Coube à poderosa Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) defender o setor no episódio da morte de mais de 100 toneladas de peixes no Rio dos Sinos no dia 7 de outubro. A entidade reuniu bom número de jornalistas ontem (23/11) para apresentar sua versão dos fatos.
O objetivo da coletiva apareceu já na fala de Ricardo Lins Portella Nunes, coordenador do Conselho da Infra-Estrutura da entidade e primeiro a comentar o desastre. “Queremos mostrar a realidade do que aconteceu no
rio naquele dia”.
A realidade seria discordar do
relatório apresentado pela Fundação Estadual de Porteção Ambiental (Fepam), que apontou à imprensa e à população seis empresas que acabaram autuadas pelo órgão ambiental na ocasião. Torvaldo Marzolla Filho, coordenador do Conselho de Meio Ambiente da Fiergs, seguiu o raciocínio. Segundo ele, a responsabilidade das empresas multadas é próxima de zero, uma vez que a falta de saneamento nos municípios da bacia dos Sinos seria a grande culpada.
“A Fiergs não compactua com nenhum tipo de má-conduta por parte de empresas, porém não podemos responsabilizá-las por algo que os governos não fazem”, afirmou. De acordo com Marzolla, a própria ação da Fepam de injetar
oxigênio puro no rio nos últimos dias evidencia a inocência do setor industrial.
Adjalmo Gazen, conselheiro do Grupo Temático de Saneamento do Conselho de Infra-Estrutura decretou: “Matéria química não provoca falta de oxigênio na água, causa-mortis dos peixes”. Especialista em Saneamento, Gazen concorda com a tese da coincidência de fatores para explicar o desastre.
As coincidências foram:
período de baixa vazão do rio, agravada pelo uso para irrigação de lavouras de arroz, algumas sem a devida outorga, represamento das áreas a partir do Delta do Jacuí ocasionado pela incidência do vento sul, ocorrência de temperaturas mais elevadas provocando a aceleração da degradação de matéria orgânica, além da coincidência da piracema, período de outubro a março em que os peixes se deslocam para as nascentes para a desova. “Seria ingenuidade pensar que aquela quantidade de peixes é normal naquela parte do rio”, sugere.
De acordo com um documento apresentado pelo Conselho de Meio Ambiente da Fiergs, os 31 municípios que compõem a bacia dos Sinos apresentam um percentual de 10% do esgoto doméstico com algum tipo de tratamento.
O mesmo documento registra que a poluição industrial, que já foi de extrema gravidade, especialmente dos grandes curtumes, hoje apresenta níveis satisfatórios: 961 toneladas por ano de carga
DBO (demanda bioquímica de oxigênio) contra 7.907 toneladas por ano de carga DBO de origem doméstica. Trocando em miúdos, são 11% de poluição industrial e 89% de poluição doméstica de origem orgânica no Rio dos Sinos.
“Sabemos que o nível de qualidade alcançado se deve à imposição de rigorosos padrões de controle ambiental pela Fepam ainda na década de 1970”, reconhece Gazen. Cálculos apresentados pela Fiergs demonstram que as 106 indústrias da bacia dos Sinos gastaram R$ 18 milhões, no ano passado, no controle de poluição dos seus processos.
A Fiergs entende ainda que as empresas que cometem irregularidades devem arcar com suas responsabilidades e corrigir eventuais falhas. “Por outro lado, não se justifica a tentativa de transferir responsabilidades a todo um setor que vem atendendo os padrões estabelecidos pelos órgãos ambientais”, afirma Gazen.
O documento da Fiergs parece ainda sugerir um outro culpado: “Devem ser implementadas medidas de controle quantitativo das águas de irrigação de arroz com a aplicação, controle e monitoramento das outorgas, sob pena de serem comprometidos os usos para abastecimento público e mais agravada a situação já crítica do Rio dos Sinos”.
(Por Carlos Matsubara, 23/11/2006)