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2006-11-20
A tocaia contra funcionários do Ibama, armada esta semana em Roraima, é a confirmação de que a caça a quelônios (tartarugas, cágados e jabutis) definitivamente deixou de ser uma atividade de pequena escala, realizada apenas por populações ribeirinhas. De acordo com agentes de fiscalização que trabalham na proteção das praias onde os animais fazem sua desova, os tartarugueiros estão cada vez mais bem equipados com lanchas, ferramentas de comunicação e armas. São os resultados de uma atividade altamente lucrativa, cujos mercados estão concentrados nas cidades de Manaus e Belém.

Na terça-feira passada, uma equipe do Ibama formada por dois guias, um veterinário e um agente de fiscalização foi surpreendida por um barco com quatro homens em um afluente do Rio Branco que abriram fogo contra eles. O guia José Santos Cruz foi morto e outras três pessoas ficaram feridas. Tanto o órgão ambiental quanto a polícia suspeitam que os criminosos sejam fornecedores ilegais de quelônios em Manaus.

“Antes, a caça de tartarugas era feita por pescadores com canoa a remo, hoje quem atua tem barcos melhores que os nossos e utilizam rádio para se comunicarem com bases de apoio”, conta Otacílio Neves Júnior, o mais antigo funcionário do Ibama de Roraima a trabalhar com tartarugas. Segundo ele, quando o Projeto Quelônio foi iniciado há quinze anos, o trabalho consistia em educar os ribeirinhos sobre os danos causados pela alimentação à base das espécies com casco.

Os ovos e a carne de tracajá, como é conhecido o quelônio mais visado, sempre foram tratados como iguarias na região Norte do país. E são especialmente procurados nesta época do ano, porque as comemorações de fim de ano coincidem com o período em que milhares de tartarugas se tornam alvos fáceis nas praias em que desovam. As praias do Rio Branco são apenas uma das fontes para as tartarugadas manauaras. Animais do rio Purus e Solimões também atendem a esta demanda. “É uma questão complicada, onde se misturam degradação ambiental e fatores culturais”, resume o coordenador de operações de fiscalização do Ibama em Brasília, Aristides Salgado Neto.

O fato é que paralelamente à caça ribeirinha, a captura em larga escala visivelmente ganhou fôlego nos últimos cinco anos. De acordo com relato de Neves Júnior são diversas quadrilhas compostas por “malandros” de Manaus atraídos pelo lucro fácil. Uma tartaruga grande vale entre 300 reais e 600 reais na capital amazonense. Muitos atravessadores aliciam comunidades locais para se tornarem fornecedoras de animais de casco, pagando-lhes combustíveis e equipamentos para o trabalho.

Consumo de luxo
Para Moisés Rodrigues, Chefe de Fiscalização do Ibama de Roraima, a captura ilegal de quelônios começou a ser financiada porque o consumo dos animais está ligado a pessoas com o alto poder aquisitivo em Manaus. “Quem está por trás disso, é gente com dinheiro”, garante. Operações realizadas nas redondezas do Rio Branco durante este ano apreenderam barcos e equipamentos dos traficantes. Desde então, conta Rodrigues, os tartarugueiros começaram a ameaçar fiscais do Ibama. “Quem usa um colete do Ibama está na mira”, diz. Era o caso de Pimenta, que apesar de trabalhar apenas como colaborador do órgão, usava vestimentas do Prevfogo quando foi morto com um tiro no peito.

Na opinião do presidente da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestre, Dener Giovanini, não é possível subestimar o organização destas quadrilhas. Ele lembra que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Animais indicou que muitas vezes a captura ilegal está atrelada a dinheiro sujo de drogas e armas.

A coordenadora de proteção e manejo do Centro de Répteis e Anfíbios do Ibama, Vera Lúcia Luz, afirma que recentes apreensões feitas na bacia do Amazonas já deveriam ter mobilizado uma fiscalização mais acirrada do órgão ambiental contra os tartarugueiros. Neste ano, foi apreendido um barco com 1,9 mil filhotes nas cercanias de Manaus. Em 2005, 1,1 mil tracajás adultos foram pegos em operações no Baixo Rio Negro, região que se tornou a rota dos tartarugueiros que vão a Roraima. “A gente vem falando sobre este problema faz tempo, mas parece que não é prioridade”, diz Vera Lúcia, sem esconder insatisfação. Neves Júnior, do Ibama de Roraima, também reclama. “Hoje quem fiscaliza, como este pessoal que foi atacado, faz por amor, não há recurso.”

A saída para combater o tráfico de tartarugas tem sido apostar em criadouros legalizados. Hoje o Centro de Répteis e Anfíbios já licenciou 120 criadouros na Região Norte, e há cerca de 100 mil animais prontos para o abate. Para aumentar o comércio legal, o Ibama chega a doar 10% dos carregamentos de tartarugas apreendidas para que reproduzam em cativeiro. Assim mesmo, relata-se que, em Manaus, quem quer fazer uma “boa tartarugada” está sempre atrás das espécies retiradas do rio.
(Por Gustavo Faleiros, OEco, 18/11/2006)

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