A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, apresentou oficialmente em Nairobi, no Quênia, a proposta elaborada pelo Brasil de criação de um mecanismo de incentivos financeiros para estimular os países em desenvolvimento a reduzir de maneira efetiva as emissões de gases de efeito estufa causadas pelo desmatamento de suas florestas. A intervenção da ministra brasileira aconteceu na quarta-feira (15/11), durante a 12ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-12) que reúne representantes de 180 governos no país africano.
Um dos objetivos da COP-12 é definir regras e compromissos para a aplicação da segunda fase do Protocolo de Kyoto, que começa em 2012, e preparar os 163 países signatários para enfrentar o aquecimento global que, segundo a própria ONU, voltou a se acentuar nos últimos anos e já ameaça de forma concreta a vida no planeta. Nesse contexto, muitos querem que a obrigação de adotar metas de redução - que, segundo o Protocolo, cabe somente aos países mais industrializados - seja estendida aos países em desenvolvimento na segunda fase de aplicação.
O Brasil, apesar de ser considerado o quarto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, se recusa a assumir metas de redução concretas para o país e prefere investir na proposta de incentivo à redução do desmatamento, que é responsável por 75% de suas emissões. Essa postura adotada pelo governo brasileiro na COP-12 vem sendo questionada nos debates diplomáticos em Nairobi e já é alvo da crítica aberta das organizações socioambientalistas. A rede de ONGs Climate Action Network (CAN) chegou a conceder ao Brasil o prêmio “Fóssil do Dia”, dado ao país que “mais se esforçou para emperrar os avanços nas discussões sobre o aquecimento global”.
De acordo com a proposta apresentada por Marina Silva, os países em desenvolvimento poderão receber recursos internacionais para aprimorar as ações de combate ao desmatamento e, com isso, reduzir sua emissão de gases provocadores do efeito estufa na atmosfera. A transferência desses recursos - que, naturalmente, teriam que vir dos países ricos - se daria de maneira voluntária. Além dos recursos em dinheiro, a proposta do Brasil fala também em “transferência de tecnologia e de meios para capacitação profissional e aperfeiçoamento das potencialidades dos países mais pobres”.
Os recursos eventualmente aportados pelos países ricos seriam distribuídos proporcionalmente à redução de emissões conseguida pelos países em desenvolvimento. Caso as emissões provocadas pelo desmatamento aumentem, a diferença será descontada de futuros incentivos financeiros. A proposta brasileira sugere ainda que a redução das emissões seja contabilizada “a partir de uma taxa média de desmatamento de referência, num período de tempo a ser determinado e num conteúdo definido de toneladas de carbono por bioma ou por tipo de vegetação”.
Essa taxa média de desmatamento, segundo a proposta apresentada por Marina, poderia ser verificada em cada país através de um sistema de monitoramento semelhante ao Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), que foi desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e vem sendo utilizado pelo governo brasileiro para verificar o desmatamento na Amazônia. Baseadas em imagens de satélite, as informações do Deter são consideradas transparentes e dotadas de rigor científico: “O Brasil se compromete a transferir a tecnologia do Deter, sem ônus, a outros países que possuem florestas tropicais”, disse a ministra brasileira aos seus pares.
“Brasil limpo”
A proposta apresentada pelo Brasil na COP-12 foi definida na semana passada, durante uma reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante a reunião, ficou claro que o governo brasileiro considera que a principal ação a ser feita para garantir o cumprimento das metas do Protocolo de Kyoto é a alteração da matriz energética dos países desenvolvidos, já que cerca de 80% das emissões dos gases de efeito estufa são provenientes do uso de combustíveis fósseis. No Fórum, Lula disse que o Brasil “tem uma matriz energética limpa” e que a redução de 30% no ritmo do desmatamento da Amazônia registrada nos últimos dois anos “credencia o país a apresentar sua proposta na COP-12”.
A ministra Marina Silva cobrou maior esforço dos países ricos: “Eu acho que estamos trabalhando, sobretudo, com a idéia do constrangimento ético. Com menos condições, com maiores dificuldades, os países menos desenvolvidos estão fazendo e dando a sua contribuição. Não é justo que países ricos, que têm recursos financeiros e tecnológicos para fazer seu trabalho de redução das emissões, não o façam”, disse. Marina defendeu um esforço conjunto para deter o desmatamento: “As florestas e a biodiversidade, para serem preservadas, dependem das reduções de emissões de gases de efeito estufa dos países que têm responsabilidades e obrigações. Porque, senão, os esforços serão inúteis”, disse a ministra.
ONGs criticam
A decisão do governo brasileiro de não aceitar a adoção de metas concretas para si próprio, no entanto, vem suscitando diversas críticas em Nairobi. Uma nota divulgada pelo Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS) afirma que “a posição atual do Brasil nas negociações, principalmente na insistência em não aceitar o diálogo sobre os compromissos adicionais além de medidas voluntárias, poderá ser um obstáculo significante no progresso em prol de um acordo mundial mais fortalecido e efetivo”.
No contexto de impasse em relação ao Protocolo de Kyoto, o FBOMS afirma que a proposta brasileira de criação de um mecanismo de incentivo à redução do desmatamento nos países em desenvolvimento “é um instigante passo adiante”. No entanto, por falar somente em contribuições voluntárias dos países ricos, a idéia também é alvo de críticas: “O fato de que esse financiamento recai sobre contribuições voluntárias de outros países para o fundo, além de não envolver nenhum mecanismo de crédito dentro do Protocolo de Kyoto ou qualquer outro tipo de compromisso no âmbito da Convenção ou do Protocolo, reduz sua probabilidade de ter um impacto significante nos índices de desmatamento”, afirma Adilson Vieira, que é membro da coordenação do GT Mudanças Climáticas do FBOMS e secretário-geral da rede Grupo de Trabalho Amazônico (GTA).
Coordenador da Campanha de Clima do Greenpeace no Brasil, Carlos Rittl também pede um maior engajamento do governo brasileiro: “O Brasil precisa assumir sua responsabilidade como grande emissor de gases de efeito estufa. O governo deve combater o desmatamento de maneira implacável, promover as energias limpas e os programas de economia de energia”.
Durante a COP-12, o Greenpeace apresentou um relatório com os pontos mais vulneráveis às mudanças climáticas na Amazônia, além de um estudo sobre os efeitos do desmatamento da maior floresta do mundo sobre o aquecimento global: “Os brasileiros têm todo o direito de saber onde somos mais vulneráveis aos efeitos devastadores do aquecimento global e como vamos reduzir nossa contribuição a este problema”, afirma Rittl.
(Por Maurício Thuswohl, com informações do MMA, do FBOMS e do Greenpeace,
Agência Carta Maior, 17/11/2006)