Camada de poluição pode ajudar a arrefecer planeta, indica prêmio Nobel de Química
2006-11-17
Um grupo de cientistas, entre os quais um prêmio Nobel, defende que uma camada de poluição deliberadamente espalhada pela atmosfera poderia ajudar a criar "sombra" e impedir que o Sol aqueça excessivamente o planeta.
A reação à proposta na conferência anual das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, que decorre em Nairobi, foi um misto de precaução, curiosidade e alguma resignação face a uma operação "tão drástica e massiva", segundo disse um responsável da ONU ao correspondente da agência AP.
O próprio cientista que primeiro fez a proposta, o climatologista Paul J. Crutzen (prêmio Nobel da Química em 1995), "não está muito entusiasmado".
"Era para assustar os políticos", disse o investigador do Instituto Alemão de Química Max Planck, avisando, contudo, que "se não assumirem ações mais duras do que no passado, vamos ter de fazer experiências destas".
Contudo, depois de confrontados com esta proposta, vários cientistas levaram a sério a idéia, sublinhando que devem ser estudados eventuais efeitos secundários.
Este fim-de-semana, o Centro de Pesquisa Ames da NASA vai acolher um workshop de alto nível para analisar a proposta de "bruma" global e outras idéias de "geoengenharia" para contornar os efeitos das alterações climáticas.
Quando publicou a sua proposta na revista Climatic Change, em Agosto passado, Crutzen aludiu a "uma resposta política internacional muito desapontante" face ao aquecimento global.
O climatologista holandês sugere que poderiam ser usados balões para transportar sulfatos e dispará-los contra a estratosfera.
Enquanto o dióxido de carbono impede o calor de se escapar da terra, substâncias como o dióxido de enxofre, um poluente atmosférico, reflectem a radiação solar ajudando a arrefecer o planeta.
Tom Wigley, um climatologista americano, publicou em Outubro um artigo na revista norte-americana Science, citando, tal como Crutzen, o precedente da grande erupção vulcânica do monte Pinatubo, nas Filipinas, em 1991.
O Pinatubo expeliu tantos detritos sulfurosos para a estratosfera que se acredita que arrefeceu a terra 0,5 graus durante cerca de um ano.
Wigley traçou cenários relativos à injeção de sulfatos a nível da estratosfera - à escala dos 10 milhões de toneladas de detritos lançados pelo Pinatubo - e concluiu que a ideia de Crutzen poderia resultar.
Seria necessária uma disseminação massiva de poluentes em cada um ou dois anos já que os sulfatos se precipitam na atmosfera sob a forma de chuvas ácidas.
O cientista americano disse que um "escudo" temporário daria aos líderes políticos mais tempo para reduzir a dependência humana dos combustíveis fósseis - a principal fonte de emissão de gases com efeito de estufa (GEE) O investigador referiu que os especialistas devem estudar aprofundadamente a exequibilidade da ideia e os seus possíveis efeitos na química da estratosfera, facto com que os participantes da conferência de Nairobi concordam.
"Sim, claro que essa pesquisa deve ser feita", afirmou à AP o climatologista indiano Rajendra K. Pachauri, responsável da rede das Nações Unidas para as alterações climáticas, que integra 2000 cientistas.
Mas "se as pessoas decidirem concretizar algo tão massivo e drástico como isto, é preciso ter a certeza absoluta de que não existem efeitos secundários", alertou.
Philip Clapp, um veterano das campanhas para a redução de emissões, também soou o alarme: "Já estamos envolvidos numa experiência descontrolada ao injectarmos GEE na atmosfera".
O geofísico americano Jonathan Pershing, do Instituto de Recursos Mundiais de Waschington, também se mostrou preocupado com as consequências imprevistas, mas sublinhou que valia a pena considerar a ideia.
Crutzen explicou que a sua proposta visava a "bruma" global como uma componente do planeamento a longo prazo.
(Observatório Algarve, 16/11/2006)
http://www.observatoriodoalgarve.com/cna/noticias_ver.asp?noticia=9571