Composto por pelo menos quatro células criminosas e articulado com três núcleos de apoio, o esquema de grilagem desmontado pela Polícia Federal pode ter retirado em cinco anos o equivalente a R$ 350 milhões em madeira da Terra Indígena Kayabi.
A estimativa foi feita a partir de perícia do Ministério Público Federal e consta no processo que tramita na 1ª Vara de Justiça Federal. Entre 2000 e 2005, mais de 27 mil hectares foram desmatados dentro da área dos índios.
No mercado internacional, o resultado desta ação poderia render quase meio bilhão de reais aos integrantes do esquema. Outros 34 mil hectares foram abertos em áreas complementares e no entorno, totalizando 61 mil hectares. A maior parte foi convertida em pastagens.
Números do desmatamento obtidos a partir do sistema de monitoramento da Secretaria de Meio Ambiente (Sema) mostram que a ação se intensificou a partir de outubro de 2002, com a publicação da portaria nº 1149 pelo Ministério da Justiça.
O documento aprovou a nova delimitação resultante das perícias antropológicas, ambientais, cartográficas e fundiárias coordenadas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) – dos 117 mil hectares demarcados em 1982, a terra passou a abranger 1 milhão e 53 mil hectares.
No processo, as investigações são descritas pelo procurador Mário Lúcio Avelar como um desdobramento das operações Curupira I e II – que também tiveram como alvo esquemas de exploração ilegal de áreas indígenas e de preservação permanente. “Os fatos têm absoluta conexão”, aponta.
Células
De acordo com o MPF, o esquema de grilagem era operado por pelo menos quatro células distintas. A primeira delas, chamada de “Elite”, composta por 11 indivíduos de grande poderio econômico nos municípios de Alta Floresta, Paranaíta e Apiacás – fazendeiros, empresários, comerciantes e madeireiros.
“Se de um lado promovem a arregimentação de pessoas, a intrusão de ‘posseiros’ no interior da terra indígena (...) de outro agem no sentido de obstar a atuação do Poder Público (...) impedindo a demarcação da terra, ora pelo uso da força bruta, ora pelo patrocínio de ações junto ao Poder Judiciário”.
A segunda célula é liderada pelo grileiro Antônio Campanharo, o “pioneiro”, morador de Paranaíta. De acordo com o MP, foi ele quem organizou o loteamento aberto em plena área indígena para os 23 integrantes do chamado Grupo União, de Jacareacanga (PA) (ver matéria).
“(Campanharo) Interage permanentemente com os integrantes dos demais núcleos (...) Não mede qualquer esforço para atingir seus objetivos ilícitos, inclusive o uso da força física para intimidar servidores da Fundação Nacional do Índio”.
Outro grupo de 23 pessoas é liderado por Norberta Queiróz Meirelles, moradora de Alta Floresta. A maior parte de seus integrantes ocupa lotes na Gleba Ximari, implantada pelo Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat) em Apiacás.
Identificado apenas pelo primeiro nome, o grileiro Marcelino seria o coordenador do núcleo menos conhecido até o momento – dele fariam parte outras 40 pessoas ainda não-identificadas, todas envolvidas com o esquema de grilagem.
No processo, Avelar cita ainda a participação de outros três núcleos, responsáveis pelo suporte técnico (advogados, antropólogos, engenheiros e consultores ambientais), obtenção de licenças (funcionários públicos do Ibama e da antiga Fema) e madeireiros que operam em Alta Floresta, Apiacás e Paranaíta. "Todos agem e interagem permanentemente para turbar a posse indígena".
(Por Rodrigo Vargas, Diário de Cuiabá, 26/11/2006)