Mudança climática: Ninguém sairá ileso das suas conseqüências
2006-11-17
Trezentas e oitenta partes por milhão (ppm) é a atual concentração de dióxido de carbono no ar que entra nos pulmões de um ser humano cada vez que respira. Há uma geração, eram 290. Em um futuro não muito distante, segundo as projeções dos cientistas, a concentração de dióxido de carbono – o gás ao qual é atribuída grande parte do aquecimento do planeta – aumentará para 450 ou 500 ppm. Respirar um pouco mais de dióxido de carbono não é tão ruim para a saúde humana. Depois de tudo, a concentração de oxigênio no ar ao nível do mar é de 200 mil ppm. Mas a mudança na atmosfera tem profundo impacto sobre o clima do planeta.
A mudança climática ameaça destruir ruínas antigas na Tailândia, arrecifes de coral em Belize, mesquitas do século XIII no deserto do Saara, o Reino Floral da Cidade do Cabo, na África do Sul, informaram especialistas esta semana. “As mudanças climáticas estão causando impacto em todos os aspectos dos sistemas humanos e naturais, incluindo tanto o patrimônio mundial cultural quanto o natural”, disse o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Koichiro Matsuura.
O aumento da temperatura oceânica descolore os arrecifes de coral e o crescente aumento da acidez dos oceanos pode provocar sua extinção em massa. O aquecimento da atmosfera derrete geleiras de todo o mundo, prejudicando a biodiversidade, já que as espécies são obrigadas a se trasladar de seus enclaves naturais para sobreviverem, disse Matsuura. Portanto, uma pequeníssima quantidade de dióxido de carbono importa muito. Os 90 ppm extra de gás na atmosfera prenderam calor adicional do sol suficiente para aquecer a Terra em quase um grau, em média.
Essa energia de calor extra presa na atmosfera é responsável por maior freqüência e intensidade de chuvas e tempestades, da elevação da temperatura dos oceanos e do aumento do nível do mar, bem como de condições climáticas mais extremas. Trezentas e oitenta ppm de dióxido de carbono é a maior concentração na atmosfera em, pelo menos, um milhão de anos, e talvez 30 milhões, destacou o professor David King, principal assessor do governo da Grã-Bretanha em matéria de ciência. “A humanidade está alterando o clima”, disse David à rede de rádio e televisão britânica BBC, no início deste ano. Outros 100 ppm poderiam aumentar as temperaturas mundiais, em média, entre dois e cinco graus.
“Não sabemos se os ecossistemas poderão resistir a mais três graus. Com quatro graus estaremos em grandes problemas”, afirmou Andréas Hamann, especialista em floresta da Universidade de Alberta, no Canadá. A mudança climática já causa impacto em muitos locais declarados patrimônio cultural e natural mundial, disse Kirstin Dow, da Universidade da Carolina do Sul, nos Estados Unidos. “A barreira de coral favorita de Monte Everest diminuíram cerca de oito quilômetros deste que Edmund Hillary fez a primeira subida com sucesso, em 1953”, explicou Davis à IPS.
Dow e Tom Downing, diretor do Instituto Ambiental de Estocolmo, documentam o impacto real e potencial do fenômeno em seu livro “The Atlas of Climate Change: Mapping the World’s Greatest Challenge” (O Atlas da mudança climática: traçando um mapa do maior desafio mundial). O volume foi apresentado esta semana na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que começou em Nairóbi no dia 6 e terminará na próxima sexta-feira. “Queríamos estimar os impactos, em particular muitos, mas não foram medidos antes”, disse Dow. As inundações que açoitaram a Europa em 2002 afetaram auditórios, teatros, museus e bibliotecas. Calcula-se que meio milhão de livros e documentos foram danificados. A mudança climática pode gerar mais inundações e mais perdas, segundo o Atlas.
Entre os locais em perigo figuram:
- Os monumentos da portuária cidade egípcia de Alexandria, como a Cidadela de Qait Bey, do século XV, ameaçada pela erosão costeira e inundação da região do delta do Rio Nilo;
- Na Escócia, cerca de 12 mil sítios arqueológicos considerados vulneráveis à erosão e ao aumento do nível do mar, incluídas obras medievais em sal em Brora; um sítio da Idade do Ferro na Baía de Sandwich e um sitio viking em Baileshire;
- Os mais de 550 mil hectares do Reino Floral do Cabo, na África do Sul, que abriga uma importante diversidade vegetal, estão ameaçados por mudanças na umidade do solo e nas chuvas de inverno;
- O acelerado derretimento das geleiras do Parque Nacional Huascarán, no Peru, aumentando o risco de inundação de lagos, que causaria impacto sobre um Chavín de Huantar, onde estão tesouros pré-incaicos, entre eles templos do ano 900 antes de Cristo.
Mesquitas, catedrais, monumentos e artefatos de sítios antigos são ameaçados por mudanças nas condições históricas e climáticas locais. Isto pode levar a modificações sutis, mas prejudiciais, nos níveis de umidade que afetam diretamente as estruturas, a química e a estabilidade dos solos onde se encontram, disse Dow. E também existe o risco de aparecerem novas pestes que possam emigrar devido à mudança climática.
O Atlas revela “o alcance das ameaças e o quanto inclusiva deve ser a resposta global para administrar o maior desafio mundial”, acrescentou Downing. Esse desafio consiste em reduzir as emissões de dióxido de carbono e outros gases causadores do efeito estufa. “Neste preciso momento temos a tecnologia para fazer essas reduções através da eficiência energética, e muita são replicáveis”, afirmou Dow, também especialista em construção amigável com o meio ambiente. “Simplesmente, precisamos começar já”, ressaltou.
(Terramérica, 14/11/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=24643&edt=1