Mudanças climáticas: ações de controle devem ser emergenciais
2006-11-16
As fortes pancadas de chuva tropical que caem sobre Nairóbi, capital do Quênia, em novembro são uma bela amostra do quão ponderosa pode ser a natureza. Como disse uma vez a escritora Hilda Hilst, a natureza pode ser encantadora e bela, mas também assustadora. Facilmente podemos dar imagens ao que disse Hilda: tempestades, furacões, enchentes e toda forma de intempérie ambiental sempre provoca perdas incontáveis, tanto de vidas humanas, como de bens materiais.
É diante desse cenário que se encontra hoje a comunidade internacional reunida em Nairóbi, no Quênia, onde 165 ministros de Estado participam dos três dias finais das negociações da Convenção de Mudanças Climáticas da ONU, onde são acertadas as decisões do Protocolo de Kyoto.
As negociações avançam lentamente, uma vez que interesses diversos movem os diplomatas e especialistas dos 189 países integrantes da Convenção. Países desenvolvidos e em desenvolvimento disputam intensas quedas de braço para medir suas responsabilidades ou recompensas pelo atual desequilíbrio ambiental. Vale explicar que nem todos os países membros da Convenção ratificaram o Protocolo de Kyoto, o mecanismo criado para que se tenham compromissos e metas de redução das emissões dos gases do efeito estufa.
“Alguns países vem sendo extremamente lentos em reconhecer o problema e muitas vezes parecem querer atrasar uma ação global”, reclama Catherine Pearce, da ONG Amigos da Terra (Friends of the Earth), uma das grandes organizações ambientalistas do terceiro setor que vieram à Nairóbi para acompanhar as negociações. Catherine, que participa das discussões há mais de cinco anos, é enfática ao dizer que os avanços no combate às mudanças climáticas precisam ser mais drásticos, sobretudo, na ajuda aos povos mais vulneráveis.
Os efeitos das mudanças climáticas, apontados pela comunidade científica, são sentidos principalmente por aqueles que vivem da terra. Como diz Nelly Damaris Chepkoskei, que é agricultor na vila Kipchebor, no Oeste do Quênia: “O que mais nos incomoda são as mudanças na chuva nas últimas décadas. Lembro que durante as comemorações de Natal sempre chovia intensamente e, nos últimos anos, esse período tem sido muito seco”, afirma Nelly, que veio à conferência de Nairóbi a convite da ONG ambientalista WWF.
Esse desequilíbrio climático, segundo o secretário geral da ONU, Kofi Annan, que discursou nesta quarta-feira, dia 15, em Nairóbi, é a mais séria ameaça aos esforços pela erradicação da pobreza. Annan anunciou ainda que seis organismos internacionais irão compor um novo plano de ação para conter os efeitos nocivos das mudanças climáticas, denominado “Nairobi Framework”.
O plano irá apoiar os países em desenvolvimento, principalmente na África, a promoverem projetos dentro do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) . O MDL permite que países industrializados com metas de redução de suas emissões (estabelecidas pelo Protocolo) invistam em projetos sustentáveis em nações em desenvolvimento, ganhando em contrapartida créditos de carbono.
Iniciativas dentro do MDL já somam um total de 1.300 projetos ao redor do mundo e apresentam um potencial de redução de emissões comparável ao total emitido pela Alemanha em 2004 (1,4 bilhão de toneladas). Os projetos de MDL estão inseridos dentro do mercado internacional de carbono . A expectativa, de acordo com a UNEP, é de que esse mercado alcance o montante de US$ 30 milhões até o fim deste ano.
Os integrantes desse plano são: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), o Banco Mundial, Banco de Desenvolvimento Africano e a própria Convenção das Nações Unidas de Mudanças Climáticas (UNFCCC).
Cenário das Mudanças Climáticas
Nos últimos 10 mil anos, o planeta nunca passou por tamanha mudança de clima, como a que acontece atualmente, afirmou a UNEP. A previsão é de que ainda neste século, o planeta aqueça entre 1,4 e 5,8 graus Celsius. O continente africano, o mais afetado pelas mudanças climáticas, aqueceu 0,7 graus Celsius durante o século 20 e cientistas acreditam que até 2100 a temperatura no continente pode aumentar entre 2 e 6 graus Celsius.
Esse aquecimento causará a elevação do nível dos mares entre 15 e 95 cm até 2100, deixando as regiões costeiras extremamente vulneráveis . Atualmente, calcula-se que 30% da infra-estrutura costeira da África está sob risco de destruição. Embora seja o continente mais afetado pelas mudanças climáticas, a África contribui com apenas 2% a 3% das emissões globais de gases do efeito estufa, enquanto apenas os Estados Unidos sejam responsáveis por cerca de 27% das emissões globais.
O custo de se reduzir imediatamente as emissões de gases do efeito estufa é o maior problema enfrentando pelos governos e pelo setor privado, já que a energia gerada a partir de combustíveis fósseis continua a ser a opção mais barata, comparada às fontes renováveis, como a energia solar e eólica.
A mudança de paradigma na geração de energia requer investimentos maciços. De acordo com a Agência Internacional de Energia, nos próximos 25 a 30 anos, serão necessários investimentos superiores a US$ 17 trilhões para que novas fontes sejam incorporadas à matriz energética mundial. Para que haja uma contribuição significante na redução das emissões é necessário que, no mínimo, 40% da geração de energia do mundo seja substituída entre os próximos 5 a 10 anos.
A Agência Internacional também prevê que em 2030, o consumo de energia será pelo menos 50% maior do que é hoje e que esse crescimento será alavancado, principalmente, pelos países em desenvolvimento. “Se nenhuma medida for tomada para que a geração de energia torne-se mais limpa, as emissões de gases do efeito estufa crescerão 62% até 2030”, informou documento da entidade.
Novos dados científicos sobre as mudanças climáticas serão apresentadas em maio de 2007 em Bangkok, quando o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em Inglês) divulgará o estudo “Cimate Change 2007”.
(Por Juliana Radler, Envolverde, 15/11/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=24666