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2006-11-24
Duas espécies de raias e sete de tubarões podem sumir muito em breve da Plataforma Sul, a última fatia do litoral brasileiro antes do Uruguai. Elas estão criticamente ameaçadas de extinção nesta região pela pesca comercial nas últimas décadas.

Apenas cinco delas são citadas na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas do Ministério do Meio Ambiente, que proíbe sua captura - e portanto estão desprotegidas sob a legislação brasileira. Nenhuma das nove é reconhecida como ameaçada pelo governo do Rio Grande do Sul, reduzindo ainda mais a chance de conservação.

Nos últimos 20 anos, a população destas espécies caiu 90% na Plataforma Sul. Para evitar o desaparecimento destes animais, que começou com a proliferação de frotas comerciais na década de 1960, pesquisadores do Estado propõem a criação pelo governo regional de três áreas de preservação onde a exploração pesqueira não seria permitida. Não há no Brasil nenhuma iniciativa do tipo para preservar elasmobrânquios, grupo de peixes que reúne raias e tubarões.

“A gente sugere o estabelecimento de áreas que poderiam ser usadas para a recuperação dos elasmobrânquios, e que também ajudariam a recompor o estoque dos outros peixes”, explica o oceanólogo Sandro Klippel, chefe do escritório do Ibama em Rio Grande (RS).

A proposta foi discutida nesta semana numa reunião do Ibama no Rio. Na semana que vem, será avaliada num encontro da Sociedade Brasileira para o Estudo de Elasmobrânquios em Itajaí (SC), onde pode ser incluída num plano nacional para conservação deste grupo.

A capacidade de pesca do Brasil não é caracterizada pela quantidade, mas pela qualidade - a biodiversidade que se vê em terra se repete no mar, numa “Amazônia azul”. Paradoxalmente, apenas 0,04% do litoral brasileiro é protegido em unidades de conservação.

Recuperação lenta
No Brasil, toda forma de captura da fauna é proibida. “Só que esta é a definição da pesca, então a lei federal tem exceções que funcionam como um habeas corpus”, afirma Klippel. “Quando a espécie é incluída na lista vermelha, tais exceções são revogadas.”

Na prática, a morte de raias e tubarões não é controlada. Não há políticas específicas de preservação deste tipo de peixe, que com freqüência fica preso nas redes de frotas comerciais. Ele é capturado de forma intencional ou não pelas redes de arrasto, que cortam a área atrás de corvinas, tainhas, anchovas e sardinhas - peixes que também tiveram seus estoques reduzidos no mesmo período por causa da superexploração, como já sentem os pescadores que dependem destas espécies para sobreviver.

Estratégias
Algumas modificações nas técnicas de pesca foram desenvolvidas para liberar cetáceos, tartarugas e aves marinhas que também são presos nas redes. Mas nenhuma proposta até hoje se mostrou eficaz no caso de raias e tubarões.

Para piorar, populações superexploradas de elasmobrânquios demoram muito mais tempo para se recuperarem do que outros grupos. Eles preferem águas rasas para se reproduzir e nascem somente após longos períodos de gestação, que podem durar até três anos - como acontece com o cação-anjo (Squatina argentina) - e têm poucos filhotes. “Pensamos em dez anos iniciais de proibição, equivalente a uma geração. Só que, em alguns casos no exterior, verificou-se que este tempo não foi suficiente para recuperar esse grupo”, diz Klippel.

Não é difícil os pescadores capturarem fêmeas grávidas de raias e tubarões, que abortam seus poucos fetos.

A devolução dos animais para o mar logo após serem puxados a bordo é, com a criação das áreas de exclusão, a melhor estratégia para tentar contornar a extinção das espécies na Plataforma Sul.

São dois os motivos. O primeiro é a taxa relativamente alta de sobrevivência - no caso da raia-viola (Rhinobatos horkelii), chega a 40%. O segundo é evitar que raias e tubarões entrem na cadeia comercial: a retirada, mesmo ocasional, pode render procura, que provocaria a pesca direcionada. Por isso, pesquisadores e o Ibama pedem que as embarcações não levem para a terra os elasmobrânquios capturados e os joguem de volta no mar.

Segundo o oceanógrafo, todos os pescadores reconhecem o problema. Porém, poucos são sensibilizados a ponto de mudarem a prática, especialmente os donos das grandes frotas comerciais. “Estes podem capitalizar e investir o lucro em outras áreas. O maior compromisso vem de quem trabalha em pequena e média escalas.”

Criação
Para o coordenador de estudos e pesquisas pesqueiras do Ibama em Brasília, Hiram Lopes Pereira, as áreas de exclusão podem realmente ajudar a evitar o desaparecimento das espécies. “O governo estadual pode sim criar uma legislação mais restritiva do que a federal para proteger os tubarões e raias da região.”

Porém, ele lembra que o processo de criação é demorado, uma vez que envolve a discussão com toda a sociedade. “A pesca é uma atividade social e econômica muito importante, é preciso agir com cautela. Medida emergencial, o governo pode editar uma instrução normativa que regule a atividade.”
(Por Cristina Amorim, O Estado de S. Paulo, 23/11/2006)
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