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2006-11-20
O rio Madeira, maior afluente do Amazonas, está às vésperas de ser leiloado. Furnas/Odebrecht pretendem implantar as bases iniciais do Complexo do Madeira, um projeto da Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana (IIRSA).

Luis Fernando Novoa Garzon*

O rio Madeira, maior afluente do Amazonas, está às vésperas de ser transformado em um eixo exportador de matérias-primas e em um escoadouro de energia. Furnas/Odebrecht pretendem implantar as bases iniciais do Complexo do Madeira, um projeto da IIRSA- Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana, com o objetivo de criar um corredor bi-oceânico através de uma hidrovia industrial que passaria por território brasileiro, boliviano e peruano em direção ao Pacífico através de quatro hidroelétricas. Santo Antonio e Jirau são as primeiras. Em Porto Velho, se dá a ignição da incorporação desse território sob nova diretoria, sob nova jurisdição, e nova base econômica.

O segundo Governo Lula, consubstanciando sua aliança estratégica com o capital financeiro e com o agronegócio - Blairo Maggi à testa -, está sendo obrigado a entregar o Madeira como prova de compromisso. Prova de que o enclave econômico será também enclave político. Os barramentos de Santo Antonio e Jirau, apresentados como solução para o apagão, são na verdade dois degraus serviçais para passagem da sangria nacional, que não mais será sangria, mas fluxo “natural” de um corpo econômico transnacional de grãos, minérios e madeira, em formação nessas bandas.

Ao se ler o artigo publicado na Carta Maior pelo historiador Chico Teixeira no dia 16 de novembro, até parece que foi enviado pelo governo para defender o pacto de desterritorialização do Madeira e do chamado corredor noroeste. Começa dizendo que as Usinas seriam um “passo fundamental para superar o isolamento da região”. Isolamento em relação a quê? Ao Centro-Sul? O retrato do colonizado nos olhos do colonizador. A Amazônia como ilha, barreira, obstáculo. E lá vem eles nos “salvar” com energia barata para servir a industria multinacional do alumínio, nos “salvar”com hidrovias, represas e estradas para os cinturões de monocultivos, nos salvar do passado e nos trazer o futuro. Se o “futuro do Brasil mora em Rondônia”, como diz o Vaz Caminha emprestado, é apenas casualidade que estejam fazendo disso aqui um imenso ralo?

Pela magnitude do Projeto do Complexo do Madeira, sua operacionalização demanda ajustes institucionais, na verdade esgarçamentos institucionais, a partir do licenciamento ambiental. Exatamente por esse motivo é que a flexibilização da regulamentação ambiental tornou-se agenda consensual e prioritária do setor de infra-estrutura altamente concentrado, do agronegócio, do sistema financeiro internacional, e do Governo Federal.

É a pedra de toque do “novo ciclo de crescimento” impulsionado por investimentos em plataformas de infra-estrutura voltadas para exportação. O licenciamento das usinas do Madeira será o marco dessa partilha de soberania, servindo como referencial facilitador, uma senha para o enquadramento da Amazônia nos eixos programados pelos grandes projetos previstos para a região e que estão na fila do Madeira: Belo Monte o próximo. Por isso o historiador convocado a narrar a história da dominação, edulcorada e estendida ao futuro , precisa “realizá-la” no próprio discurso, de modo publicitário, dizendo que a questão é “transformar o Projeto Madeira em um paradigma do desenvolvimento auto-sustentado.”

O paradigma é submeter-se ao cronograma, métodos e dinâmicas dos grandes investidores, proporcionando acumulo de capital suficiente para que políticas compensatórias ganhem eficiência em igual medida. A sustentabilidade que querem garantir é a dos negócios, e os negócios precisam de estoques naturais e de estoques sociais. Por isso as áreas de reserva e de proteção, propostas como medidas mitigatórias, serão geridas na área do projeto sob a vigência de um regime de concessão de florestas que institucionaliza a formação de reservas de “capital natural” e de um regime fundiário obediente à lógica da regularização da expansão do latifúndio monocultor e pecuarista. Por isso, tantas promessas de benefícios sociais antecipadas com subempregos temporários, cestas e bolsas-família. Por isso a estratégia das elites políticas locais instrumentalizando ambos campos.

O Governador de Rondônia Ivo Cassol, com fortes vínculos com o agronegócio e com o governador matogrossense Blairo Maggi, é empresário do setor hidroelétrico. O PT local, apesar de ainda contar com algum oxigênio de vida social, não consegue e não pretende construir um projeto que ultrapasse a assimetria vigente, por isso, através de seu prefeito em Porto Velho, Roberto Sobrinho, tenta otimizar os aspectos mitigatórios e compensatórios do projeto, de forma a catapultar o Partido à sucessão do Governo daqui a quatro anos. A vil disputa pela paternidade do projeto e pela intermediação de seus benefícios condicionais, deixa a população desguarnecida, à mercê da sanha dos patrocinadores do projeto, barateada como moeda de troca em nome de uma “agilidade” do licenciamento ambiental. A lógica é a da venda da alma: quem entrega mais e primeiro, será intermediário do novo dono em igual proporção.

O Ibama, que deveria executar a política ambiental federal, está sendo obrigado a conjugar e verbo e a função em sua forma literal, seguindo um ritual já coreografado de certificação desse novo “paradigma” de licenciamento da barbárie sócioambiental. A Ministra Marina Silva, que já tinha se manifestado contra a hidrovia industrial do Madeira, foi lembrada que calada já estava incorreta.
Aliás, o mesmo status que querem dar à regulamentação ambiental no Brasil. A existência de tais instrumentos já representa estorvo suficiente para os agentes funcionalizadores do território. Por isso precisam mutilá-los progressivamente, a fim de retirar da população os instrumentos e a capacidade de defender seu modo de vida e seu território.

As audiências públicas do Madeira foram o palco para essa auto-imolação em nome dos investimentos privados. Os Estudos de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental - que deveriam constituir uma peça de compromisso entre empreendedores, Estado e a população, incorporando as externalidades socioambientais no projeto, submetendo-o depois ao escrutínio social - são uma afronta à legalidade.

Os indicadores sobre impactos sociais, perda de economia de várzea, anulação de memórias e de identidades, ritmos de sedimentação e erosão, contaminação por mercúrio, qualidade da água, e eliminação de biodiversidade foram encaixotados e padronizados a partir da adoção de metodologias e amostragens reconhecidamente inadequadas. O EIA-RIMA e os estudos complementares que nada complementam, solicitados pelo Ibama, estão sob contestação pública e técnica.

É um escândalo que o Ibama tenha permitido a apresentação desses estudos nessas condições, e maior escândalo ainda foi enviar para essas audiências o próprio diretor nacional de Licenciamento Ambiental, Luiz Felipe Kunz, para tratorar o processo de licenciamento prévio. O Ministério Público, em articulação com a sociedade civil, em ação cautelar cancelou duas dessas audiências.

A liminar exigia a adequação dos estudos e o prazo adequado (e acessibilidade) para a socialização das informações neles contidas, antes da convocação de novas audiências. No dia 8 de novembro, sai a liminar. Nesse mesmo dia e no seguinte, em Abunã e Mutum-Paraná, Luis Felipe insiste em iniciar as audiências, e é o MAB, o Movimentos dos Atingidos por Barragens, que o obriga a cumprir a liminar. Dia 9, à tarde, a República nunca viu tanta preocupação em derrubar uma liminar. O pacto de desterritorialização do Madeira estava em questão e continua. Porque as audiências de Jacy-Paraná e de Porto Velho deixaram claro que foram criadas como espaço de figuração, não de participação.

A visão idílica apresentada pelo historiador cria os personagens de que precisa para fazer sua tortuosa defesa de um projeto que pretende aterrissar a ferro e fogo no território nacional e regional, depois de loteadas suas esferas institucionais.
Sociólogo, membro da Rede Brasil - Vigilância de Instituições Financeiras, e professor da Universidade Federal de Rondônia.
(Agência Carta Maior, 17/11/2006)

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