A demora da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para aprovar a colocação no mercado de novos organismos geneticamente modificados (OGMs) faz crescer as pressões para que o órgão tenha sua estrutura alterada.
É a presença de membros mais reticentes aos transgênicos no colegiado que tem atrapalhado a aprovação de liberações comerciais e barrado a entrada de novas variedades, como milho resistente a herbicida e a insetos, nas lavouras. A alteração da estrutura da CTNBio poderia ser feita de diferentes maneiras.
O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) afirma que na Câmara dos Deputados há pressões para incluir a mudança em uma emenda à medida provisória 327, responsável por regular o plantio dos transgênicos no entorno de áreas de conservação. Relator da MP, o parlamentar acrescenta que o texto deve ser votado ainda no mês de dezembro.
Comissão poderia decidir por maioria simples
A manobra no Congresso está sendo articulada pela Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
- Parece que o momento é propício para isso, que o governo está sensibilizado com o problema, porque a CTNBio não está conseguindo aprovar questão básicas. Na última reunião (quinta-feira passada) rejeitou uma vacina contra a doença de Aujeszky, que ataca suínos, e já é utilizada no mundo há 10 anos. Isso é uma aberração e torna o ambiente político propício para a mudança - diz Ricardo Cotta, superintendente-técnico da CNA.
O geneticista Ernesto Paterniani, conselheiro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia, acredita que a reestruturação do órgão poderia ocorrer com um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O canetaço corrigiria um ato anterior do presidente. A medida vetou na Lei de Biossegurança, promulgada ano passado, a parte que estabelecia uma CTNBio com poder de aprovar comercialmente algum OGM por maioria simples, e estabeleceu a exigência de dois terços dos votos para liberação ao mercado.
O grupo minoritário, na CTNBio, que resiste às aprovações comerciais critica as tentativas de mudanças. A conselheira Lia Geraldo defende aperfeiçoamentos na comissão, mas sem reduzir o número de integrantes.
10 anos em discussão
> Em 1996, a CTNBio é instalada, para deliberar sobre organismos geneticamente modificados (OGMs). A comissão tem 18 membros, e 10 votos ou mais garantem a aprovação comercial de transgênicos.
> De 1996 a 1998, a comissão trabalha normalmente. Em setembro de 1998, é liberada a colocação no mercado da soja transgênica resistente ao herbicida glifosato desenvolvida pela Monsanto.
> No final de 1998, uma ação judicial barra o plantio e a venda da soja em todo o país, questionando a competência da CTNBio para avaliar esses casos.
> De 1999 a 2004, devido ao impasse judicial que pôs em xeque os transgênicos, o trabalho da CTNBio fica esvaziado. Nesse período, não há liberações comerciais de transgênicos.
> Em setembro de 2004, a Justiça reconhece a competência da CTNBio para deliberar sobre transgênicos. Até março de 2005, a comissão trabalha normalmente e aprova, em 17 de março de 2005, a venda de algodão transgênico resistente a insetos.
> No final de março de 2005, é aprovada a nova lei de biossegurança, alterando as regras da CTNBio. A comissão passa a ter 27 integrantes. Para liberar comercialmente algum OGM, são necessários pelo menos 18 votos.
> Em fevereiro de 2006, a nova CTNBio é instalada. Os conflitos internos não permitem a aprovação de novos transgênicos. O primeiro OGM colocado em votação é rejeitado.
"Sistema menos democrático eu desconheço"
Presidente de uma CTNBio guiada pelas regras que a estabeleceram, o pesquisador Walter Colli critica o grupo minoritário que obstrui a liberação de novos produtos e pede a alteração da estrutura da Comissão.
Zero Hora - O senhor já conversou com representantes do governo federal sobre as dificuldades de andamento dos processos na CTNBio?
Walter Colli - Eles estão sabendo. Há uns quatro meses, estive conversando com pessoas ligadas à ministra Dilma (Rousseff). Disse que deste jeito não dava. Sou uma pessoa conciliadora e não ponho em votação até que o assunto seja discutido até a exaustão. Quando você está de um lado em que quer bloquear e começa a inventar novas perguntas, e aí não acaba mais, este é o problema. Em determinada votação deu 17 a favor e quatro contra, mas era preciso 18 a favor, então não foi aprovado. Há uma minoria absoluta. Sistema menos democrático eu desconheço.
ZH - Existe mesmo um desconforto na CTNBio que está tornando inviável a participação de alguns membros?
Colli - Sim. Basta ver que Horácio Schneider, que atualmente é presidente da Sociedade Brasileira de Genética, pediu demissão. O (Turan) Peter, que é aí de Pelotas, também saiu, por dois motivos: ele não aguentava mais a discussão e gastava, para vir a Brasília, mais do que a diária de R$ 400.
ZH - Como fazer para mudar?
Colli - É simples. Na lei (de biossegurança) todas as matérias eram para ser aprovadas por maioria absoluta. O presidente Lula vetou isso. Basta o presidente mudar isso. Está na mão dele mudar o seu próprio decreto. Não precisa inventar. Em cinco minutos ele faz isso.
ZH - Como é a disputa entre os dois grupos na CTNBio?
Colli - Existem jornais dizendo que há dois grupos brigando, como se fossem dois bandos. Não é verdade. Tem um monte de cientistas que têm o que fazer e que estão lá de graça, e às vezes põem do bolso, pensando que estão fazendo alguma coisa pelo Brasil. O que existe é a ciência, que está sendo cada vez menos respeitada, e pessoas que levam outras coisas em consideração.
(Zero Hora, 28/11/2006)