A paradisíaca Baía Málaga da costa colombiana no Pacífico, no megadiverso Chocó Biogeográfico, será o novo cenário na luta global entre o desenvolvimento e a conservação da natureza. Estão em jogo nessa área uma cultura, um entorno rico em água doce e, como se na bastasse, o local preferido para acasalamento das baleias jubarte (Megaptera novaengliae) no planeta. O direitista presidente colombiano Álvaro Uribe confirmou, no final de outubro, que a baía onde a cada ano nasce a quarta parte das baleias jubarte será transformada em um porto para navios de grande calado e transferência internacional de contêineres.
O lugar escolhido está na zona mais de maior índice pluviométrico do mundo. As chuvas torrenciais e apenas suas cinco principais correntes internas fornecem a esta baía 4,1 milhões de metros cúbicos diários de água doce. Os Centros de Transbordo Internacional, ou “portos hub”, estão na moda. Ficam em pontos estratégicos das principais rotas do comércio marítimo mundial. São os principais pontos de uma rede global de portos especializados no manejo de contêineres, que representa 45% da carga marítima. Nestes portos gigantes ocorre o transbordo dos contêineres entre navios de grande capacidade, que precisam de águas profundas, para barcos menores que distribuem e coletam a carga em nível regional.
A protegida Baía Málaga, no departamento do Valle do Cauca, é extensa e profunda e nela desembocam rios que geram sedimentação, o que economiza os altos custos de dragagem. Permite manobrar comodamente navios de terceira geração, que podem transportar cinco mil contêineres e que hoje não podem passar pelo Canal do Panamá, chamados post-panamax, e os que tampouco podem ser recebidos no porto de Buenaventura, cerca de 27 milhas náuticas ao sul da Baía Málaga. Por Buenaventura, e também pelo Valle do Cauca, circulam 53% do comércio exterior da Colômbia, incluindo 80% do café exportado.
Este porto maneja nove mil contêineres por dia, com pouca margem atualmente para a expansão, enquanto o comércio exterior colombiano cresce ao ritmo próximo dos 7%, segundo dados oficiais. A Sociedade Portuária de Buenaventura (SPB) calcula que este porto chegará a 2010 no topo de sua capacidade (10,2 milhões de toneladas/ano), enquanto estima-se que a demanda para 2020 ficará entre 22 milhões e 25 milhões de toneladas. Essa capacidade, para a SPB, pode ser alcançada por meio de ambiciosas obras e adequações do porto e zona vizinha.
Porém, Baía Málaga já foi incluída no Plano de Expansão Portuária 2005-2006 como assunto prioritário de médio prazo para o governo, e recebeu caráter de urgência em maio do ano passado. O porto hub, primeira etapa do megaprojeto em Baía Málaga, tem custo estimado em US$ 300 milhões, segundo o Ministério dos Transportes. A segunda é um porto multipropósito para o manejo de todo tipo de carga, como o de Buenaventura. Inclui um poliduto de 204 quilômetros desde Buga, no leste, com capacidade para 40 mil barris diários de bombeamento, bem como um terminal petrolífero apto para armazenar 700 mil barris de gasolina e combustível para motores a diesel, além de 40 mil de gás liquefeito. Também inclui uma rodovia e uma zona franca turística.
A inclusão na rede mundial de portos hub não é automática, sendo decidida por um punhado de companhias multinacionais de navegação. Na região, três portos no Panamá; o de Manta, no Equador, e o de Callao, no Peru, também estão sendo promovidos para se converterem em hub, afirma um estudo do Fundo Mundial para a Vida Silvestre (WWF). Mas a Colômbia, principal aliada dos Estados Unidos na região, quer seu próprio porto moderno, enquanto lidera a idéia de formar um bloco de livre comércio na bacia latino-americana do Pacífico, do México até o Chile. A pergunta é por que Baía Málaga, e não Buenaventura.
Baía Málaga “é um porto militarmente estratégico. Por que mais importante do que Buenaventura? Porque eles (as forças governamentais) têm o controle militar sobre Baía Málaga, mas não sobre Buenaventura que, por sua localização, tem zonas rurais incontroláveis militarmente”, disse à IPS o sociólogo Jimmy Viera, assessor da senadora liberal de oposição, Piedad Córdoba. As forças de segurança do Estado, apoiadas desde 1982 por grupos paramilitares de ultradireita ligadas a chefes do narcotráfico, que se desmobilizaram parcialmente, luta desde 1954 com guerrilhas esquerdistas.
No dia 27 de outubro, 14 horas depois de uma sabotagem rebelde a 27 quilômetros do porto, na nevrálgica via que une Buenaventura com os centros industriais e de consumo do país, a IPS viu um caminhão com reboque ainda fumegante, outro totalmente queimado e outro incendiado, além de quatro caminhões com todos os pneus furados, embora o tráfego já circulasse. No momento, cerca de dois mil militares e civis vivem na Base Naval do Pacífico, em contraste com 3,5 mil habitantes das comunidades vizinhas, 90% deles de cultura negra tradicional.
A base foi enclavada ali no começo dos anos 80, quando ainda não vigoravam direitos especiais para estas minorias formadas por quase 1,5 milhão de pessoas neste país de 42 milhões de habitantes. A comunidade tem acesso regular ao serviço médico militar. Se o porto for construído, muitas baleias morrerão ao colidirem com navios, já que o tráfego marítimo irá disparar. Além disso, esses animais são afetados pelo barulho, alertou a bióloga Patrícia Falk, da Fundação Jubarte, que este ano informou sobre uma pesquisa a respeito das causas de sete mortes na costa colombiana, dos quais apenas uma baleia era animal adulto.
“Qualquer animal que morra afeta um pouco a população”, disse Falk à IPS. A espécie está classificada como “vulnerável de conservação”, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Desde 1966, quando se calculou que somente sobreviviam 5% da população, sua caça foi internacionalmente proibida. O Japão, que não compartilha dessa proibição, afirma que as colisões com esses cetáceos mostram que sua população foi recuperada. O impacto afetara três ou quatro gerações, que depois buscarão locais mais seguros, segundo Falk. É o que teme Lídia Díaz, moradora de La Plata, uma localidade situada no costado norte do interior da Baía Málaga que se opõe ao porto. “As baleias não voltarão e o turista não virá para vê-las”, lamentou.
Comunidades divididas
Os que apóiam o projeto são sobretudo os jovens de Juanchaco e Ladrilleros, com praias e um precário turismo regional, e com a perspectiva de que a estatal Universidade do Valle construa um campus ali. Enquanto em La Plata os homens se dedicam, com fazem há centenas de anos, primordialmente à pesca artesanal, as mulheres colhem piangua (Anadara tuberculosa), um molusco bivalvo muito apreciado no Pacífico colombiano e no Equador que vive no barro das raízes do mangue, um arbusto típico.
As duas atividades sofreram queda de 50% nos últimos cinco anos, ao que parece pelo corte do mangue e pela superexploração. Também semeiam banana, cana, mandioca, pupunha (um fruto nutritivo de palma que se cozinha e come com sal) e outros produtos de subsistência. “Essa é nossa segurança alimentar”, disse Adolfo Valencia, outro morador. “Em La Plata não concordamos com este porto. Porque, se for construído, perderemos todos os recursos econômicos”, disse à IPS Ana Paz, de 56 anos, com uma bisneta de dois anos.
E embora o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho e a Constituição da Colômbia prevejam o trâmite obrigatório de “consulta prévia” em decisões que afetem a forma de vida das comunidades negras, cujo território é inalienável, imprescritível e imbargável, ninguém perguntou sobre o porto aos habitantes que sonham viver do ecoturismo. “Apenas os jornalistas, apesar de sermos os primeiros afetados”, dizem membros do Conselho Comunitário de La Plata, formado em 1999 e que já pediu em duas comunicações ao Ministério do Meio Ambiente que inclua a área no Sistema de Parques Nacionais.
O título coletivo atual, reconhecido oficialmente desde 2003 tem 7.703 hectares. A comunidade espera que em dezembro seja titulada toda a baía, um total de 36,6 mil quilômetros. Ovídio Díaz, irmão de Lídia, pescador de 39 anos e coordenador de controle e vigilância territorial do Conselho de La Plata, diz que o principal é “aprender a negociar com o governo. Sabemos que muita fauna vai desaparecer. A piangua, as aves migratórias. A estrada vai nos afetar”, afirmou. A pergunta é o que o governo de Uribe vai negociar em troca com as comunidades. Porque “o ovo não pode com a pedra”, afirmou um morador.
(Por Constanza Vieira, IPS, 24/11/2006)