A tocaia contra funcionários do Ibama, armada esta semana em Roraima, é a
confirmação de que a caça a quelônios (tartarugas, cágados e jabutis)
definitivamente deixou de ser uma atividade de pequena escala, realizada
apenas por populações ribeirinhas. De acordo com agentes de fiscalização que
trabalham na proteção das praias onde os animais fazem sua desova, os
tartarugueiros estão cada vez mais bem equipados com lanchas, ferramentas de
comunicação e armas. São os resultados de uma atividade altamente lucrativa,
cujos mercados estão concentrados nas cidades de Manaus e Belém.
Na terça-feira passada, uma equipe do Ibama formada por dois guias, um
veterinário e um agente de fiscalização foi surpreendida por um barco com
quatro homens em um afluente do Rio Branco que abriram fogo contra eles. O
guia José Santos Cruz foi morto e outras três pessoas ficaram feridas. Tanto
o órgão ambiental quanto a polícia suspeitam que os criminosos sejam
fornecedores ilegais de quelônios em Manaus.
“Antes, a caça de tartarugas era feita por pescadores com canoa a remo, hoje
quem atua tem barcos melhores que os nossos e utilizam rádio para se
comunicarem com bases de apoio”, conta Otacílio Neves Júnior, o mais antigo
funcionário do Ibama de Roraima a trabalhar com tartarugas. Segundo ele,
quando o Projeto Quelônio foi iniciado há quinze anos, o trabalho consistia
em educar os ribeirinhos sobre os danos causados pela alimentação à base das
espécies com casco.
Os ovos e a carne de tracajá, como é conhecido o quelônio mais visado,
sempre foram tratados como iguarias na região Norte do país. E são
especialmente procurados nesta época do ano, porque as comemorações de fim
de ano coincidem com o período em que milhares de tartarugas se tornam alvos
fáceis nas praias em que desovam. As praias do Rio Branco são apenas uma das
fontes para as tartarugadas manauaras. Animais do rio Purus e Solimões
também atendem a esta demanda. “É uma questão complicada, onde se misturam
degradação ambiental e fatores culturais”, resume o coordenador de operações
de fiscalização do Ibama em Brasília, Aristides Salgado Neto.
O fato é que paralelamente à caça ribeirinha, a captura em larga escala
visivelmente ganhou fôlego nos últimos cinco anos. De acordo com relato de
Neves Júnior são diversas quadrilhas compostas por “malandros” de Manaus
atraídos pelo lucro fácil. Uma tartaruga grande vale entre 300 reais e 600
reais na capital amazonense. Muitos atravessadores aliciam comunidades
locais para se tornarem fornecedoras de animais de casco, pagando-lhes
combustíveis e equipamentos para o trabalho.
Consumo de luxo
Para Moisés Rodrigues, Chefe de Fiscalização do Ibama de Roraima, a captura
ilegal de quelônios começou a ser financiada porque o consumo dos animais
está ligado a pessoas com o alto poder aquisitivo em Manaus. “Quem está por
trás disso, é gente com dinheiro”, garante. Operações realizadas nas
redondezas do Rio Branco durante este ano apreenderam barcos e equipamentos
dos traficantes. Desde então, conta Rodrigues, os tartarugueiros começaram a
ameaçar fiscais do Ibama. “Quem usa um colete do Ibama está na mira”, diz.
Era o caso de Pimenta, que apesar de trabalhar apenas como colaborador do
órgão, usava vestimentas do Prevfogo quando foi morto com um tiro no peito.
Na opinião do presidente da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais
Silvestre, Dener Giovanini, não é possível subestimar o organização destas
quadrilhas. Ele lembra que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do
Tráfico de Animais indicou que muitas vezes a captura ilegal está atrelada a
dinheiro sujo de drogas e armas.
A coordenadora de proteção e manejo do Centro de Répteis e Anfíbios do
Ibama, Vera Lúcia Luz, afirma que recentes apreensões feitas na bacia do
Amazonas já deveriam ter mobilizado uma fiscalização mais acirrada do órgão
ambiental contra os tartarugueiros. Neste ano, foi apreendido um barco com
1,9 mil filhotes nas cercanias de Manaus. Em 2005, 1,1 mil tracajás adultos
foram pegos em operações no Baixo Rio Negro, região que se tornou a rota dos
tartarugueiros que vão a Roraima. “A gente vem falando sobre este problema
faz tempo, mas parece que não é prioridade”, diz Vera Lúcia, sem esconder
insatisfação. Neves Júnior, do Ibama de Roraima, também reclama. “Hoje quem
fiscaliza, como este pessoal que foi atacado, faz por amor, não há recurso.”
A saída para combater o tráfico de tartarugas tem sido apostar em criadouros
legalizados. Hoje o Centro de Répteis e Anfíbios já licenciou 120 criadouros
na Região Norte, e há cerca de 100 mil animais prontos para o abate. Para
aumentar o comércio legal, o Ibama chega a doar 10% dos carregamentos de
tartarugas apreendidas para que reproduzam em cativeiro. Assim mesmo,
relata-se que, em Manaus, quem quer fazer uma “boa tartarugada” está sempre
atrás das espécies retiradas do rio.
(Por Gustavo Faleiros,
OEco, 18/11/2006)