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2006-11-22
Em quase quatro anos, o governo Lula ampliou as operações de fiscalização ambiental na Amazônia e os recursos a elas destinados, em comparação a períodos anteriores. Números do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) parecem confirmar que o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia tem repercussão nas duas quedas sucessivas dos índices de desflorestamento entre 2004 e 2006.

Um dos fatores responsáveis para a maior presença do Estado na região foi o investimento realizado no sistema de monitoramento da floresta via satélite, com a disponibilização ágil dos dados sobre o desflorestamento. Também deu resultados a atuação coordenada de diferentes órgãos como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e a Polícia Federal (PF).

O "pé-quebrado" da repressão aos crimes ambientais, no entanto, continua sendo a responsabilização dos infratores. A média de cobrança e pagamento efetivos das multas ambientais é baixíssima em toda a Amazônia. Não há dados concretos e atuais, mas fala-se que menos de 10% das multas são pagas. Além disso, na maioria dos casos, o desmatamento ilegal é interditado, mas a área continua sendo usada por quem o realizou. Em geral, os equipamentos utilizados na atividade também não são apreendidos. A impunidade acaba estimulando novas derrubadas e diminui o impacto do trabalho dos fiscais do Ibama.

Além da fiscalização, ainda influenciaram na desaceleração da derrubada da floresta nos últimos dois anos outras políticas colocadas em prática a partir do plano, como a criação de mais de 19,5 milhões de hectares em Unidades de Conservação (UCs) federais, a instituição de normas fundiárias moralizadoras e a proibição temporária de atividades com impacto ambiental em milhões de hectares ao longo das rodovias BR-163 (Cuiabá-Santarém), no Pará, e BR-319 (Manaus-Porto Velho), no Amazonas. Também é certo que a recessão vivida pelo agronegócio, desde 2004, teve reflexos no declínio dos índices do desflorestamento.

No entanto, a ausência de indicadores consistentes sobre cada uma dessas iniciativas e sobre os fatores da conjuntura econômica que podem influir na dinâmica da derrubada da floresta continuam impedindo uma avaliação mais aprofundada das políticas ambientais do governo e colocam em questão a manutenção da tendência de queda no ritmo dos desmates. O Ibama vem reunindo e analisando os números sobre suas ações, mas ainda não conseguiu apresentar à sociedade dados detalhados a respeito. O deslocamento e a sofisticação das frentes de desmatamento deixa claro que o Poder Público precisa avançar ainda mais, não apenas em termos de comando e controle, mas também na consolidação das UCs e no fomento à economia sustentável.

Impunidade ainda é regra
Um dos bons resultados produzidos pela fiscalização ambiental no governo Lula diz respeito aos autos de infração e ao valor das multas aplicadas por danos à vegetação na Amazônia Legal. Com os resultados parciais até outubro, a administração atual tem uma média de 5,7 mil autos por ano, contra 4,6 mil do segundo governo FHC, de acordo com dados do Ibama. Em agosto de 2005, um decreto aumentou de R$ 1 mil para R$ 5 mil o valor da multa por hectare desmatado ilegalmente. Assim, até outubro deste ano, o Ibama chegou a marca de R$ 2,8 bilhões em multas por desmates ilegais em toda a Amazônia. A reportagem do site do ISA solicitou informações sobre o valor arrecadado, mas até o fechamento dessa matéria não recebeu a informação.

O valor impressionante poderia fazer supor que o órgão ambiental transformou-se em um grande arrecadador de recursos para governo federal, mas o caso não é este. O Ibama não fornece os números exatos, mas sabe-se que a cobrança efetiva das infrações é extremamente baixa em toda a Amazônia. Isso produz um quadro generalizado de impunidade que não só não constrange quem desmata ilegalmente, mas até estimula a sua atuação.

No Mato Grosso, que tem um sistema de monitoramento e licenciamento ambiental considerado modelo, cerca de 2% das multas em média são pagos. O estudo Sistema de Licenciamento Ambiental em Propriedades Rurais do Estado do Mato Grosso: análise de lições na sua implementação, elaborado pelo ISA, no ano passado, sob encomenda do MMA, apontou, entre outros, que um grande percentual das multas aplicadas pelos fiscais ambientais no Estado é cancelado ou têm o seu valor reduzido. Além disso, o trâmite das infrações é bastante demorado, podendo durar mais de quatro ou cinco anos. De acordo com o trabalho, pelo fato da área derrubada irregularmente não ser embargada, a morosidade e a inoperância acabam favorecendo ainda mais o infrator porque ele pode continuar lucrando com atividades nela desenvolvidas.

Bases operativas
Uma das novidades do plano de combate ao desmatamento do governo Lula foi a instalação, a partir de 2004, de 19 bases operativas em locais estratégicos do chamado Arco do Desmatamento, em especial no Mato Grosso e Pará. Em geral, essas instalações contam com um pequeno número de fiscais do Ibama e policiais, além de um ou dois veículos, um computador e acesso à internet para receber os mapas sobre desflorestamento. Em algumas cidades e operações mais importantes, porém, chegam a contar com equipes maiores formadas também por técnicos do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), soldados, policiais militares e federais. Segundo o Ibama, 15 bases estariam funcionando, sendo usadas tanto para fiscalizações de rotina quanto para as grandes operações policiais conjuntas de desmantelamento de quadrilhas de grilagem de terras, exploração e comércio ilegais de madeira. Em oito operações realizadas este ano no Mato Grosso foram envolvidas aproximadamente 50 pessoas entre analistas ambientais do Ibama, Polícia Federal e técnicos de órgãos de apoio.

Os números do Inpe confirmam que o ritmo do desflorestamento vem caindo em grande parte das áreas de abrangência das bases, que incluem municípios inteiros ou trechos deles. Nas 19 delas que estavam em funcionamento até 2005, em 17 houve queda nas taxas de desmatamento, entre 2003 e 2005, com destaque para Juína (- 96,5%) e Sinop (- 95,7%), no Mato Grosso, e Marabá (PA), com - 93,7%.

O ISA, em parceria com o Instituto Centro de Vida, está elaborando um relatório para o Comitê de Monitoramento e Avaliação da Gestão Florestal em Mato Grosso, órgão vinculado ao Secretário de Meio Ambiente do estado com uma proposta de um índice de fiscalização que reflita o esforço dos órgãos - Ibama e Secretaria de Meio Ambiente (isolada e conjuntamente) - no combate aos desflorestamentos no Estado. Este estudo deve estar concluído e apresentado ao Secretário de Meio Ambiente e ao Conama no início da próxima semana.

O diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Flávio Montiel, confirma que o órgão ainda está trabalhando em metodologias para aferir o impacto da fiscalização na queda dos índices de desmatamento, mas não tem dúvidas que a atuação do governo está sendo fundamental. "Não temos como provar [que a fiscalização reduziu o desmatamento] e nem teria o porquê. Talvez fosse interessante fazer a pergunta contrária: o que leva a crer que não foi a fiscalização e sim outros fatores?"

Repetindo o que diz o governo, Montiel acredita que a crise vivida pelo setor agropecuário nos últimos dois anos não seria suficiente para frear o corte de árvores. Ele acredita que os investimentos em equipamentos, contratação de pessoal, planejamento e inteligência foram os responsáveis pela maior presença do Ibama na Amazônia. "O que nós fizemos não foi apenas evitar a derrubada de árvores ou de uma floresta, mas também estancar um processo complexo, com a quebra de quadrilhas organizadas, que envolviam inclusive parte do Ibama”.

Em maio de 2005, uma parte considerável dos recursos destinados ao plano de combate ao desmatamento não haviam sido liberados pelo governo em 2004. Das 64 grandes operações de fiscalização previstas para o ano, apenas dez teriam sido realizadas. O Ibama disporia na época, em toda a Amazônia, de 43 engenheiros florestais e cerca de 800 fiscais para uma área de 5 milhões de quilômetros quadrados – um fiscal para cada 6,5 mil quilômetros quadrados e um engenheiro para cada 120 mil quilômetros quadrados.

De acordo com Montiel, a média do orçamento disponibilizado para a área de fiscalização e monitoramento do Ibama subiu de R$ 25 milhões, durante o governo FHC, para R$ 38 milhões, na administração Lula – sendo que 10% desses recursos foram destinados ao plano de combate ao desmatamento. No ano passado, ainda segundo Montiel foram executados R$ 48 milhões para o setor, contra R$ 28 milhões, em 2002. Além disso, desde 2004, foram investidos R$ 27 milhões em compra de equipamentos, como carros e aparelhos de sensoriamento remoto.

Desde 2003, entraram no órgão mais dois mil novos analistas ambientais. Em 2006, teriam sido planejadas dez operações e realizadas 20 no Mato Grosso. No Pará, foram previstas 31 e efetivadas 30. Montiel concorda, entretanto, que ainda são necessários mais recursos humanos e financeiros para garantir uma presença mais efetiva do Estado na Amazônia. “Nós conseguimos avançar bastante, mas não de forma satisfatória. Nós ainda estamos aquém daquilo que o Ibama precisa em termos de uma estrutura de comando e controle, de monitoramento e fiscalização.”

Entre 2003 e outubro de 2006, ao todo, foram realizadas 221 operações de combate a crimes ambientais na Amazônia que envolveram, algumas vezes, não apenas o Ibama, mas também a PF, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o Exército. Ao todo, foram apreendidos cerca de 814 mil metros cúbicos de madeira em tora, 47 tratores, 171 caminhões e 643 motosserras. A quantidade dessas ações também vem mostrando uma relação diretamente proporcional à desaceleração da derrubada da floresta.

Operação Curupira
Entre essas iniciativas, 11 grandes operações policiais contaram com um trabalho intenso de planejamento e investigação para desbaratar grandes quadrilhas que atuavam na extração e comercialização ilegais de madeira em vários estados da Amazônia e também do País. As operações “Setembro Negro” (2003), “Ouro Verde” (2005) e “Daniel” (2006), por exemplo, desmantelaram quadrilhas formadas, às vezes, por dezenas de pessoas, que incluíam práticas como a criação de empresas fictícias e a corrupção de funcionários públicos. Ao todo, a atuação conjunta dos técnicos do Ibama e da PF resultou na prisão de quase 380 pessoas, incluindo 71 servidores do Ibama, 19 outros funcionários públicos e 289 madeireiros, empresários, contadores e lobistas.

A Operação Curupira, realizada entre 2 e 3 de junho, é considerada a maior ação policial contra crimes ambientais já desenvolvida no país e causou grande repercussão em toda a imprensa. O alvo da PF foi um esquema que funcionava há mais de 14 anos, comercializando e falsificando Autorizações de Transporte de Produtos Florestais (ATPFs) com ajuda de madeireiros, empresários, despachantes, contadores e funcionários do próprio Ibama no Pará, Rondônia, Amazonas, Santa Catarina, Paraná, Distrito Federal e, principalmente, no Mato Grosso. As ATPFs eram impressas pela Casa da Moeda e manuseadas pelos fiscais do Ibama que deveriam atestar a legalidade do trânsito de qualquer produto madeireiro. O documento chegou a ser negociado por até R$ 2 mil pelos criminosos que atuavam no Mato Grosso.

A PF prendeu mais de 80 pessoas (incluindo funcionários graduados do Ibama local) e foram indiciadas mais de 200, acusadas de retirar e vender ilegalmente quase 2 milhões de metros cúbicos de madeira. Cerca de 430 firmas-fantasmas atuavam no comércio e transporte de madeira no Estado, que foi afetado duramente afetado porque o Ibama suspendeu por várias semanas a emissão das ATPFs.

O fato provocou protestos de representantes da indústria madeireira e de vários prefeitos mato-grossenses. Em agosto, a PF realizaria ainda a operação Curupira II, com objetivos semelhantes, tendo como alvo quadrilhas que atuavam em municípios de Rondônia e ainda no Mato Grosso. A partir daí, o governo federal acelerou os estudos para a criação de uma alternativa à ATPF. Em setembro passado, ela finalmente foi aposentada e começou a funcionar o Documento de Origem Florestal (DOF), sistema informatizado, operado via internet, para o monitoramento do comércio e do transporte de madeira.

“É evidente que a fiscalização teve impacto na redução do desmatamento. Mas também não há dúvida que ela terá de ser ampliada ainda mais para manter a tendência”, adverte Sérgio Guimarães, coordenador do Instituto Centro de Vida (ICV), organização que atua no Mato Grosso. Ele lembra que as grandes ações conjuntas do Ibama e da PF realizadas a partir das bases operativas conseguiram aumentar a presença do Estado na Amazônia, mas ainda de forma temporária.

Guimarães acha que é preciso tornar essa presença permanente, aprofundando as análises sobre a dinâmica do desmatamento, planejando fiscalizações preventivas e articulando iniciativas com os estados. “No caso do Mato Grosso, com a descentralização da gestão florestal, houve vários avanços na disponibilização de informações e no controle do comércio madeireiro, mas há um vazio na fiscalização e na responsabilização de quem comete os crimes ambientais”.

“Até recentemente, recursos continuavam atrasando ou sendo retidos. Em alguns casos, isso provocou o cancelamento ou interrupção de operações”, denuncia Marcelo Marquesini, diretor de projeto do Greenpeace. Ele conta que bases operativas do Ibama localizadas em regiões com altos índices de desflorestamento, como em Novo Progresso e São Félix do Xingu, no Pará, Vila Rica (MT) e Apuí (AM), só funcionam quando ocorrem grandes operações. Marquesini admite, porém, que existem bases que foram bem estruturadas, como em Aripuanã, no norte do Mato Grosso. As informações foram obtidas com técnicos e fiscais do Ibama que atuam em campo, segundo Marquesini. Ele também reclama da falta de indicadores para se fazer uma avaliação mais aprofundada das diversas ações previstas no plano de combate ao desmatamento.

Memorando (231/2006) assinado pelo Presidente do Ibama, Marcus Barros, em 8 de novembro último, encaminhado aos superintendentes, gerentes executivos, chefes de centros e de unidades de conservação proíbe as gerências executivas de realizar quaisquer novas despesas “por mais relevantes que sejam” sob pena de responsabilidade civil e administrativa do agente público que descumprir ordem. O ofício determina ainda que sejam tomadas providências no sentido de reduzir em 25% as despesas para novembro e dezembro. Este último episódio coloca em dúvida a possibilidade do órgão aprimorar suas ações de controle na Amazônia.

É preciso aumentar a presença do Ibama nas regiões mais críticas da Amazônia sem comprometer suas responsabilidades com os demais biomas nacionais. É preciso aumentar o grau de responsabilização dos infratores ambientais. É preciso uma avaliação de fundo sobre a eficácia e eficiência das ações de controle, os seus impactos e resultados. Para tanto é preciso que não haja cortes no já minguado orçamento do órgão e que haja fortalecimento do Plano de Combate aos Desmatamentos. Resta uma pergunta: será que retomada a desejada trajetória de alta na curva de crescimento do agronegócio as ações de controle do Ibama darão conta de manter a tendência de queda nos desmatamentos verificada nos últimos dois anos? É quase evidente que não. Fiquemos atentos às novidades do novo governo, pois se ainda não está bom, certamente pode piorar.
(Por Oswaldo Braga de Souza, Instituto Socioambiental, 21/11/2006)

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