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2006-11-16
A área ambiental, assim como o Ministério do Meio Ambiente, realmente não foi um dos setores mais festejados ou acariciados neste primeiro mandato de Lula. Pelo contrário. Tanto entre os setores produtivos quanto no interior do próprio governo, a questão ambiental e o cumprimento da legislação foram repetidamente taxados como “fatores retardadores do desenvolvimento”, principalmente quando se antepuseram aos projetos infra-estruturais de grande impacto socioambiental (hidrelétricas, estradas, transposição do São Francisco etc).

A dificuldade de elaboração, por parte do governo, de um projeto nacional que não impacte o meio ambiente como preço a pagar pelo desenvolvimento – considerem-se aí também os grandes investimentos no agronegócio, principal vetor do desmatamento da Amazônia e do cerrado, por exemplo – causou bastante descontentamento entre setores da sociedade civil organizada. Mas, por outro lado, faltou, por parte do movimento socioambiental, uma atuação mais firme que impulsionasse políticas para o setor e elevasse a questão ambiental ao patamar de prioridade nacional.

É nesta direção que o ambientalista Jean-Pierre Leroy, coordenador do Projeto Brasil Sustentável e Democrático da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), caminha em sua avaliação sobre os resultados da gestão ambiental do país nos últimos quatro anos.

Nascido na França e residente no Brasil há mais de 30 anos, Jean-Pierre dedicou sua vida à luta socioambiental nos mais diferentes espaços, sempre ligado aos movimentos sociais. Morou por muitos anos no Pará, onde conheceu de perto os conflitos do Estado com maior índice de violência no campo, e foi, até o ano passado, Relator Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Desca (Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais). Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Agência Carta Maior sobre passado e futuro da área ambiental no Brasil.

Carta Maior – Como o senhor analisa a gestão da área ambiental no primeiro mandato do governo Lula?
Jean Pierre Leroy - O tratamento dado à questão ambiental foi totalmente secundário. A nomeação da [ministra] Marina [Silva] foi mais uma sinalização para o Exterior do que para o Brasil. Quer dizer, a Amazônia foi tratada como algo importante para o Brasil, mas, fora isso, eu diria que não houve sinalização de que o meio ambiente seria considerado. Como dentro do PT havia um forte movimento ambientalista, eu acho que as pessoas se iludiram; nós nos iludimos, achando que a proposta do governo poderia realmente dar importância ao meio ambiente. Mas sempre foquei a minha crítica não no Ministério do Meio Ambiente (MMA), mas no centro do PT. Na minha opinião, já era muito claro que teríamos que focar o coração do poder. O balanço que eu faço, então, é bastante negativo. Não só porque não se prestigiou [a questão ambiental], mas porque se perdeu muito em relação aos projetos.

CM - Mas e as repetidas críticas de que o cumprimento da legislação ambiental e a ação do MMA acabaram atrasando o chamado progresso do país? Como avalia a ação do Ministério neste setor?
JPL – Acredito que só não perdemos a briga com os megaprojetos de infra-estrutura [de grande impacto socioambiental] porque faltou dinheiro para investimento neles. Para a previsão de hidrelétricas, por exemplo, faltou gás para poder realizar; e, ao mesmo tempo, houve uma certa divergência interna no governo. Isso ajudou a emperrar as coisas, senão também teríamos perdido tudo, quase tudo. Apenas não se perdeu no plano da luta contra o desmatamento da Amazônia. Graças ao impacto da divulgação do desmatamento em 2004 para 2005, que atingiu 27 mil quilômetros quadrados, e da morte da irmã Dorothy Stang (freira norte-americana assassinada em 2005 no Pará em função do conflito de terras), foi que se tomaram algumas medidas, como esse mosaico de unidades de conservação na Terra do Meio, no Pará e o tratamento dado ao entorno da BR 163, a Cuiabá-Santarém. Mas se não fosse isso, não acontecia nada .

CM - A que você remete a dificuldade do governo petista de entender a importância da questão ambiental? Parece que o governo procurou colocá-la sempre na mesa de negociação...
JPL - Eu freqüentava a Comissão de Meio Ambiente do PT. Eu ficava impressionado, porque estávamos sempre entre nós, entre os mesmos, um clube dos ambientalistas. Mesmo antes de o governo Lula assumir, eu já estava muito preocupado, porque eu achava que formávamos um gueto e que a sensibilidade ambiental era coisa nula no partido. Na CUT, por exemplo, a Comissão de Meio Ambiente era uma coisa isolada, e a cúpula nunca se interessou pela questão. Eu acho que, em parte, porque a tradição dos metalúrgicos não preparava para isso. Persistiu a concepção de que o Brasil é uma terra a ocupar, e aí vem essa tradição, essa cultura urbana industrial e a vontade de desenvolver, que não é só a dele [Lula] ou a de um grupo do poder, mas é a da maioria da população. E tem a questão das alianças. Quando se investe no interior [do Brasil], precisa-se de alianças políticas. O que tem de mais rasteiro na política são esses políticos regionais, os novos coronéis do Norte, onde territórios viraram estados sem ter sociedade, como em Roraima, Amapá, Rondônia. Ao combinar essa tradição, a necessidade de aliança política com uma vontade desenvolvimentista, achando que só assim se conseguiria fazer recuar a pobreza, dá no que dá.

CM - Como avalia a atuação e a relação da sociedade civil e dos movimentos com o governo Lula?
LPL - Os chamados movimentos sociais, primeiro, foram enfraquecidos com a adesão da CUT ao governo, com o fato de que ela era a principal base de apoio do governo na sociedade, e que muitos dirigentes sindicais foram contemplados com cargos no Executivo, conselhos de empresas, etc. O segundo ponto é que nós realmente apostamos no governo. Muitas ONGs e movimentos sociais trabalharam para eleger Lula, e lhe deram uma chance no começo. Ao mesmo tempo, muitos dos nossos amigos estavam nos ministérios: no do Meio Ambiente, no do Desenvolvimento Agrário, no das Cidades. Com isso, nós, a sociedade civil, não cumprimos bem o nosso papel. Agora, é bom dizer que houve um refluxo. Na época da Eco 92, se teve a sensação de que a compreensão do que significava o meio ambiente estava incorporada pelos movimentos e organizações, mas não foi bem assim. Não havia, no fundo, um movimento socioambiental para dizer: “Temos que mudar”. E, aos poucos, se viu voltar o movimento conservacionista com uma certa força, sem que conseguíssemos somar. De repente parecia que o meio ambiente era uma coisa só deles e das empresas, que vão defendê-lo com seus projetos, lobbys e imagens. Com os conservacionistas aliados a essas empresas, e a dispersão das entidades socioambientalistas, houve um enfraquecimento muito grande do campo da sociedade civil.

CM - Ao contrário do que aconteceu com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, constantemente pressionado pelos movimentos de trabalhadores, o Ministério do Meio Ambiente ficou mais protegido. Foi realmente construída uma redoma entorno da Marina Silva?
JPL - Foi um erro nosso, e foi ruim para o Ministério do Meio Ambiente. Mas o movimento ambientalista não conseguiria pressionar como movimento social. Ele é muito disperso. São centenas de pequenos grupos e pequenas ONGs, e [o movimento ambientalista] tinha perdido justamente a participação real de movimentos sociais. É difícil ser parceiro do Ministério, receber e gerir projetos que vem do governo, e ao mesmo tempo continuar sendo um movimento político. Quase todos nós vivemos essa contradição, alguns mais do que outros, porque com a negociação de projetos a relação ameaçava de se tornar clientelista. É por isso que eu digo que tinha que questionar o núcleo do poder e, ao mesmo tempo, lembrar que, de um certo modo, o MMA era um reflexo desse governo que não dá importância [para a questão ambiental].

CM - Qual a sua avaliação sobre a Lei de Gestão de Florestas, que permitirá o arrendamento de florestas públicas na Amazônia para a iniciativa privada, como forma de brecar o desmatamento?
JPL - Você acha que isso vai barrar a exploração ilegal de madeira? A primeira crítica que fiz ao projeto foi que, em tese, pode ser muito bonito, mas olha o que acontece e o que sempre aconteceu com o desmatamento ilegal. Onde vai ter gente para fiscalizar? Para bloquear os que estão na ilegalidade, fiscalizar os que vão ter as concessões? Em tese, a Lei de Gestão de Florestas não é uma privatização, mas é um risco. Concessão, uma vez que [as empresas] estão instaladas, vira propriedade. É verdade aos poucos estão mapeando, cadastrando toda a Amazônia, mas entregar concessões de 40 ou 60 anos é consolidar situações. Quem garante que a reposição da floresta vai ser feita? Não vai ter gente para fiscalizar. A intenção pode ser boa, mas tenho muitas dúvidas.

CM - Você mencionou alguns avanços em políticas ambientais nos últimos anos. Isso seria uma base para o segundo governo com avanços e consolidações?
JPL - Não é suficiente. O que eu mencionei são algumas coisinhas, que são importantes para quem está no Ministério. Porque, claro, eles estão tentando batalhar. O que se fez é insuficiente para dar bases para construir um projeto para o segundo governo e dizer: “Já avançamos um pouco, vamos avançar mais”. É diferente em outros ministérios, em que temos bases. Se comparar com o Ministério das Cidades, o Desenvolvimento Social, o Desenvolvimento Agrário, eu vejo menos avanços no Ministério do Meio Ambiente.

CM - Para esse segundo governo, quais seriam as estratégias de política ambiental?
JPL - De qualquer modo, é guerra de posições; é saber que é uma luta de resistências, porque não vejo condição, no contexto atual, de conseguir barrar todo o avanço da destruição ambiental. Precisamos fazer a guerra de retaguarda. Muita coisa que está se fazendo está fora da legalidade. Então, é lutar e brigar pela legalidade e, além disso, brigar para dizer que eles não estão medindo o impacto da destruição. O Ministério Público Federal é a única instituição coerente nesta luta. É incrível que, quando se está no Executivo, se está pronto para negociar também a lei, a legislação. Então, para combater isso, tem que ter uma certa distância. Se você está totalmente envolvido no jogo de negociação, acaba esquecendo que tem leis e direitos.

CM - Como a sociedade civil organizada e o movimento socioambiental podem se posicionar de uma forma mais proativa, menos subserviente?
JPL - O movimento social tem que adotar um recuo em relação ao governo, ser mais firme e dizer que não aceita tudo. Dizer que existem condições mínimas sem as quais se perde a dignidade. Depois sim, vai negociar, é normal. Mas a partir de uma posição. Eu arrisco dizer que é possível que saiam [as hidrelétricas] do Rio Madeira e de Belo Monte, mas temos que dizer que os prejuízos e impactos não são “coisinhas”. E aí precisamos criar as exigências. Energia hoje custa caro, então o governo tem que pagar o preço de apoiar a produção, e as empresas têm que pagar o preço de consumir a energia. Mas o eco disso é pouco. A gente tem a sensação de que está no deserto, de que se desenvolve um ambientalismo de resultado que diz: “Podemos conseguir isso, vamos negociar com as empresas. Vamos deixar as empresas lá, porque se conseguirmos essa área de conservação está ótimo”. A gente não deve esquecer a posição do governo desenvolvimentista e essas alianças que vão dizer que o meio ambiente não tem importância, porque se está trabalhando em prol do desenvolvimento. Vai se criar um efeito que será repercutido em várias esferas e níveis do poder, o que me torna ainda mais pessimista e mais preocupado.
(Por Natália Suzuki e Verena Glass, Agência Carta Maior, 16/11/2006)

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