Kofi Annan apresenta balanço: a má noticia é que o aquecimento ameaça a estabilidade ambiental da Terra
2006-11-22
Seis semanas antes de deixar a Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas, Kofi Annan apresentou um balanço de suas realizações e fracassos em matéria de desenvolvimento. A boa noticia é que a ajuda oficial ao desenvolvimento, que o Norte industrial repassa aos países pobres, superou os US$ 100 bilhões anuais, alcançando uma nova marca. Nos anos 80, esse montante foi, em média, a metade. A má noticia é que faltam US$ 12 bilhões para atingir a meta de US$ 20 bilhões com os quais se pretende financiar a prevenção do vírus da deficiência imunológica humana (HIV), causador da aids. E a pior, segundo Annan, é que o aquecimento do planeta ameaça a estabilidade ambiental da Terra, especialmente a África, a região “mais afetada” pela mudança climática.
Os doadores internacionais se apressaram em financiar a guerra contra o terrorismo liderada pelos Estados Unidos, mas foram lentos em sua resposta à persistente crise de um continente onde estão 36 dos 50 países menos desenvolvidos, recordou Anuradha Mittal, diretora-executiva do não-governamental The Oakland Institute. Foi registrado um “nível sem precedentes de ativismo mundial” em favor do alivio da pobreza nos últimos anos, especialmente em 2005, por ocasião da cúpula do Grupo dos Oito países mais poderosos do mundo na localidade escocesa de Gleneagles, disse Mittal à IPS.
“O mundo presenciava os concertos Live Aid enquanto os lideres do G-8 acertavam aumentar a assistência aos países em desenvolvimento em US$ 50 bilhões ao ano até 2010, duplicar a ajuda para a África e eliminar a divida pendente dos países mais pobres”, acrescentou. Mas a assistência externa destinada à África caiu 40% na década de 90 e agora se situa em US$ 12 bilhões anuais, segundo Mittal. Por outro lado, a coalizão que invadiu o Iraque, encabeçada pelos norte-americanos, arrecadou em questão de semanas US$ 70 bilhões.
Até agora, disse Mittal, os Estados Unidos gastaram mais de US$ 350 bilhões no Iraque. Os países da coalizão gastaram milhares de milhões de dólares em armas em nome da guerra mundial contra o terrorismo. “Exigirá mais do que falsas promessas das nações ricas assegurar o respeito ao direito de todo ser humano viver com dignidade e livre da fome. É tempo de implementar um Plano Marshall para a África, incondicional e sem paternalismos, que inclua um alivio da dívida de 100% e um aumento da assistência ocidental”, afirmou Mittal.
No que considerou uma declaração-chave antes de deixar o cargo, o que acontecerá no dia 31 de dezembro, Annan recordou na semana passada, em uma reunião em Addis Abeba, que toda a comunidade internacional apoiou os Objetivos para o Desenvolvimento do Milênio. “Portanto, temos muitos motivos de orgulho”, disse o secretário-geral no Fórum para o Desenvolvimento da África. “Mas não podemos nos permitir perder um segundo. Lançamos as bases para o desenvolvimento, mas apenas isso”, ressaltou.
“Não sabemos, realmente, se esses êxitos contarão nos próximos dez anos, quando poderemos olhar para trás e ver se os Objetivos foram alcançados, se a prosperidade cresce com igualdade entre países e regiões, se todas as crianças vão à escola, com alimento suficiente, se há perspectivas de trabalho, saúde, moradia e outros direitos básicos”, prosseguiu Kofi Annan. “Francamente, no melhor dos casos, as perspectivas são contraditórias”, acrescentou, mas expressando confiança de que o mundo poderá atingir a meta em matéria de redução da pobreza “graças aos destacáveis avanços na Ásia”.
Os Objetivos do Milênio foram estabelecidos em setembro de 2000, por unanimidade, em uma sessão especial da Assembléia Geral da ONU, na presença de numerosos chefes de Estado e de governo. As oito metas estabelecem objetivos claros para reduzir a pobreza, a fome, as doenças, o analfabetismo, a contaminação ambiental e a discriminação das mulheres. Entre os obejtivos com prazo estabelecido para 2015 figuram educação primária universal; reduzir pela metade, em relação a 1990, o número de pobres, famintos e pessoas sem acesso à água potável e sem meios para custeá-la.
Outros objetivos estabelecidos em 2000 pelos 189 países que então integravam a ONU são promover a igualdade de gênero, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater o HIV/aids, a malária e outras doenças e garantir a sustentabilidade ambiental. Porém, a implementação deste programa depende basicamente do aumento da ajuda do Ocidente. “Fiz o melhor que pude para alimentar e construir as relações entre África e ONU”, disse Annan, cidadão de Gana, aos dirigentes do continente africano reunidos em Addis Abeba. Em seu discurso Annan foi mais franco e duro do que habitualmente é, disse uma diplomata asiática à IPS. “Por momentos, foi comovedor”, afirmou.
(Por Thalif Deen, IPS, 21/11/2006)
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