A relação do homem com a natureza, na atualidade, deve ser pensada a partir da nova condição que a humanidade alcançou neste início de século.
Somos hoje mais de 3 bilhões de seres humanos vivendo em uma gigantesca rede de cidades que cobre os continentes, chamada pelo pesquisador Doxiadis de Ecumenópolis. Essa condição muda substancialmente a relação que a humanidade vinha tendo com a natureza. Outrora havia uma relação mais direta com as mudanças que ela provocava, mas hoje, essa humanidade transforma a natureza numa taxa, numa velocidade muito maior, sempre mediada pelas gigantescas cidades, nas quais estamos imersos sem enxergar a totalidade dos eventos que produz.
Portanto, se nós queremos mudar as relações do homem com a natureza, nós devemos mudar a maneira como nós vivemos em nossas cidades.
Precisaríamos, hoje, reinventar a cidade para que ela consiga respirar mais a natureza, do contrário aumentaremos cada vez mais os impactos negativos do metabolismo urbano sobre os grandes ecossistemas terrestres. Um dos principais elementos desse impacto é a crise ambiental diagnosticada pelo aquecimento global. Essa gigantesca cidade de 3 bilhões de pessoas já consegue impactar não só a biosfera circundante de cada sítio urbano, mas muito mais do que isso, a atmosfera e a hidrosfera terrestres, podendo levar a atual configuração climática a um colapso futuro.
Enfrentar a tendência do aquecimento global e a deterioração dos ecossistemas circundantes às cidades é pensar na mudança de modo de vida urbano. Isso passa pela diminuição do consumo, pela redução do gasto de energia de todos os tipos, pelo modo como utilizamos a água e pela maneira como nos relacionamos com o outro. É preciso desenvolver uma cidade que tenha taxas mais lentas, onde as pessoas possam enxergar melhor o seu entorno e voltar a um sistema de percepção ambiental urbana que considere o outro como parte fundamental da sociedade e do ecossistema em que vivemos.
A reinvenção da cidade deve ocorrer em todos os lugares urbanos. É muito importante que em cada local de trabalho, nos condomínios, nas escolas, nas universidades, nas residências os cidadãos consigam pensar as novas relações que podemos estabelecer para,por exemplo, diminuir o consumo de energia. Uma forma concreta é desenvolver nos condomínios processos de compostagem doméstica para poder adubar jardins. Tal método é bastante simples e muito eficaz, do qual até as crianças podem participar. Assim diminuiremos a quantidade de uso de terra preta que muitas vezes é retirada das matas.
Poderíamos também repensar a maneira como utilizamos a água, adotando cisternas ou sistemas de coleta da água da chuva. Esses sistemas também são simples de implantar e constituem-se numa técnica muito antiga na história humana. Isso diminui a pressão sobre a água, em relação ao consumo, e racionaliza o uso desse importante bem.
Infelizmente não é só o problema da escassez da água que teremos de enfrentar mais adiante. Quanto mais gastamos água, mais consumimos energia. A energia sempre é o denominador comum de nosso consumo, todos os bens que existem na cidade precisam consumiram ou consomem energia para estar onde estão. O consumo de papel, de materiais, de alimentos tem na equação final o consumo de energia. Essa energia, no caso brasileiro, é obtida em sua maior parte por meio de hidrelétricas, ou seja, do consumo da água. Repensar, no meio urbano, as relações do homem com a natureza é repensar profundamente a maneira e o tipo de consumo que nós fazemos. Isso nos leva não somente a mudar de hábitos, mas na necessidade de construirmos uma nova cultura urbana, mais sadia e sustentável.
(Por Rualdo Menegat, professor do Instituto de Geociências da UFRGS, Doutor em Ecologia de Paisagem, Coordenador Geral do Atlas Ambiental de Porto Alegre. Texto-comentário exclusivo dado ao programa Sintonia da Terra em 24/11/2006, disponível em
Ecoagência, 28/11/2006)