ONGs criticam plano brasileiro contra desmatamento
2006-11-17
O plano voluntário de redução de desmatamento apresentado pelo Brasil em Nairóbi é "insuficiente" para compensar a parcela de responsabilidade do País no aquecimento global, disseram organizações ambientais que acompanharam a elaboração da proposta.
"O Brasil precisa parar de basear seus argumentos em contribuições históricas, e olhar para frente", disse um relatório do Greenpeace. Já o coordenador de Políticas Públicas do Fundo Mundial para a Natureza (WWF, na sigla em inglês), Mauro Armelin, ressaltou que o estabelecimento de metas de redução do desflorestamento - discussão que o País evita - tornaria mais robusto o plano do Brasil.
Na quarta-feira (14/11), em entrevista à BBC Brasil, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o governo brasileiro já tem "compromissos internos" em relação ao desmatamento, e não aceitará pressões externas para adotar metas. A ministra, no entanto, não especificou quais seriam esses compromissos.
Proposta
Em fóruns internacionais, o Brasil é um dos principais países a votar contra a adoção de metas de redução de desflorestamento, defendida por ambientalistas, governos estrangeiros e organizações não-governamentais.
A posição brasileira é de considerar o estabelecimento de metas como uma "interferência externa" no modelo de desenvolvimento do país.
A idéia brasileira prevê a criação de um fundo voluntário - baseado em um "compromisso ético", segundo a ministra - em que países ricos contribuiriam com recursos financeiros para incentivar nações que reduzam o desmatamento.
Para surpresa de alguns, o plano apresentado pela ministra e pelo secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério, João Capobianco, foi recebido com aparente indiferença no plenário. Ao final da exposição, nenhum dos delegados dos mais de 180 países presentes à convenção quis fazer perguntas.
Organizações que encontraram um lado positivo na proposta brasileira ressaltaram que ela é um "passo adiante" - nas palavras do Greenpeace - e um "início de abertura" por parte do Brasil - termo usado pelo representante do WWF - no sentido de aceitar pelo menos a discussão internacional do problema.
Preservação x Desenvolvimento
Mas as organizações insistiram na necessidade de um "compromisso internacional" para avaliar os avanços nas políticas anti-desmatamento.
O coordenador da campanha de clima do Greenpeace, Carlos Rittl, disse que, ao basear-se no voluntarismo, a proposta brasileira "não assegura as reduções do desmatamento no longo prazo".
Em situações em que é registrada uma alta no preço de commodities, cuja produção tem impacto na floresta - como a soja ou a carne de gado - os projetos ambientais podem simplesmente perder atratividade, ele afirmou.
Mauro Armelin, do WWF, afirmou que, sem metas, "os potenciais doadores (do fundo proposto pelo Brasil) não vêem compromissos de longo prazo" dos países emergentes.
Além disso, ele afirmou, "metas internacionais envolvem tanto os países ricos quanto os países em desenvolvimento". À falta delas, Armelin conclamou o governo brasileiro a estipular uma meta nacional, desdobrada inclusive em objetivos individuais de cada Estado da federação.
Com 17% de mata original amazônica desmatada, "o Brasil precisa discutir com que velocidade quer atingir os 20% (máximos permitidos pelo Código Ambiental)", ele disse. "Mas esta é uma discussão que tem que ser puxada pelo governo. Se for colocada por organizações ambientais, ela será rechaçada pelo setor produtivo."
Segunda proposta
Outro plano com o objetivo de compensar países que evitem o desmatamento foi apresentado pela delegação de Papua Nova Guiné.
No entanto, o esquema da delegação papua permite que os países ricos que financiem projetos de proteção de florestas em países em desenvolvimento contabilizem esses "ganhos" em suas próprias metas de redução de emissão de gases causadores do efeito estufa.
Pelo Protocolo de Kyoto, as nações emergentes estão livres de metas, mas podem "vender" suas emissões de carbono. Na época da discussão do acordo, os projetos de redução de desmatamento ficaram fora do "comércio de carbono". Agora, muitos imaginam que eles podem ser a solução para engajar todos os países na questão climática, quando o protocolo expirar, em 2012.
Estima-se que 20% das emissões de carbono no mundo são resultado do desmatamento, seja por conta das queimadas, seja pelo menor número de árvores realizando a fotossíntese, processo natural que retira gás carbônico do ar.
Em entrevista coletiva, o secretário-executivo da Convenção da ONU sobre o Clima, Yvo de Boer, disse que as propostas do Brasil e de Papua Nova Guiné - além de contribuições que outros países ainda queiram apresentar - serão analisadas a partir de agora em um workshop.
Especialistas em Nairóbi acreditam que deve demorar ainda cerca de dois anos até que uma decisão final seja tomada sobre as propostas.
(O Estado de S. Paulo, 16/11/2006)
http://www.estadao.com.br/ciencia/noticias/2006/nov/16/104.htm