sem tratamento
eficiente na bacia, as cidades rio abaixo recebem esgotos de forma cumulativa, como uma bola de neve.
Em outubro, os algozes prontamente apontados para o desastre ecológico de outubro foram empresas que já
operavam na ilegalidade. Não fosse uma soma de fatores, assim continuariam. No entanto, o Sinos é sufocado
há décadas não só pela poluição industrial, mas principalmente por esgotos domésticos. Nos últimos anos, a
drenagem agrícola vem fazendo sua parte. A problemática ganha corpo com a destruição de valiosos banhados em
toda a bacia, inclusive com a conivência de gestores públicos.
Falando neles, quem presenciou os acalorados debates pós-tragédia pode notar que pequenos políticos
oportunistas nunca esquecem de tentar reerguer suas carreiras. Nem nos piores momentos. Também comentou-se
após a mortandade, em São Leopoldo, com ar de surpresa: “como tinha peixe no Sinos”. Imaginem, então, se ele
tivesse o vigor de anos passados.
Possíveis direções para sua recuperação seriam a implementação da chamada Agência de Bacia Hidrográfica,
conforme pede a legislação federal. Ela teria dentes para emitir autorizações e controlar com mais eficácia
o uso da água. Também falta a aprovação de novas regras para o saneamento básico no país. Um texto tramita
há mais de dez anos no Congresso. Mas sozinha, a legislação não resolverá outros impasses, deixando nos
escaninhos do Supremo Tribunal Federal a questão da "titularidade" - se o saneamento cabe, enfim, aos
estados ou as municípios. E, ainda, quem pagará a enorme conta para instalar redes e tratar esgotos.
Tão importante quanto novas leis seria um verdadeiro mutirão em todo o Vale do Sinos pela recuperação de seu
rio. Sociedade, setores público e privado tem a oportunidade histórica de livrar o manancial do abraço da
morte.
Em 2008, não esqueçamos, eleições poderão renovar os quadros municipais. Seria bom ver nas campanhas e
debates que virão ao menos uma pitada da tão necessária sustentabilidade. Bem ao contrário do que aconteceu
no último pleito presidencial.
(Por Aldem Bourscheit, jornal VS, disponível em
Ecoagência , 29/11/2006)