O governo já tem à disposição uma nova ferramenta para fiscalizar a exploração madeireira. Uma técnica desenvolvida por uma ONG de pesquisas de Belém permite não só usar satélites para detectar o corte seletivo como também, pela primeira vez, avaliar a qualidade do manejo florestal praticado e descobrir irregularidades.
Essa é a boa notícia. A má é que o primeiro teste de grande escala da aplicação da nova metodologia revelou que 54% dos planos de manejo autorizados pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) no centro-oeste da Amazônia em 2003 tinham algum indício de problemas.
O sistema foi concebido pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), e será adotado pelo Serviço Florestal Brasileiro na fiscalização das concessões de florestas públicas à indústria madeireira. Seus criadores, André Monteiro e Carlos Souza Jr., usaram uma série de imagens do satélite Landsat para avaliar 87 planos de manejo numa região que vai da Terra do Meio, no Pará, até Rondônia -e que é hoje o principal foco de pressão dos madeireiros sobre a floresta.
Detectar a partir do espaço o corte seletivo de madeira é uma tarefa ingrata. As clareiras abertas pela derrubada de árvores individuais (de três a cinco por hectare) e as estradas abertas pelos madeireiros para arrastar as toras são tão pequenas que não aparecem nem mesmo nas imagens do Landsat, considerado um satélite de visão aguçada -seus "pixels", ou menores pontos de imagem, são quadrados de 30 m por 30 m.
O grupo do Imazon, liderado por Souza Jr., resolveu essa parte do problema desenvolvendo um método de processamento que permite enxergar as alterações na floresta menores que um "pixel". No momento, Imazon e Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) trabalham na montagem de um sistema que usa esse tipo de processamento para monitorar toda a atividade madeireira. O novo estudo dá um passo além. "Além de detectar a exploração, é possível qualificá-la", disse Monteiro à Folha.
Sinal amarelo
O estudo, que está na internet (www.imazon.org.br), usou imagens das áreas dos planos analisados de 2002, 2003 e 2004. "Nossas análises revelaram que a maioria dos planos (82%) apresentou algum tipo de alerta que merece verificação em campo", escrevem os autores. Eles esclarecem que não se trata necessariamente de irregularidades, mas de sinais amarelos que, uma vez detectados do escritório do Ibama, podem dar mais inteligência à fiscalização.
Um desses sinais é justamente a ausência de sinal. Dos 87 planos aprovados, 44 não apresentavam marcas visíveis de exploração. "Nesses casos ou o proprietário passou a localização errada para o Ibama -e os fiscais teriam de ter visto isso em campo- ou o Ibama tinha outra maneira de localizar o projeto", disse Monteiro. Em todo caso, a falta de exploração em uma área pode indicar que o madeireiro simplesmente está derrubando árvores ilegalmente em outro lugar.
Outros indícios de irregularidade são a extração de madeira antes da obtenção da licença do Ibama (vista em 10% dos casos, com o auxílio de imagens de 2002) e o desmatamento posterior à extração de madeira (3% dos casos estudados, visto nas imagens de 2004).
Os pesquisadores do Imazon conseguiram, ainda, saber se os projetos aprovados seguiam ou não boas práticas de manejo florestal, como o planejamento de estradas e a distribuição racional de pátios (clareiras onde as toras são empilhadas). Não seguiam. Viram que o que é considerado manejo no centro-oeste da Amazônia tem qualidade semelhante à da exploração predatória na região de Sinop, norte de Mato Grosso.
(Por Claudio Ângelo, Folha de S. Paulo, 24/11/2006)