Capturar carbono da atmosfera. Esta é uma espécie de obsessão para nações em dívida com a conta do aquecimento global e que mais recentemente está sendo objeto de menção estratégica por parte de empresas brasileiras que vêem na questão ambiental uma oportunidade de negócio. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), um esquema do Protocolo de Kyoto pelo qual empresas investidoras em projetos de seqüestro de carbono podem receber bônus por evitar o agravamento do efeito estufa – uma conseqüência do aquecimento das temperaturas globais que, por sua vez, leva a efeitos climáticos extremos – é visto com bons olhos por boa parte delas. Pelo menos é o que atesta um survey realizado no primeiro trimestre deste ano pela PriceWaterhouse e pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
O estudo, que tomou informações junto a 163 indústrias, organizações representativas delas, bem como instituições financeiras – todas com faturamento superior a R$ 200 milhões– , mostra que 79% das indústrias realizam ou pretendem realizar algum projeto de MDL. E 67% desejam realizar inventários de suas emissões, ou seja, saber quanto gás carbônico e metano jogam na atmosfera.
Pretensão de autonomia
Os meios para chegar a tal empreendimento, no entanto, mostram uma face bastante irrealista. Enquanto há uma grande maioria querendo se beneficiar com o MDL, apenas um terço das instituições por elas consultadas recebeu algum pedido com essa finalidade. E, das instituições associadas a essas empresas, menos ainda – 14% – receberam demandas sobre créditos de carbono. E pedidos de verificação de custos de financiamento de créditos de carbono foram apenas 19%. Tal descompasso entre uma grande vontade e uma baixa correspondência em termos de ações reais mostra um aspecto cultural a ser trabalhado. "As empresas querem conhecer o MDL e ter expertise interna ao mesmo tempo. Querem fazer tudo internamente, mas falta-lhes uma visão de que isto exige contratar ou ter experiência", observa o contabilista Rogério Gollo, sócio da área de Sustentabilidade da PriceWaterhouse em São Paulo. Para ele, tal atitude mostra que as empresas têm pretensão de autonomia nesta área, "querem conhecer logo em detalhes para poder fazer internamente, ou seja, querem um repasse imediato de conhecimento".
Mercado aberto
Em nível mundial, o mercado para projetos de MDL é amplamente favorável ao Brasil porque, de acordo com o levantamento da Price, países desenvolvidos têm tido dificuldade em implementar medidas internas de redução de emissões. "O total e recursos destinados ao investimento em projetos de MDL e à compra de créditos de carbono em fundos internacionais criados pelos governos de países como Japão, Holanda, Itália etc excede os US$ 3 bilhões", diz o estudo. O Brasil tem vantagem nesse contexto por apresentar uma matriz energética limpa, predominantemente hidrelétrica e com uso expressivo de biocombustíveis. Inclusive conta com um projeto pioneiro na área, o NovaGerar, de Nova Iguaçu (RJ), o primeiro a ser oficialmente reconhecido, no mundo, como MDL.. Trata-se de um mecanismo que utiliza biogás de aterro sanitário, já tendo possibilitado a validação de 184 milhões de toneladas de dióxido de carbono, gerando uma receita de US$ 133 milhões.
Perfil
Entre as empresas consultadas pela Price com relação ao MDL, 22% pertencem ao setor do agronegócio e 13% ao ramo energético. Uma fatia de 14% é da área de papel e celulose, 13% do setor de saneamento e 8% do segmento automobilístico, além de 3% da área petroquímica. A maioria (72%) fez investimentos superiores a R$ 1 milhão na área ambiental nos últimos cinco anos. Também a maioria (76%) reaproveitam de alguma forma seus resíduos e 59% pretendem investir em projetos de florestamento ou reflorestamento. Apenas 15% delas têm geração própria de energia e 31% têm geração compartilhada desse insumo.
Conhecer e saber
Há um descompasso entre o que as empresas declaram conhecer e o que realmente sabem sobre MDL. Isto fica claro à medida que 72% delas dizem "conhecer" o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, mas apenas 37% conhece o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), lançado no ano passado. Quarenta e oito por cento declararam conhecer iniciativas de concorrentes internacionais sobre o tema. Um terço das entrevistadas acredita que falta divulgação sobre o tema. Neste ponto, verifica-se uma contradição, pois ao mesmo tempo em que dizem "conhecer", fica subentendida uma falta de "saber" mais profundo dos detalhes de estruturação de projetos para a viabilização concreta do MDL. Tal inferência fica mais clara porque 31% das empresas apontam a falta de conhecimento técnico como o fator mais limitante para o uso do mecanismo. Ao mesmo tempo, 22% assinala que o maior problema são os custos elevados.
Potenciais da Região Sul
A pesquisa da Price não analisou o potencial de investimentos em MDL por região do país, mas, segundo Gollo, áreas como bocombustíveis – mais especificamente, uso de casca de arroz –, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), reflorestamento e criação de suínos aparecem como potenciais mais visíveis. "As PCHs são elegíveis porque se calcula o que ela deixa de gerar em dióxido de carbono comparativamente a outras formas de energia como combustíveis fósseis", analisa o executivo.
No caso da suinocultura, há diversos projetos em Santa Catarina, mas no Rio Grande do Sul encontra-se uma certa dificuldade em razão da escala. As propriedades geralmente são pequenas ou médias, e o tamanho dos rebanhos muitas vezes inviabiliza investimentos que compensem financeiramente. "Os projetos de MDL em suinocultura são elegíveis. Eles não apenas porque capturam o carbono, mas geram um ganho ambiental em termos de saneamento e ainda proporcionam geração de energia com a canalização do biogás", afirma.
Já para o reflorestamento, as áreas degradadas são elegíveis para MDL, pois devem ser eliminadas. E, para os investidores, são mais rentáveis porque seu custo é menor.
Lições da COP 12
A Price esteve representada em Nairobi, no Quênia, no início deste mês, para acompanhar a 12ª conferência das partes das Nações Unidas (COP 12), que tratou dos rumos do Protocolo de Kyoto. "Dois gerentes nossos participaram e viram realidades muito opostas entre 162 países representados", comenta Gollo. De acordo com ele, apesar de o Brasil não ter compromisso formal de redução de emissões, e de dados do Ministério do Meio ambiente mostrarem uma queda do desmatamento na Amazônia, no último ano,"não se pode dizer que isso seja uma tendência". "A Amazônia não tem projeto de MDL, mas teria benefícios se tivesse investimentos para preservar, ou seja, evitar o desmatamento. O Brasil tem um custo ao preservar suas florestas, que é o de não crescer economicamente. Esse custo de preservação deve ser pago como um investimento. A discussão é como valorar isso", assinala o executivo.
(Por Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 28/11/2006)