A fronteira entre Peru, Brasil e Bolívia - onde a Cordilheira dos Andes e a floresta amazônica se encontram - é a região de maior biodiversidade ecológica do planeta. Nessa área, foram encontradas quantidades recordes de espécies animais, insetos e plantas. Devido às diferenças bruscas de altitude em um espaço restrito, os ecossistemas mudam muito. Além disso, os rios andinos descem as montanhas carregando muita terra fértil para a Amazônia.
Entre 2000 e 2005, o desmatamento nessa região foi duas vezes maior que o ocorrido em toda a década de 90, segundo dados da Fundação Peruana para a Conservação da Natureza (ProNatureza). O ritmo acelerou-se ao longo do tempo. Foram destruídos 150 mil hectares em 1990, 200 mil hectares em 1995, 250 mil hectares em 2000 e 360 mil hectares em 2005. "São os efeitos da simples expectativa da estrada", diz coordenador do projeto Interoceânica Sul da entidade, Ernesto Ráez Luna.
A Interoceânica, que ligará o Brasil aos portos do Oceano Pacífico, atravessa o departamento de Madre de Dios, região do Peru com maior quantidade de hectares de selva em bom estado de conservação - 60% do território peruano é de floresta amazônica. No trecho que vai de Puerto Maldonado a Inambari, a estrada passa bem próxima da reserva nacional Tambopata e do parque nacional Bahuaja-Sonene. O rio Tambopata é um importante afluente da bacia Amazônica do Brasil. É exatamente no entorno dessas cidades que se concentra o desmatamento.
A região está cheia de "resorts de selva", hotéis que recebem turistas para passeios ecológicos. A chegada de turistas em Madre de Dios passou de 5 mil em 1994 para 40 mil em 2004. Mas também é forte a produção de ouro, que aumentou de 7 toneladas em 1990 para 15 toneladas em 2004.
A maior parte da população desse departamento é favorável ao asfaltamento da estrada, pois acredita que junto virão o progresso e a tecnologia. "Os ambientalistas não são contra a estrada, porque a população têm esse direito. O que nos preocupa é que falta investimento para ações de desenvolvimento sustentado", diz Luna.
A Corporação Andina de Fomento aprovou um financiamento de US$ 17,5 milhões para mitigar os impactos ambientais e sociais da obra. Esse valor representa 2% dos US$ 810 milhões do custo total da construção da estrada. Segundo o ambientalista, os organizações não-governamentais que acompanham a obra estão pleiteando recursos dez vezes maiores, cerca de US$ 200 milhões.
Luna teme que a estrada acelere atividades ambientalmente danosas, como mineração, agricultura e extração ilegal de madeira. Os impactos sociais, como o aumento da prostituição e do tráfego de drogas, também são preocupantes. A região é rota de transporte de cocaína do Peru e da Bolívia para o Brasil.
Para acelerar o projeto, o governo peruano aprovou separadamente o estudo de impacto ambiental apenas da primeira etapa da obra. A expectativa é que a aprovação completa ocorra ainda este ano. No Peru, o estudo de impacto ambiental é avaliado por um órgão subordinado ao Ministério dos Transportes. Não existe um Ministério do Meio Ambiente. A principal autoridade no país é o Instituto de Recursos Naturais, que faz parte do Ministério da Agricultura.
(Por Raquel Landim,
Valor Econômico, 21/11/2006)