Liberação de obra do Complexo do Rio Madeira não sai este ano
2006-11-16
Dois novos obstáculos surgiram nesta segunda-feira (13/11) para a construção do Complexo Hidrelétrico do Madeira, em Rondônia. O primeiro é que o diretor de Licenciamento do Ibama, Luiz Felippe Kunz, disse ontem ao Estado que 'não vê mais possibilidade' de o órgão decidir ainda este ano se concede a licença ambiental prévia. O outro vem da Bolívia: o Fórum Boliviano sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento alega que a construção das usinas terá impactos ambientais no país.
A decisão do Ibama, portanto, segundo Kunz, só deve sair em janeiro ou fevereiro de 2007. Sem isso, o governo não poderá leiloar a concessão dos projetos das Usinas Santo Antonio (3.150 megawatts) e Jirau (3.300 megawatts).
Algumas semanas atrás, Kunz previa que a decisão poderia sair até o fim do ano. A mudança decorre de dois fatores. O primeiro foi a liminar da Justiça Federal de Rondônia, na semana passada, que obrigou o Ibama a cancelar duas das quatro audiências públicas para discutir o projeto.
Como a liminar foi derrubada na quinta-feira, o Ibama conseguiu realizar as audiências programadas para sexta-feira (em Jaci-Paraná) e sábado (em Porto Velho). Mas as audiências que deveriam ter ocorrido na quarta e na quinta-feira da semana passada, em Abunã e Mutum-Paraná, tiveram de ser remarcadas para 29 e 30 deste mês. Essa mudança, por si só, já atrasa o cronograma do licenciamento.
Além disso, o Ibama deverá receber do Ministério Público Estadual de Rondônia, em até 15 dias após a conclusão das audiências (15 de dezembro), um estudo que contesta pontos da avaliação do impacto ambiental do complexo. O Ibama só poderá concluir o processo e definir se concede a licença após concluir a análise desse documento do MPE, que tem cerca de 800 páginas.
'É impossível concluir até o fim do ano a análise desse estudo, além dos documentos entregues durante a audiência pública. Assim, não vejo como a licença possa sair neste ano', disse o diretor do Ibama.
Na Bolívia
Segundo Kunz, os relatórios entregues até agora pela estatal Furnas (encarregada do projeto) não apontam impactos na Bolívia. O documento entregue pelo Fórum (que reúne ONGs da Bolívia) será agora estudado pelo Ibama.'O documento está em análise, ainda não temos definição sobre impactos ambientais na Bolívia', disse Kunz.
Segundo o diretor do Ibama, os ambientalistas bolivianos fazem duas acusações principais: que a construção das usinas poderia causar inundações nos trechos bolivianos do Rio Madeira, devido ao acúmulo de sedimentos, além de prejuízos para a atividade pesqueira no território do país vizinho.
Kunz disse que, por enquanto, o Ibama não foi procurado pelos órgãos ambientais bolivianos. 'Apenas a Embaixada da Bolívia no Brasil nos solicitou uma cópia dos estudos de impacto ambiental, mas isso já há algum tempo', disse.
A Furnas e a Construtora Norberto Odebrecht, que tabém assina o projeto, alegam que a Bolívia não será atingida. O reservatório mais próximo do Departamento de Beni, na Bolívia, ficará entre 25 e 40 quilômetros de distância. 'Afirmo, com absoluta certeza, que os efeitos do projeto ficarão restritos ao território brasileiro', afirmou José Eduardo Moreira, engenheiro da PCE, contratada para elaborar o estudo.
José Galizia Tundisi, uma das maiores autoridades brasileiras em reservatórios de hidrelétricas, acha que o Brasil precisa fazer uma avaliação mais detalhada dos efeitos da obra tanto no território nacional quanto no boliviano.Tundisi assinou um parecer sobre o empreendimento a pedido do Ministério Público de Rondônia. Nele, o pesquisador alerta para problemas como a decantação de sedimentos ao longo do tempo.
'Não sou contra o empreendimento, o Brasil necessita do aproveitamento hidrelétrico do Madeira, mas alertei para a necessidade de se fazer grandes experimentos na região para avaliar os reais impactos', diz. Ele não assegura nem descarta a possibilidade de o projeto atingir o território boliviano.
A reação boliviana começou com o Jorge Molina, professor e pesquisador na área de hidráulica da Universidade Mayor de San Andrés, de La Paz. Ele disse ontem que identificou pelo menos sete impactos no lado boliviano. Os principais são: contenção dos sedimentos e conseqüente alagamento, comprometimento da biodiversidade, diminuição da atividade pesqueira e piora da água.
(Por Leonardo Goy e Agnaldo Brito, O Estado de S. Paulo, 14/11/2006)
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