No mesmo dia em que deu declarações polêmicas sobre "entraves" provocados por índios, quilombolas e Ministério Público e criticou a suposta morosidade do licenciamento ambiental, o presidente inaugurava em Sapezal, no Mato Grosso, um trecho de asfaltamento ilegal. A obra de pavimentação na BR-364 não obteve do Ibama a licença ambiental necessária, segundo confirmou hoje a Diretoria de Licenciamento do Instituto.
O processo de implementação da obra foi conduzido e autorizado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema). Entretanto, a legislação garante que a competência para licenciamento ambiental em rodovias federais é privativa do Ibama. Em fevereiro desse ano, o órgão alertou o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) quanto à ilegalidade da conduta, mas o Departamento, ligado ao Ministério dos Transportes, não acatou. O asfaltamento concluído essa semana beneficia diretamente o governador Blairo Maggi, já que o trecho possibilita o transporte de soja de duas fazendas de sua família, em Sapezal, até um dos principais portos de escoamento de grãos na Amazônia, em Porto Velho (RO).
"O que ocorreu foi um procedimento irregular tanto do Dnit, que requisitou o licenciamento na Sema, mesmo com processo aberto no Ibama, quanto da Sema, que acatou o requerimento e emitiu as licenças sem qualquer consulta a este Instituto", afirma a Diretoria de Licenciamento, em resposta enviada por e-mail. Em 1999, o mesmo Dnit entrou com um requerimento de implantação e pavimentação da BR-364 junto ao Ibama, mas o processo foi abandonado. Encaminhando seus pedidos à Sema, na gestão do agora aliado do governo, Blairo Maggi, o Departamento de Transportes encontrou a celeridade desejada por Lula.
Questão indígena
A competência do Ibama para licenciar obras na BR-364 não se garante apenas por se tratar de uma rodovia federal, mas também em vista dos possíveis impactos em pelo menos duas áreas indígenas. As terras Nhambikuara e Pareci estão na área de influência da rodovia o que reforça a necessidade de acompanhamento do Ibama, além de produção de estudos antropológicos.
O instituto afirma que em julho solicitou ao governo de Mato Grosso esclarecimentos quanto à condução das questões indígenas, além das cópias do processo administrativo e dos Estudos de Impacto Ambiental, mas não foi atendido.
Ilegalidade geralizada
A situação da BR-364 não é um caso isolado. A inadequação das estradas federais à legislação ambiental é tamanha, que em 2004 motivou uma portaria interministerial determinando a regularização por meio de Temos de Ajuste de Conduta (TAC). O quadro motivou uma série de reportagens produzidas por esta redação sobre as rodovias na Amazônia (leia aqui). Após diversos adiamentos dos prazos para assinatura de TACs, nada foi cumprido.
Segundo o Ibama, o Dnit informou recentemente que não há previsão orçamentária para os gastos de recuperação dos passivos ambientais. "Há possibilidade de transformação da Portaria em Decreto Federal, o que além de obrigar a regularização das rodovias no âmbito de um programa nacional, também prevê recursos para a sua efetivação. No entanto não há prazos definidos", diz o Instituto.
Dnit e Sema foram procurados por esta reportagem para comentar o caso, mas até o fechamento desta matéria nenhum dos órgãos encaminhou resposta.
(Por Carolina Derivi, Amazonia.org.br, 24/11/2006)