Comunidades tradicionais afetadas pela mudança climática na África: "ficamos refugiados por causa do clima"
2006-11-17
Comunidades tradicionais da África que participam em Nairóbi da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática narraram como suas vidas foram alteradas pelo aquecimento do planeta. “Já não caçamos como antes. Nem mesmo pescamos como costumávamos, porque não há peixes e a água dos rios e dos lagos está secando. Ficamos como refugiados por causa do clima”, disse aos jornalistas Anna Pinto, delegada da Índia. Segundo Hussein Abdullahi, de uma comunidade do nordeste do Quênia dedicada ao pastoreio, o clima nessa região se tornou imprevisível, transformando em inúteis os antigos conhecimentos tradicionais sobre o estado do tempo.
“Antes, os pastores dependiam do conhecimento tradicional para prever o clima. Eu nunca precisei de meteorologista para saber quando ia chover. Antes, as rãs me diziam algo. Pelo canto das aves sabíamos que as chuvas estavam próximas, e, então, nos preparávamos nos bons tempos para dar pastagem aos nossos animais, para que não sucumbissem em caso de seca”, disse Abdullahi. “Mas tudo isso é história, e agora temos de depender dos meteorologistas, e o pior é que eles nunca nos dizem o que acontece”, acrescentou.
Abudllahi contou que a mudança nos padrões climáticos, que derivam em períodos de intensas secas, obrigam os pastores a abandonar seu trabalho e se mudar para zonas urbanas. Muitos agora dependem da ajuda alimentar para sobreviver, enquanto outros morreram durante as secas. No norte do Quênia há poucos serviços públicos, e os moradores devem andar por vários dias para conseguir água. Cinqüenta por cento do gado nessa zona morreu devido à seca que dos últimos anos, segundo a Organização das Nações Unidas.
A maioria dos cientistas concorda que o aquecimento do planeta se deve à atividade humana, sobretudo à liberação de gases pela combustão de petróleo, gás e carvão, sendo o principal deles o dióxido de carbono. Esses gases se acumulam na atmosfera e, por sua grande capacidade de reter o calor dos raios solares, acentuam o chamado efeito estufa. A conseqüência desse superaquecimento é uma mudança climática global com manifestações regionais e locais, como o derretimento de gelos polares e geleiras, a elevação do nível do mar, secas, tempestades, furacões e inundações.
Apesar de os Estados Unidos gerarem 25% das emissões dos gases que causam o efeito estufa, o governo de George W. Bush retirou a assinatura de seu antecessor, Bill Clinton (1993-2001), do Protocolo de Kyoto, único mecanismo internacional contra a mudança climática. Bush argumenta que o acordo pode afetar a economia de seu país. Em Nairóbi acontece a segunda Conferência das Partes que atua como Reunião das Partes do Protocolo de Kyoto (COP/MOP 2) em conjunto com a décima-segunda Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 12). Do encontro, que começou dia 6 e vai ate sexta-feira, participam cerca de seis mil delegados de todo o mundo.
As nações pobres que carecem de recursos para enfrentar o aquecimento planetário são as mais afetadas pelas transformações do clima. Além das prolongadas secas, as alterações no clima causarão inundações e temperaturas muito altas, que provocarão uma grande insegurança alimentar e escassez de água. Um relatório da ONU, apresentado no começo do encontro, revela que o número de pessoas mortas e afetadas por desastres na África provocados pela mudança climática entre 1993 e 2002 chega a mais de 136 milhões. “Precisamos de um compromisso (na mudança climática) para todos os países, incluindo os Estados Unidos”, disse à IPS Jukka Ousukainen, funcionária do governo finlandês.
A Finlândia exerce a presidência rotativa da União Européia, bloco responsável por 14% das emissões de gases causadores do efeito estufa no Norte industrializado. “A UE não pode por si só solucionar o problema do clima. Mesmo se reduzíssemos todas nossas emissões, não deteríamos a mudança climática”, disse Ousukainen. Entretanto, delegados norte-americanos presentes em Nairóbi destacaram que os Estados Unidos são a favor de reduzir esses gases, mas por meio da adoção de tecnologias limpas, argumentando que isto não afetará a indústria nem derivará em perda de empregos.
Um punhado de países que apóiam a posição de Washington promovem o uso de tecnologias limpas e estimulam nações em desenvolvimento a plantar mais árvores para que absorvam o excesso de dióxido de carbono. A estratégia tem o apoio da ambientalista queniana Wangari Maathai, prêmio Nobel da Paz, que se uniu ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em uma campanha destinada a plantar um bilhão de arvores até 2007. A iniciativa foi lançada oficialmente no ultimo dia 8.
“Temos a informação, temos as mostras da mudança climática e podemos falar às pessoas sobre secas e inundações. Mas a grande pergunta é o que vamos fazer com isso? Ao menos podemos minimizá-lo plantando árvores”, disse aos jornalistas em Nairóbi. “Qualquer um pode cavar, plantar uma árvore e regá-la para garantir que sobreviva”, acrescentou.
(Por Joyce Mulama, IPS, 14/11/2006)
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