Dezoito anos depois de ser anunciada, a Usina Hidrelétrica do Tijuco Alto, que a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), do Grupo Votorantim, quer construir no Rio Ribeira, na divisa de São Paulo com o Paraná, não saiu do papel e já está 50% mais cara. Quando a obra foi projetada, em 1998, a previsão de gastos era de R$ 330 milhões. Hoje, o custo atinge R$ 500 milhões, segundo os cálculos da empresa. Em todo esse tempo, o projeto passou por vários órgãos ambientais e sofreu inúmeras mudanças.
Um novo estudo de impacto ambiental está sendo analisado pelo Ibama. A cada dia que passa, aumenta o custo da obra e a descrença dos moradores nos cinco municípios que seriam atingidos pela hidrelétrica. 'É um exemplo de como a legislação ambiental pode tirar as chances de desenvolvimento de uma região', disse o vereador e ex-prefeito Luiz Antonio Dias Batista (PSDB), de Ribeira, a 360 km de São Paulo.
Segundo ele, em quase duas décadas de expectativa, muita gente deixou de investir. A cidade perdeu 2 mil empregos e voltou a sofrer com o êxodo dos moradores. A região, que é a mais carente do Estado, está ainda mais pobre. 'Nossa renda per capita é inferior ao salário mínimo', afirma Batista.
Enquanto o projeto está parado, os 1.972 moradores das áreas a serem inundadas vivem num clima de incerteza. 'Isso está muito enrolado e depois que a CBA comprou as terras, acabou o trabalho', reclama o sitiante Eduardo Tavares dos Santos, 53 anos. Ele mora com a mulher e duas filhas no bairro da Ilha Rasa, em Ribeira, e espera uma indenização que não tem data para chegar. 'Nem posso mexer na casa.' Além da entrada da CBA comprando terras, as mineradoras Plumbum e Rocha, que exploravam minérios, saíram da região.
Vilas fantasmas
Bairros rurais que antes exploravam a cultura da banana ou forneciam mão-de-obra para a mineração viraram vilas fantasmas. Na Vila do Bom Jesus, só ficaram Lino Pontes Maciel, de 80 anos, e sua mulher Maria Duarte, de 74. A pequena igreja está fechada. O casal sente falta dos seis filhos que foram embora logo que a CBA começou a comprar as terras. As safras acabaram e o velho Lino, que é seleiro, deixou de receber encomendas. 'Aqui tudo minguou e, se não tiver a barragem, agora vai ser pior', disse. Na Vila do Rocha, a escola e o posto do correio estão em ruínas. Até o cemitério foi abandonado.
O produtor rural Nodir Dringote, 32 anos, admite vender as terras e deixar a beira do rio, 'por um preço que compense'. Ele cultiva bananas e tem 135 colméias produzindo mel. 'Estamos aqui há 40 anos.'
Outro ribeirinho, Darci Cerbello, de 59 anos, diz que só vai acreditar na barragem 'quando vir com esses olhos'. Ele, a mulher Ana Maria, 3 filhos e 1 neto cuidam do sítio para o dono das terras. Eles querem ir para um assentamento. Nas margens do rio, em locais onde o único acesso se dá por barcos, há um clima de expectativa e desconfiança. 'Será que agora sai?', pergunta João Ramos, de 47 anos. Ele decidiu colocar piso no casebre à beira-chão, mesmo que a água vá cobrir tudo. 'Se inundar, fazer o quê?'
O tempo conspira contra os planos da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA). Até 1998, a empresa adquiriu 8.600 hectares e reassentou os moradores de 377 imóveis que estavam em áreas a serem inundadas. Na época, faltava retirar e assentar 60 famílias.
Em levantamento feito no ano passado, a empresa constatou que o número de famílias subiu para 578. 'Muitos são posseiros e arrendatários, mas a política da CBA é conversar com todos e ver o que é melhor para cada um', disse o engenheiro agrônomo Ronaldo Crusco, da CNEC Engenharia, consultoria contratada pela CBA. Donos de terras serão indenizados e posseiros reassentados.
A área adquirida já não é mais suficiente. Parte dela, que era de pastagem, voltou a ser coberta pela mata, aumentando o passivo ambiental a ser compensado. A barragem vai formar um lago com 56,5 km2 de superfície e 71,5 km de extensão, atingindo os municípios de Ribeira e Itapirapuã Paulista, em São Paulo, e Adrianópolis, Cerro Azul e Dr. Ulysses, no Paraná. As prefeituras vão ratear R$ 785 mil em royalties por ano.
A usina vai gerar 128,7 megawatts de energia para abastecer a fábrica de alumínio da CBA no município de Alumínio (SP). O projeto visa ao aumento de produção da unidade, que em 2007 passa de 400 mil para 470 mil toneladas por ano de alumínio metálico. A CBA, que tem 13 hidrelétricas próprias e três consorciadas, quer produzir pelo menos 60% da energia que consome.
A obra foi autorizada em 1994 pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, mas ambientalistas barraram o projeto na Justiça, alegando que a competência para o licenciamento era do Ibama. O órgão federal indeferiu o projeto em 2003 e exigiu novo Estudo de Impacto Ambiental (Eia-Rima). O novo documento, elaborado pela CNEC, foi protocolado no Ibama no fim de 2005 e já passou por análise preliminar. Técnicos analisam, agora, os impactos da obra e as medidas mitigadoras.
O projeto foi alterado para reduzir esse impacto. A empresa desistiu de construir um túnel de 11 km para levar a água até a casa de força, o que causaria redução de vazão em trecho equivalente do rio. A casa de força será construída no pé da barragem. O Ibama deve marcar audiências públicas para o início de 2007. O rio Ribeira, que nasce no Paraná e deságua em Iguape, no litoral sul de São Paulo, é o único grande rio paulista que ainda não tem barragem.
Caso a hidrelétrica seja aprovada, será concedida licença prévia. A barragem será construída entre as cidades de Ribeira e Adrianópolis e terá 530 metros de comprimento na parte mais alta, 300 metros de largura na base, e 142 metros de altura. A construção deve levar quatro anos e vai empregar 1.400 pessoas.
ONGs prometem resistir até o fim
Para o diretor da SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani, a insistência da direção da CBA em construir a hidrelétrica no Rio Ribeira 'beira à insanidade'. Segundo ele, os estudos feitos pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) na fase inicial do projeto mostraram que haverá impactos irreversíveis num ecossistema que reúne cavernas, sítios arqueológicos e remanescentes de mata atlântica. 'Se o Ibama aprovar, nós vamos até o fim, nem que seja necessário o impedimento físico.' O ambientalista diz estar disposto a se postar na frente das máquinas para impedir a obra.
Segundo ele, a região tem depósitos de minérios pesados, como o chumbo, que seriam carreados para o lago. 'A área tem muitas cavernas e há risco do efeito sifão, em que o alagamento de uma cause a inundação de outras.' O novo estudo, garante Mantovani, foi uma adaptação do primeiro, no qual os ambientalistas apontaram 98 exigências não atendidas. O Grupo Votorantim, segundo Mantovani, tem várias hidrelétricas no Vale do Ribeira e não houve impacto benéfico na região. 'Seria melhor que o empresário Antonio Ermírio seguisse o conselho do presidente Lula e desistisse do projeto naquele rio.'
(Por José Maria Tomazela, O Estado de S. Paulo, 27/11/2006)