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2006-11-14
Os cultivos de soja transgênica se expandem na Argentina, e com eles a utilização de herbicidas. A campanha “Parem de Fumigar” pretende alertar contra sua aplicação sobre áreas urbanas e reunir informação de impactos para apresentar denúncias. A iniciativa é do Grupo de Reflexão Rural (GRR), do Centro de Proteção da Natureza e de grupos de moradores. Jorge Rulli, do GRR, disse ao Terramérica que, este ano, a campanha – que começou em janeiro e inclui todas as zonas rurais – recebeu mais de 60 denúncias.

Ele explicou que “não é casual” o fato de a maioria proceder das províncias de Córdoba (centro) e Santa Fé (centro-oeste), que junto com Buenos Aires constituem o epicentro do cultivo de soja, associada ao herbicida glifosato. “Queremos formar um mapa que mostre que o uso intenso de agrotóxico é um modelo sistemático de desenvolvimento rural que produzirá uma catástrofe sanitária”, disse Rulli. Nos últimos 15 anos, a soja modificada ampliou sua zona de influência e hoje é o principal cultivo da Argentina, além de primeiro produto da pauta de exportações.

A última colheita, de 15,5 milhões de hectares, consumiu 160 milhões de litros de glifosato, seis vezes mais do que há uma década. O grave, segundo a denúncia, é que esse produto – que mata todo o verde menos o cultivo transgênico – chega a metros dos povoados. Tradicionalmente, florestas, currais e fazendas rodeavam os povoados e atenuavam o impacto da fumigação. Agora, não há barreiras protetoras. “Temos soja ao norte, ao sul e a leste”, disse ao Terramérica Sofía Gatica, do bairro Ituzaingó Anexo, na cidade de Córdoba, capital da província de mesmo nome.

Com cinco mil habitantes, Ituzaingó fica no limite entre a cidade e o campo. “Atravesso a rua e aí começa a soja. E é evidente que, se há plantação, há fumigação”, disse Gatica. Segundo a Lei de Agrotóxicos (2005), o limite de pulverização é de 1,5 quilômetros das áreas povoadas. Em 2002, Ituzaingó foi declarado em estado de emergência sanitária, após um estudo do Ministério da Saúde provincial que registrou elevadas porcentagens de leucemia, lupus, púrpura e más-formações genéticas.

Outro informe, apresentado em março, estudou 30 crianças de sete a 14 anos nesse bairro, revelando a presença de cinco agrotóxicos no sangue, e em 25 delas em doses maiores do que as permitidas. Depois desta pesquisa, feita pelo epidemiologista Edgardo Schneider, a pedido do grupo Mães de Ituzaingó, o governo da cidade “concluiu que é preciso evacuar o bairro”, disse Gatica. Contudo, os moradores e as plantações continuam ali, enquanto os aviões passam fumigando.

A lei também cria um registro de aplicadores e ordena sua capacitação no manejo de produtos químicos. Segundo os moradores, há excessos. Também circulam veículos vazando líquidos, que esvaziam e limpam seus depósitos em locais dentro dos povoados. Alguns municípios utilizam glifosato para combater as ervas daninhas. Certos governos locais aprovam medidas para reduzir as fumigações em áreas próximas ao perímetro urbano, mas os moradores afirmam que faltam os controles do cumprimento das normas e que as autoridades cedem à pressão dos produtores rurais.

O GRR recebeu denúncias de outras zonas urbanizadas de Córdoba, como Montecristo, Mendiolaza, Río Quarto e San Francisco. Também das localidades de San Lorenzo, San Justo, Las Petacas, Piamonte, Alcorta ou Máximo Paz, em Santa Fé. E, mais recentemente, da província de Buenos Aires. Um estudo financiado pelo Ministério da Saúde, feito em cinco povoados do sul da província de Santa Fé, apresentou dados alarmantes. Segundo o Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Meio Ambiente, a Universidade Nacional de Rosário, o Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária e o Hospital Italiano de Rosário, existe uma “incidência muito significativa” desses casos de câncer e más-formações na região analisada.

A pesquisa, apresentada em janeiro, mostra que nos povoados de Alcorta, Bigand, Carreras, Máximo Paz e Santa Teresa, em Santa Fé, há dez vezes mais casos de câncer de fígado do que a média nacional, o dobro de câncer de pâncreas e de pulmão e três vezes mais câncer gástrico e de testículos. Também foram registrados múltiplos casos de hipospadias (orifício da uretra na parte inferior do pênis) e criptorquidias (testículos que não desceram), associados ao uso de agrotóxicos.

Noventa por cento das patologias estão ligadas a fontes fixas de contaminação ou fatores ambientais de risco, dizia o informe, confirmando que algumas delas, nessas zonas rurais, superam as médias. Hoje, há 200 doentes com câncer no bairro, segundo o Mães de Ituzaingó, que realizou um levantamento casa por casa e levou o assunto à Suprema Corte de Justiça, cujo pronunciamento é aguardado.
(Por Marcela Valente, Envolverde, 13/11/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=24560&edt=1

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