O incêndio responsável por mobilizar 170 bombeiros e incinerar uma área pelo menos duas
vezes maior do que a do centro de Porto Alegre pode ter sido de origem criminosa.
Terça-feira (14/11), quando as equipes de combate se preparavam para varar a segunda
madrugada de luta contra as labaredas, o encarregado da operação, major Guido Pedroso de
Melo, manifestava a suspeita de que o fogo havia sido provocado por ação humana.
- Identificamos cerca de 10 focos iniciais perto da estrada. O fato de as chamas terem
começado em vários pontos simultaneamente indica que a causa não é natural, mas vamos
esperar a perícia técnica - afirmou o major, comandante regional dos bombeiros do Litoral
Norte.
O fogo teve início no começo da tarde de segunda-feira (13/11), em um florestamento da
empresa Celulose Irani, do Grupo Habitasul, entre Balneário Pinhal e Capivari do Sul. A
empresa não informou a dimensão da área atingida e não se manifestou sobre as suspeitas
dos bombeiros.
Impulsionadas pelo vento, fagulhas cruzaram a pista da RS-040 e propagaram o fogo em um
florestamento de pínus e eucaliptos de 6 mil hectares pertencente à empresa Flosul, que
acabou sendo a mais atingida.
No final da tarde, com a situação já controlada na área da Celulose Irani, 120 bombeiros,
50 estudantes da Escola de Bombeiros da Capital e 150 funcionários tentavam conter na
propriedade da Flosul quatro focos de grandes proporções, estimulados por rajadas de
vento que bateram nos 74 km/h na madrugada e persistiam ontem na faixa dos 45 km/h.
A perspectiva era de que o esforço de mais de 27 horas entrasse pela madrugada de ontem
(15/11).
Os bombeiros estimavam em cerca de 750 hectares a área de florestamento queimada, mas
apenas a empresa Flosul computava mais de 500 hectares de sua propriedade esturricados.
Daniele Heirinch, gerente-geral da empresa, pertencente ao grupo Renner Hermann, informou
que foi atingida uma área com árvores de 12 a 14 anos de idade. O corte final ocorre aos
20 anos. Ontem à tarde, diante de um quadro que lhe parecia imprevisível, Daniele não se
arriscava a calcular prejuízos.
- As chamas estão completamente descontroladas. Neste momento, 100 hectares da
propriedade estão queimando. Não há como saber o que ainda pode acontecer - avaliou.
Combate de mais de 27 horas
Ao estacionar a caminhonete às margens da RS-040 para entregar o almoço dos bombeiros que
estavam há mais de 27 horas combatendo o fogo que atingiu uma área de 750 hectares de
duas fazendas próximas ao Túnel Verde, em Balneário Pinhal, o comandante do Corpo de
Bombeiros de Osório, capitão Cláudio Morais, percebeu que o trabalho estava longe de ser
finalizado.
As rajadas de vento combinadas com a grande quantidade de galhos e folhas seca entre as
árvores eram um prenúncio de que o incêndio se alastraria por pelo menos 200 hectares
além do que já havia atingido.
- Pela manhã, estava quase tudo controlado, mas como o vento não dá trégua acaba
aumentando ainda mais as chamas - lamentava o capitão Morais.
Chamas teriam começado próximo a um camping
Segundo o comandante regional do Corpo de Bombeiros do Litoral Norte, major Guido Melo,
as primeiras chamas começaram próximo a um camping na RST-784, que liga Cidreira à
RS-040. Apesar da operação de combate, a previsão era de que as chamas fossem controladas
apenas na madrugada de ontem (15/11).
Um dos diretores da Flosul, o engenheiro florestal Leonel Menezes, enquanto coordenava
três equipes de funcionários para controlar o fogo, calculava o prejuízo da empresa:
cerca de 1,4 milhão de pínus queimados.
60 incêndios por dia no verão gaúcho
A queima de milhares de pínus e de eucaliptos no Litoral Norte é a triste cerimônia de
inauguração de um festival de incêndios esperado para os próximos meses no Estado.
Nos últimos anos, o período de novembro a março tem sido marcado por um número crescente
de ocorrências de fogo em matas e vegetação. Apenas entre janeiro e março de 2005,
segundo os bombeiros, foram 5.338 episódios do gênero - atingindo a marca de 60 incêndios
por dia no território gaúcho.
Os cinco meses mais quentes do ano respondem por até 87% dos incêndios em vegetação,
dependendo do ano. Para o capitão Alexandre Corrêa, da Divisão de Operações e Defesa
Civil do Corpo de Bombeiros, a explosão no número de casos coincide com as estiagens dos
últimos três anos no Estado. Antes na faixa dos 2,5 mil episódios por ano, os incêndios
pularam para mais de 7,5 mil em 2004 e 2005.
- Temos tido estiagens prolongadas de novembro a abril. Por causa delas, a vegetação fica
seca e vira um combustível ideal. Qualquer toco de cigarro jogado pela janela do carro
pode provocar um incêndio de grandes proporções - avisa.
Conforme dados do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais
(Prevfogo), ligado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama), a maior parte dos incêndios em matas e vegetação começa na beira de
rodovias, como foi o caso das chamas no Litoral Norte. Giselle Paes Gouveia, técnica do
Prevfogo em Brasília, explica que isso ocorre porque o culpado por trás do fogo é quase
sempre o mesmo: o homem.
- A não ser em casos de descarga elétrica, de que não temos registro no Rio Grande do
Sul, é a ação humana que produz os incêndios. Causas naturais são raras - afirma.
O que fazer
Saiba como ajudar a reduzir os casos de incêndios:
> Queimadas - Incinerar lixo ou realizar queimadas para limpar áreas que terão uso
agropastoril é uma causade incêndios florestais. A prática da queimada não deve ser
realizada pelo risco de as chamas se descontrolarem.
> Acostamentos - A limpeza do acostamento de rodovias deve ser feita pelos órgãos de
trânsito, e o fogo não deve ser usado para esse fim.
> Automóveis - A regulagem dos automóveis é fundamental para evitar fagulhas capazes de
iniciar focos
Rituais - Jamais se deve deixar velas acesas em oferendas
> Objetos - Não atire fósforos ou cigarros na vegetação. Latas de refrigerante e vidro
jogados no acostamento também podem originar fogo, pelo superaquecimento gerado pelo sol
> Taquaras - Depois de 30 anos, as taquaras secam e se convertem em um combustível
perigoso. Quando elas secam, devem ser removidas da beira de estradas e deixadas em
local onde não ofereçam risco de incêndio
> Acampamentos - Ao encerrar um acampamento, as fogueiras devem ser apagadas
> Áreas limpas - Áreas de vegetação, como florestamentos, devem ser cercadas por áreas
livres
(Por Gustavo Souza e Itamar Melo,
Zero Hora, 15/11/2006)