Mede-se melhor o clima a partir da Sibéria, mostra estudo
2006-11-20
Uma torre metálica de aproximadamente 300 metros de altura situada na Sibéria, onde em um ano ocorrem flutuações de temperatura de 80 graus, pode fornecer explicações para a mudança climática global. Desde o final de setembro, Zotto, como é conhecida a torre por suas siglas em inglês (Zotino Tall Tower Observation Facility), recolhe amostras do ar sobre o pequeno povoado siberiano de Zotino, cerca de três mil quilômetros a leste de Moscou, e transmite dados sobre sua composição química para vários dos mais avançados centros de estudos do clima da Europa.
A torre foi instalada no recente verão boreal nessa região boscosa, praticamente despovoada e quase virgem de toda intervenção humana, e desde então mede ininterruptamente as flutuações da concentração de gases que causam o efeito estufa, como dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, responsáveis pelo aquecimento do planeta. A estação, que funcionará durante os próximos 30 anos, está conectada ao Instituto de Biogeologia Química da Universidade de Jena e ao Instituto Max Planch de Maguncia, ambos na Alemanha, entre outros centros europeus.
“As florestas da Sibéria são o lugar ideal de medição das flutuações de gases estufa”, explicou ao Terramérica Martin Heimann, professor da Universidade de Jena e diretor do projeto Zotto. As razões são várias. Uma delas é que, por fotossíntese, a abundante vegetação da taiga russa – bioma boreal onde predominam as florestas de coníferas, como abetos, alerces e pinhos – absorve até 10% do total desses gases produzidos globalmente. Durante a fotossíntese, as plantas consomem dióxido de carbono e liberam oxigênio, contribuindo para fazer da Terra um planeta habitável para o ser humano.
Este processo também transforma a energia solar em combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás. Na Sibéria, as plantas da taiga produzem entre 5% e 10% da fotossíntese total da terra. Além disso, a atmosfera ao redor da Zotto, por seu isolamento geográfico, está virgem de todo contato com as emissões de gases industriais. E, finalmente, a torre supera em dezenas de metros as copas das árvores e está equipada para captar amostras do ar em uma camada atmosférica ideal para medir os fluxos dos gases estufa.
“Com seus 300 metros, a torre alcança a camada planetária fronteiriça da atmosfera, pouco estudada até agora”, disse ao Terramérica Claudia Hillinger, coordenadora de pesquisa no Instituto de Biogeologia Química, em Jena. Ela se referia à camada da troposfera que recebe influência diretamente da superfície terrestre e gera mudanças de temperatura e de massa e turbulências em um tempo inferior a 60 minutos. O isolamento da torre em uma região boscosa de milhões de quilômetros quadrados e as mudanças de temperatura que ocorrem nesse lugar são outras das variáveis fundamentais nas medições, acrescentou Heimann.
Segundo ele, na Sibéria “ocorrem flutuações de temperatura de 80 graus durante um ano. A região se aquece mais rapidamente do que outras partes do planeta. No solo siberiano, congelado a maior parte do ano, estão presos até 10% do carvão produzido pela fotossíntese no mundo. Se o aquecimento desse solo continuar, seu degelo poderá liberar enormes quantidades de dióxido de carbono na atmosfera, com conseqüências climáticas imprevisíveis”. Entretanto, o degelo do solo da Sibéria e o aquecimento da atmosfera poderiam produzir resultado contrário: que um maior número de plantas cresça e, por fotossíntese, absorva mais dióxido de carbono do que o previsto. Medir essas variações é exatamente a tarefa da Zotto.
A instalação da torre custou US$ 2,1 milhões, e faz parte da CarboEurope, um programa de estudo das mudanças climáticas financiado pela União Européia. Com os dados da Zotto, Heimann e sua equipe de biogeólogos realizarão novas estimativas da mudança climática sob a influência dos gases estufa. A informação da torre é transmitida por satélite, primeiro para a capital regional Krasnoyarsk, cerca de 150 quilômetros a sudeste da estação, e depois para as cidades alemãs de Jena e Mangucia, cerca de cinco mil quilômetros a sudoeste de Zotino. Ali é incorporada ao banco de dados e comparada com medições da presença de gases causadores do efeito estufa em 30 estações semelhantes distribuídas por toda a Europa.
Cientistas estimam que a concentração atual de dióxido de carbono na atmosfera terrestre é a maior jamais registrada, e continua crescendo, devido principalmente à combustão de fósseis e ao desmatamento. O dióxido de carbono é o mais nocivo dos gases estufa. O aquecimento atmosférico provocado por estes gases poderia liberar importantes quantidades de dióxido de carbono produzido por fotossíntese e preso na biosfera. Isto contribuiria para desequilibrar ainda mais o clima na Terra e se contrapor aos esforços de redução das emissões industriais estipuladas em convenções internacionais como o Protocolo de Kyoto (1997).
(Por Julio Godoy, Terramérica, 20/11/2006)
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