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2006-11-14
Angra dos Reis é recordista dentre todos os 92 municípios do estado do Rio de Janeiro em mortes por malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas. Não há evidências que mostrem — ou descartem — ligação entre os óbitos e a operação das usinas nucleares Angra 1 e Angra 2, mas defeitos congênitos são uma das principais conseqüências do excesso de radiação em seres humanos.

A liderança de Angra no ranking foi descoberta pelo Correio com o cruzamento entre os números da população de cada um dos municípios fluminenses e os registros de óbitos feitos por médicos e reunidos em bancos de dados do Ministério da Saúde e da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. Os defeitos congênitos — alterações que ocorrem na estrutura ou no desenvolvimento de embriões e fetos — podem ter causas genéticas ou ambientais. Anencefalia, que é ausência de cérebro, e espinha bífida, caracterizada pela formação incompleta da medula, são alguns dos 78 tipos de malformações congênitas classificados internacionalmente. Entre as anomalias cromossômicas, a mais conhecida é a síndrome de Down.

Mortes por problemas como esses não são comuns. Angra dos Reis, com 119.247 moradores apontados no censo de 2000, registrou nos últimos 10 anos, entre 1996 e 2005, um total de 118 casos, o que significa uma média de 98,95 óbitos para cada grupo de 100 mil habitantes. O segundo colocado da lista é o município de Sumidouro, com 14.176 habitantes. Lá houve no mesmo período 14 mortes, representando um total de 98,75 óbitos por grupo de 100 mil pessoas. O último do ranking é Casimiro de Abreu, que tem 22.152 moradores e registrou quatro mortes, uma média de 18,05 por grupo de 100 mil.

Pesquisadores costumam se preocupar com comparações entre municípios com números de habitantes muito distintos. O temor é que em uma localidade pequena um problema hereditário que mate três ou quatro pessoas de uma mesma família, por exemplo, possa elevar muito a média de óbitos, causando uma distorção. Por isso, alguns especialistas preferem confrontar somente dados de municípios com populações equivalentes.

Quando isso é feito no estado do Rio de Janeiro, com um paralelo apenas entre localidades que têm de 100 mil a 150 mil moradores, a liderança de Angra dos Reis em mortes por defeitos congênitos se sobressai ainda mais. No grupo, a segunda colocação em números absolutos é de Teresópolis, que tem quase 20 mil habitantes a mais que Angra e ainda assim registrou 29 mortes a menos. Nas médias proporcionais, o segundo lugar é de Queimados, que tem 121.993 moradores e assinalou 69,67 óbitos para cada grupo de 100 mil habitantes. O índice de Angra é 42% maior.

A comparação dentro de uma mesma faixa populacional mostra ainda que a liderança de Angra dos Reis não é episódica, o que poderia ocorrer se um grande número de mortes se concentrasse em determinado ano e afetasse a média da década. Em seis dos 10 anos pesquisados, Angra está no topo da lista de mortes. O número de óbitos no município supera em 66% a média do estado do Rio de Janeiro, que na década ficou em 59,49 mortes para cada grupo de 100 mil moradores.

Radiação A exposição em excesso de uma pessoa à radiação provoca uma espécie de mal-entendido nas células. O organismo “lê” algumas substâncias radioativas como se fossem outros elementos de propriedades semelhantes e as absorve. Dentro do corpo humano, essa confusão pode gerar a morte ou a mutação de células. Pessoas expostas diretamente à radiação podem sofrer os chamados efeitos somáticos, que costumam levar muitos anos para se manifestarem e dos quais o mais grave é o câncer.

Quando substâncias radioativas causam danos em células de ovários e testículos, podem ocorrer os efeitos hereditários. São mutações nos cromossomos de células germinativas, os óvulos e os espermatozóides, o que resulta em defeitos genéticos nos filhos de pais contaminados. Há ainda a possibilidade de malformações em fetos que recebem a radiação quando estão no útero materno. O período de maior sensibilidade é a fase inicial da gravidez, e as conseqüências dependem da dose absorvida.

Existe uma radiação natural na atmosfera, absorvida sem problemas pelo organismo humano. Há também limites toleráveis de exposição à radiação artificial, o que permite a trabalhadores de serviços de radiologia e usinas nucleares, por exemplo, sobreviverem saudáveis. Os danos efetivos ocorrem em casos de contaminação, quando limites são ultrapassados. Não há ainda nenhuma prova de que isso esteja ocorrendo em Angra dos Reis.

Maioria dos mortos tem menos de quatro anos
A aposentada Rita Maria dos Santos Souza está convencida de que a neta Luciana, morta aos 3 anos vítima de hidrocefalia, veio ao mundo por determinação divina, para uma curta “missão especial”. O caseiro Lauro de Melo se refere à filha, que morreu aos 7 meses com malformação cardíaca, como uma “estrelinha que está no céu”. A dona-de-casa Kátia da Silva Oliveira pediu muito para Deus poupar seu primogênito, que tinha anencefalia e viveu apenas 32 horas. Do total dos mortos com defeitos congênitos em Angra dos Reis, 88% são recém-nascidos e crianças com menos de quatro anos. Pais e avós costumam buscar explicações metafísicas para a perda de descendentes tão jovens.

Luciana viveu quase quatro anos como uma criança normal. Morreu em 2004 por causa do acúmulo de líquido no cérebro. Era divertida e escolhia sozinha as lanchonetes em que queria comer, principalmente uma nas proximidades da Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, no centro da cidade. “A gente não entra mais lá”, conta Rita Souza, 71 anos, que tem dificuldade para falar da menina sem chorar. Rita e Vera, mãe de Luciana, moram em uma casa na Estrada Angra-Getulândia, e num eixo de cerca de um quilômetro dali há mais dois registros recentes de mortes por defeitos congênitos: um outro caso de hidrocefalia em um menino de 4 meses, filho de um carpinteiro, e um óbito de um bebê de 3 dias por malformações congênitas múltiplas.

O caseiro Lauro de Melo Filho, 39 anos, e a mulher Kátia Gomes perderam a filha Danielle aos sete meses em 2003. Foi uma época de sofrimento. O bebê sentia dificuldade para respirar e com freqüência era hospitalizado. “O médico disse que só Deus mesmo poderia salvá-la”, lembra Melo, que ajuda a alimentar os dois filhos que teve depois da primogênita mergulhando em busca de polvos e peixes nas águas de Angra em Ponta Leste. No último 2 de novembro, Dia de Finados, o casal foi ao cemitério no bairro Belém, onde a menina foi enterrada. Kátia não quis entrar, e com isso foi poupada de ver que os restos mortais da filha foram retirados e colocados em um depósito coletivo de ossadas, em remoções anuais feitas pelo cemitério para amenizar a falta de espaço para as covas.

Kátia Oliveira, 31 anos, moradora do bairro Camorim Grande, soube aos três meses de gravidez que o filho Ruan tinha anencefalia, doença caracterizada pela ausência do cerébro que mata bebês na gestação ou nas primeiras horas de vida. A dona-de-casa não aceitou a sugestão feita no hospital de buscar autorização judicial para um aborto. “Os médicos me disseram que Ruan não sobreviveria, e eu pedi muito a Deus que não fosse verdade”, conta.

A convivência de pais e avós por poucos meses, dias ou horas com vítimas de malformações congênitas e anomalias cromossômicas é comum porque grande parte desses problemas são fatais. Quando Letícia nasceu, em 2001, com síndrome de Down e malformação do coração, os médicos avisaram a família que a criança não viveria mais que um ano e meio. Foi um ano e três meses. “A gente aproveitou o máximo possível enquanto ela sobreviveu”, conta Angélica Godinho da Silva, mãe da menina e moradora do bairro Belém. Letícia não andava, não falava, mas adorava um urso de pelúcia maior que ela.

Malformação nos rins foi o que matou Luís Eduardo aos 2 minutos de vida. Seu pai, Jorge Eduardo Geraldo, 35 anos, trabalhou nas usinas nucleares como bombeiro de incêndio até poucos meses antes de a mulher, Ana Cristina Carvalho Geraldo, engravidar. A morte surpreendeu o casal. “Fizemos um mapeamento genético que não acusou nada”, conta Jorge Geraldo, morador do Morro da Carioca.

Outra característica comum entre pais que perdem filhos com malformações congênitas é o receio de que o problema se repita. Geórgia Plácido das Dores, que vive no Morro do Carmo, viu o filho Walace morrer com 19 horas de vida, em 2001, vítima de um defeito no coração. Só soube do problema na hora do parto. “Eu estava feliz, fazendo planos para ele”, conta. Geórgia demorou para engravidar novamente, fez bem mais exames pré-natais que o habitual, e Maria Vitória nasceu há quatro meses sem nenhum problema de saúde.

A cerca de 200m da casa de Geórgia, na mesma rua, Maria do Carmo Gullo, 46 anos, lamenta a morte no ano passado de seu único neto, Ariel, também por malformação congênita. “Ele não conseguia respirar, os médicos tentaram reanimá-lo, mas não adiantou”, lembra a professora, que já orientou a nora a fazer vários exames antes da próxima gravidez. Elizabeth Rocha, 43, só teve problemas no terceiro parto. Com síndrome de Down, Gabriele sobreviveu apenas 21 dias. Quando Elizabeth engravidou de novo, assustou-se. “Fiquei com muito medo, mas Deus é poderoso”, diz. Aline, a caçula, está agora com 4 anos e sobe sorrindo e saudável a escadaria que leva à casa da família num morro do bairro Campo Belo.

Sem causas aparentes
Além da radiação, existe uma série de outros fatores que podem provocar malformações congênitas e anomalias cromossômicas. As conversas com famílias de vítimas desses problemas em Angra dos Reis permitem afastar algumas possibilidades. Não há concentração de residências dos mortos perto de alguma indústria poluidora ou outra instalação semelhante, nem existem aparentes relações familiares entre vítimas que justifiquem hipótese de um problema hereditário estar influenciando o índice de óbitos.

Algumas vezes, diferenças entre números de mortes na comparação de municípios estão ligadas a um melhor sistema de coleta de dados. Ou seja, uma localidade que registre melhor seus óbitos pode aparecer com mais mortes que outra onde a qualidade do controle é pior e há a chamada subnotificação. Em Angra, a pediatra Daniela Koeller, que trabalha para a prefeitura, faz um acompanhamento de mortalidade infantil, dando ênfase a casos de malformações. “Comecei a ver quais crianças os médicos identificavam com defeito congênito”, conta.

A pediatra, que começou o trabalho em 2003, diz não ter orientado médicos a melhorarem os registros de defeitos congênitos. E garante, de qualquer forma, que se houve algum reflexo indireto de sua atividade sobre os registros foi só a partir de 2004. Isso descarta o risco de o trabalho de Daniela ter gerado aumento de notificações, já que 2004 e 2005 são anos que mostram os menores números de mortes por malformações congênitas em Angra. De acordo com a pediatra, a exemplo do que ocorre em outros municípios, grande parte das mortes ligadas a malformações congênitas nem aparece com essa causa nos registros por equívoco na avaliação de médicos.

Mortes por problemas que se manifestam ainda na gestação também podem estar ligadas a altos níveis de carência da população, que dificultem a realização de exames pré-natais adequados. Isso também não parece ser a razão da performance de Angra, já que lá houve muito mais mortes nos últimos anos que em vários outros municípios fluminenses com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais baixo. (SN)
(Por Solano Nascimento, Correio Braziliense, 13/11/2006)
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