Os milhares de peixes mortos que apareceram no rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, no início de outubro
causaram uma comoção pública e uma reação imediata do poder público. É sempre assim. Depois dos
desastres, sempre paramos para pensar sobre o custo ecológico do nosso conforto. A preocupação, no
entanto, logo desaparece. Fazemos questão de esquecer a poluição atmosférica das nossas cidades, as
substâncias químicas artificiais que nos contaminam, as bombas atômicas capazes de destruir o planeta
sete vezes e o lixo radioativo que ameaça a vida na Terra. Até a próxima catástrofe ambiental
Há anos os ecologistas gaúchos denunciam as péssimas condições ambientais do rio dos Sinos, contaminado
por efluentes industriais e pelo esgoto doméstico. Apesar das advertências, só depois que as imagens do
desastre dos dias 7 e 8 de outubro - que matou mais de 100 toneladas de peixes - foram mostradas para
todo o Brasil é que as autoridades decidiram agir de forma enérgica. Seis empresas receberam multas e 32
prefeituras estão obrigadas a apresentar um plano de saneamento.
Estratégias de fiscalização foram anunciadas pelo Governo do Estado, que também promete instalar uma
estação automática de monitoramento da água dos rios dos Sinos e Gravataí, os dois mais poluídos da
Região Hidrográfica do Guaíba, segundo diagnóstico realizado durante o primeiro módulo do Programa
Pró-Guaíba, atualmente paralisado por falta de verbas. A causa da mortandade, segundo as autoridades
ambientais, foi a falta de oxigênio ocasionada por poluição orgânica, “com predominância doméstica”.
O termo “predominância doméstica” da nota oficial sobre o desastre ecológico significa fezes e urina.
Sim, somos os únicos animais que defecam e urinam na própria água que usamos para beber, apesar de já
existir diversas tecnologias de tratamento destes resíduos. Pesquisa realizada por Luiz Roberto
Malabarba, da Ufrgs, revelou em meados de 1990 que existem peixes com deformações ósseas causadas pela
poluição no lago Guaíba, contaminado pelo esgoto de Porto Alegre e por efluentes industriais.
Se a poluição é tão intensa a ponto de causar mortandades de peixes e até deformações ósseas, que tipo
de resíduo pode existir nos peixes que sobrevivem e são usados para a alimentação humana? E na água que
bebemos? Se a maioria dos poluentes químicos é cumulativa, que substâncias tóxicas existem na população
que consome peixes contaminados, produtos vegetais com resíduos de agrotóxicos, vive em ambientes com
todo tipo de produto químico e respira ares urbanos poluídos?
Apenas um estudo epidemiológico de grande escala poderia descobrir qual o grau de contaminação dos seres
humanos que vivem no “civilizado” século 21. Obviamente tal pesquisa nunca foi feita no Brasil.
Engana-se quem acha que as autoridades ambientais dos ricos países europeus possuem este tipo de
informação, fundamental para orientar políticas públicas. Para mostrar a gravidade do problema, a
organização não-governamental WWF, da Itália, acaba de divulgar estudo inédito realizado em sete países
da Europa.
Dezenas de substâncias químicas produzidas pelo homem foram encontradas no sangue de três gerações
(filhos, pais, avós e avôs) de 7 famílias européias, 8 personalidades e dezenas de outros voluntários. O
relatório “Chain of Contamination – The Food Link” mostrou que há duas origens de contaminação: as
residências (em função de substâncias químicas utilizadas em carpetes, cortinas, brinquedos, cosméticos
e equipamentos eletrônicos) e alimentos consumidos diariamente.
Comida contaminada
Mais de 60 substâncias tóxicas foram encontradas nas 27 amostras de alimentos de consumo diário
coletadas em supermercados da Inglaterra, Finlândia, Suécia, Polônia, Itália, Espanha e Grécia. A carne
bovina, o peixe e o queijo foram os mais contaminados. O nível de contaminação detectado variou entre
0,1 e 10 nanogramas/grama de alimento (um nanograma é a bilionésima parte de um grama). O mesmo coquetel
de poluentes foi achado em animais e no ambiente.
“Estamos expostos a níveis aparentemente baixos de contaminação. No entanto, estas substâncias são
cumulativas. E há também um efeito coquetel. Juntas, elas podem potencializar o efeito tóxico. Quem come
estes alimentos pode não ficar doente, no entanto os danos à saúde no longo prazo podem ser graves. Por
isso, defendemos um uso mais sustentável destas substâncias”, explica a bióloga Eva Alessi, coordenadora
científica da campanha Detox do WWF Itália.
O estudo da entidade italiana foi feito em amostras de leite, manteiga, queijo, salsichas, bacon,
galinha, carne de hambúrguer, salame, peixes, pão, mel e óleo de oliva. Como estamos no topo da cadeia
alimentar, acabamos expostos a todo tipo de contaminação química do ambiente, das lavouras e dos animais
que comemos. Muitas destas substâncias interferem no nosso sistema endócrino, tornando-se um fator de
risco para doenças como obesidade, diferentes formas de câncer, diabetes e redução da fertilidade.
Substâncias banidas há mais de 20 anos na Europa foram encontradas em diversas crianças pesquisadas pelo
WWF italiano. Elas também apresentaram mais contaminantes do que as suas mães. “Este estudo é inédito
porque pela primeira vez se investigou três gerações de uma mesma família”, destaca Eva Alessi, uma das
participantes do IV Fórum Internacional de Mídia sobre Proteção da Natureza, Proteção da Saúde promovido
pela Associação Cultural Greenaccord na Itália.
O principal objetivo do estudo feito pelo WWF é pressionar o Parlamento Europeu, onde, em breve, será
votada uma legislação – Registro, Avaliação e Autorização de Químicos (REACH, na sigla em inglês) -
para criar um sistema de informações sobre as substâncias químicas na Europa e estabelecer um elevado
padrão de controle e segurança. No Brasil, não há legislação semelhante.
Atualmente estão em uso na Europa 30 mil substâncias químicas, das 100 mil disponíveis para uso
comercial. Somente a partir de 1981 um teste de toxicidade passou a ser exigido nos países europeus. De
acordo com a bióloga e ecologista Eva Alessi, do WWF, a maioria destas substâncias foi lançada antes
desta data sem uma avaliação dos riscos à saúde humana e ao meio ambiente.
Futuro roubado
“Este novo estudo do WWF é importantíssimo. Não só porque de novo está uma ONG fazendo aquilo que as
instituições públicas deveriam fazer, mas pelo valor das informações. Este trabalho é um desbravar de
caminhos novos que terão que ser, dura e fortemente, reafirmados sempre e sempre”, avalia o Engenheiro
Agrônomo Jacques Saldanha, ecologista gaúcho que há anos vem denunciando o risco das substâncias
químicas artificiais através do site www.nossofuturoroubado.com.br .
O ambientalista recorda que quando a pesquisadora Ana Soto, da Tufts University, dos Estados Unidos,
denunciou que o nonilfenol causava danos ao sistema endócrino ela foi desacreditada pela indústria.
Atualmente, o uso desta substância está proibido na Comunidade Européia. “No entanto, esta molécula está
sendo fartamente utilizada por uma empresa do Vale do Taquari. Ela é usada em diversos produtos de
limpeza, às vezes disfarçado com o nome de tensoativo não-iônico. Quem paga a conta por esta
contaminação?”, questiona Jacques Saldanha.
Para explicar os riscos dos produtos químicos que usamos diariamente, o ecologista e educador ambiental
Jacques Saldanha tem utilizado em suas palestras a reportagem de capa da edição de outubro de 2006 da
versão brasileira da revista National Geographic: “O veneno dentro de você”. O jornalista
norte-americano David Ewing Duncan se submeteu a uma bateria de exames de sangue e urina para descobrir
quais substâncias químicas tóxicas ele tinha acumulado em seu corpo e a origem da contaminação.
A análise, que custou 15 mil dólares pagos pela revista, revelou 165 substâncias tóxicas das 320
pesquisadas, quase três vezes mais do que as analisadas pelo WWF da Itália. “Para ser sincero, acho que
agora estou sabendo bem mais do que gostaria”, reconhece o jornalista e escritor. Duncan relata que nos
Estados Unidos não há regulamentação que determine a realização de testes deste tipo, pois são
considerados caros e ainda não há tecnologia disponível para detectar os teores mais baixos de
contaminação.
Coquetel de poluentes
Entre as substâncias químicas descobertas no estudo do WWF na alimentação dos europeus estão os
ftalatos, utilizados para deixar os plásticos mais flexíveis. Eles são apontados como responsáveis por
problemas no sistema reprodutor do homem, como a diminuição na quantidade de espermas. Substâncias
químicas utilizadas em cosméticos e os compostos perfluorados usados nas panelas com Teflon também foram
detectados nas amostras de sangue. Ambos causam danos à saúde.
As substâncias usadas em aparelhos eletrônicos, colchões, tapetes e carros como retardadores de chamas,
os éteres difenil polibromados (BDE, na sigla em inglês), apesar de salvarem muitas vidas ao evitar
incêndios, causam grande preocupação aos ecologistas, pois elas se acumulam no corpo, relata a bióloga
Eva Alessi, do WWF. Dos três tipos existentes, dois já foram banidos da Europa, Octa e Penta BDE, mas o
Deca BDE ainda continua sendo usado. A ecologista garante que existem soluções menos tóxicas.
Ela também defende um controle maior para os biocidas utilizados nos cascos de navio à base de
tributil-estanho, pois estas substâncias tóxicas causam danos ambientais ao contaminar a fauna aquática.
E também para os hexaclorobenzenos, um dos poluentes orgânicos persistentes listados pela Convenção de
Estocolmo, estabelecida pela ONU em dezembro de 2000.
Todas estas substâncias encontradas nos exames realizados pelo WWF da Itália são persistentes à
degradação, com vida média longa nos tecidos orgânicos, e também são bioacumulativas. O seu potencial de
bioacumulação depende das propriedades de cada substância, de fatores ambientais e bióticos, como idade,
quantidade de gordura, metabolismo e posição na cadeia alimentar.
A bióloga Eva Alessi garante que uma alimentação rica em frutas e verduras ajuda a reduzir os efeitos
dos contaminantes químicos encontrados em outros alimentos e até mesmo em aparelhos domésticos, roupas,
cosméticos, produtos de limpeza, tintas e panelas de Teflon. A alimentação orgânica é recomendada para
evitar a contaminação com agrotóxicos.
Revolução biológica
Enquanto os europeus estão cada vez mais preocupados com a qualidade dos alimentos que consomem, os
países em desenvolvimento aumentam sem parar o uso de agrotóxicos e de fertilizantes químicos em suas
lavouras.
Na safra 2003/2004, os países em desenvolvimento utilizaram 98,4 milhões de toneladas de fertilizantes
químicos. No mesmo período, os paises desenvolvidos aplicaram menos da metade: 44,2 milhões de
toneladas. Em 97/98, os volumes eram, respectivamente, 83,1 e 54,1 milhões de toneladas.
Segundo dados da FAO, os países desenvolvidos utilizaram uma média anual de 1,55 kg/ha de pesticidas
entre 1998 e 2000, o que significou uma redução de 8,5% na comparação com a média utilizada entre 1989 e
1991.
Já nos países em desenvolvimento, os agricultores utilizaram 1,02 kg/ha entre 1998 e 2000, o que
significou um aumento de 25,1% na comparação com o aplicado dez anos antes. Alem disso, os produtos
menos tóxicos são os mais caros e por isso os agricultores dos países pobres tem preferido os mais
antigos e mais baratos, porém mais tóxicos. Os dados são da diretora do Programa de Agricultura,
Alimentação e Meio Ambiente da Tufts University dos Estados Unidos, Kathleen Merrigan.
A pesquisadora norte-americana informa que ¾ das frutas e vegetais consumidos pelas crianças nos Estados
Unidos contém resíduos de agrotóxicos. Por isso o interesse pela agricultura orgânica, sem venenos,
cresce sem parar no mercado norte-americano. A venda destes alimentos aumentou cerca de 20% ao ano na
última década. É o setor agrícola que mais cresce, apesar de apenas 2,7% dos agricultores do país
estarem envolvidos com a produção de alimentos limpos.
“As lavouras orgânicas podem produzir mais do que as convencionais. Elas precisam, no entanto, de 12 a
15 anos para ter boa produtividade, segundo estudos recentes feitos nos Estados Unidos. Não podemos
comparar uma lavoura química com uma lavoura orgânica recente”, explica Kathleen Merrigan.
Segundo ela, a humanidade está em uma encruzilhada. Ou continua no caminho da revolução verde jogando
substâncias químicas tóxicas nos alimentos, ou toma o caminho da nova revolução orgânica. Para Kathleen
Merrigan, da Tufts University, as lavouras sem veneno – e sem transgênicos - têm todas as condições
técnicas de alimentar o mundo.
Para saber mais:
- www.panda.org
- www.organic-center.org
- www.davidewingduncan.net
A peste do século 21
Uma epidemia de peste bubônica matou 1/3 da população européia no século 14, cerca de 25 milhões de
pessoas. A doença foi causada por uma bactéria que se espalhou através das pulgas de ratos pretos
trazidos em navios vindos do Oriente. Quase sete séculos depois, a Peste Negra é um capítulo da história
medieval descrito como uma tragédia distante que afligia moradores de cidades sem qualquer tipo de
saneamento.
Ninguém pode, em sã consciência, imaginar uma epidemia como essa em plena Roma, Paris ou Londres de
2006, ou mesmo em Porto Alegre ou Curitiba. Temos asfalto, água tratada, coleta de lixo, sistema público
de saúde e todo tipo de conforto que a civilização nos proporciona. Será mesmo? Pois a Diretora da
Escola Suíça de Saúde Pública, Ursula Ackermann Liebrich, pensa diferente.
“A poluição atmosférica nas cidades do século 21 é semelhante ao que foi a peste nos tempos medievais.
Estudos mostram que na Europa ela já diminui em 8,6 meses em média a expectativa de vida dos europeus.
Quanto mais contaminação no ar, mais diminui a função pulmonar gerando mais cansaço, aumento nas
internações hospitalares, casos crônicos de doenças respiratórias e cardiovasculares”, explica Ursula
Liebrich.
As crianças e os idosos são sempre os mais afetados. Estudo recente coordenado pela pesquisadora Lourdes
Conceição Martins, do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,
mostrou que o ozônio, um oxidante fotoquímico formado pelas emissões dos veículos, e o dióxido de
enxofre estão diretamente ligados ao aumento do número de atendimentos por pneumonia e gripe em idosos
na capital paulista.
Pesquisa coordenada por Sonia Maria Cipriano Bakonyia, do Departamento de Geografia. Universidade
Federal do Paraná, constatou que os poluentes atmosféricos apresentam efeitos sobre as doenças
respiratórias de crianças em Curitiba. Os resultados sugerem que a poluição tem influência na saúde dos
pequenos mesmo quando os níveis estão aquém do que determina a legislação.
Morte prematura
Dois milhões de pessoas morrem prematuramente a cada ano vítimas da contaminação atmosférica, mais da
metade em países em desenvolvimento, segundo o novo Guia de Qualidade do Ar divulgado pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) no dia 5 de outubro. O estudo traz um apelo veemente a todos os governos para que
adotem padrões mais rígidos de emissões de poluentes atmosféricos.
De acordo com as novas normas da OMS, estabelecidas para todo o planeta, e não mais apenas para a
Europa, como no estudo anterior, apenas a redução dos níveis de emissão de material particulado (PM10),
partículas inaláveis com diâmetro inferior a 10 mícrons (o micrón é a milésima parte do milímetro) já
poderia reduzir as mortes nas cidades poluídas em cerca de 15% ao ano.
Em muitas cidades, o nível anual de PM10 emitido durante a queima de combustíveis fósseis excede as 70
microgramas por metro cúbico. O novo Guia da Qualidade do Ar recomenda que, para prevenir infecções
respiratórias, doenças cardíacas e câncer de pulmão, estes níveis devem ficar abaixo das 20 microgramas
por metro cúbico.
A OMS também reduziu os níveis de ozônio na baixa atmosfera de 120 para 100 microgramas por metro
cúbico. Este poluente, formado em dias ensolarados, causa problemas respiratórios e ataques de asma.
Houve redução também para os níveis de dióxido de enxofre de 125 para 20 microgramas.
Mobilidade sustentável
O aumento observado no número de veículos movidos à diesel nas últimas duas décadas tem preocupado os
especialistas, pois a queima deste combustível fóssil gera poluentes mais sutis e mais danosos à saúde
humana. “É responsabilidade dos governos proteger os seres humanos de um ambiente nocivo à saúde.
Respirar ar limpo deve ser um direito humano”, defendeu a Diretora da Escola Suíça de Saúde Pública,
Ursula Liebrich, no Fórum Internacional de Proteção da Natureza, Proteção da Saúde promovido pela
Associação Cultural Greenaccord de 4 a 7 de outubro em Monte Porzio Catone, nas proximidades de Roma.
Mais da metade do petróleo consumido no mundo - 82,6 milhões de barris/dia em 2004 - é usado no setor de
transportes. Cerca de 25% dos gases estufa lançados na atmosfera se devem à queima destes combustíveis
fósseis que, além de aquecer a Terra, aumentam a incidência de doenças nas cidades.
No Brasil, uma drástica redução da contaminação causada pelo transporte nas grandes áreas metropolitanas
poderia economizar 50 bilhões de dólares nas próximas duas décadas ao evitar a morte prematura de 47 mil
pessoas e a internação de centenas de milhares, segundo estimativas da Faculdade de Medicina da USP,
informou a Agência IPS de Notícias em recente reportagem.
A frota brasileira de veículos saltou de 3,1 milhões em 1970 para 36,5 milhões em 2003, segundo dados da
Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável do Ministério das Cidades. O Programa de Controle da
Contaminação do Ar por Veículos Automotores (Proconve), implatado em 1986, já conseguiu reduzir cerca de
80% das emissões dos veículos novos, evitando 4.500 mortes prematuras entre 1997 e 2000.
De acordo com o coordenador da Iniciativa para Relacionar Saúde e Ambiente do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (UNEP) e da OMS, Pierre Quiblier, o impacto da poluição atmosférica tende a se
agravar, pois a maioria da população mundial vai nascer nos próximos 30 anos em cidades de países em
desenvolvimento que sofrem com a falta de recursos para enfrentar adequadamente os desafios do rápido
crescimento e concentração populacional em áreas urbanas.
Para enfrentar o problema, o especialista europeu defende a adoção de um sistema de mobilidade
sustentável baseado na equidade social, transporte integrado com corredores, gerenciamento do uso da
terra, prioridade para veículos não poluentes e melhora da tecnologia dos veículos. Quiblier ressalta,
no entanto, que apenas a melhoria tecnológica não resolverá o problema. Todo o sistema de transporte
deve ser repensado.
Novas epidemias
Além de causar mortes e aumento das internações hospitalares nos centros urbanos, a queima de
combustíveis fósseis lança na atmosfera gases estufa – o gás carbônico é o principal - responsáveis pelo
aquecimento global. Em um planeta mais quente, haverá uma mudança no padrão de doenças infecciosas
transmissíveis tais como malária, dengue, febre amarela e leishmaniose.
“O próximo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que
será lançado em meados de 2007, vai trazer muitas evidências de que as mudanças climáticas induzem
mudanças na saúde humana de maneira global”, informa Andrei Karanja Githeko, pesquisador do Instituto de
Pesquisas Médicas do Quênia, e um dos cientistas que trabalha no novo estudo do IPCC.
O aumento dos casos de doenças infecciosas ocorre durante as ondas de calor, inundações e secas
prolongadas. Estes fenômenos climáticos extremos tendem a ficar mais freqüentes e intensos com o aumento
da temperatura do planeta, que já atingiu 0,7º C do século 19 até hoje e tende a continuar subindo.
“Casos de malária devem se espalhar da Amazônia até a Argentina. O mesmo ocorre na África. Na Europa,
onde as condições de vida são melhores, a tendência é não haver epidemias desta doença. No entanto,
surpresas acontecem, como ocorreu com a Febre do Rio Nilo que de Nova Iorque se espalhou rapidamente
pelos Estados Unidos”, alerta Andrei Githeko.
O pesquisador do Quênia ressalta ainda, em entrevista ao jornal Extra Classe, que os países em
desenvolvimento devem desenvolver sistemas de vigilância de saúde e de monitoramento de vetores
transmissores, como mosquitos, em todas as regiões, mesmo naquelas onde atualmente estas doenças não
ocorrem, como forma de prevenir epidemias.
“Os sistemas de saúde destes países ainda não estão preparados para enfrentar as conseqüências das
mudanças climáticas. A maioria está preocupada apenas com os problemas já existentes e só reagem diante
de crises”, salienta Githeko.
Casos de leishmaniose já foram registrados em áreas onde antes não ocorriam, como no norte da Itália,
norte da Croácia, na Suíça e na Alemanha. Antes ocorriam picos no verão. Agora eles são registrados
também nas demais estações, relata Bettina Menne, médica do Centro Europeu Ambiente e Saúde da OMS e uma
das autoras do capítulo sobre saúde do relatório do IPCC.
“Sem reduzir as emissões, qualquer medida de adaptação a um planeta mais quente não será suficiente”,
alerta a pesquisadora Bettina Menne. Com o calor, ressalta, também devem aumentar as doenças intestinais
causadas pela salmonela. “A má nutrição, no entanto, pode ser um dos piores efeitos das mudanças
climáticas”, alerta a especialista. O aquecimento do planeta pode reduzir a produção agrícola em grande
parte do planeta, principalmente nos países em desenvolvimento.
Para saber mais:
- Health and Environment Linkages Initiatives: www.who.int/heli
- OMS Air Quality Guidelines: www.who.int/phe/health_topics/outdoorair_aqg/en/index.html
- Mudanças Globais e Saúde: www.euro.who.int/globalchange
A ameaça invisível da radiação
A principal ameaça ambiental ao planeta não são os alimentos contaminados nem as doenças infecciosas que
tendem a proliferar mais rapidamente com o aquecimento global, mas os resíduos dos reatores nucleares e
dos mísseis contaminados com urânio, alerta Asaf Durakovic, diretor do Uranium Medical Research Center
(UMRC) com sede em Washington, nos Estados Unidos.
As potências nucleares, informa o pesquisador croata com cidadania norte-americana, têm atualmente o
equivalente a 100 milhões de bombas de Hiroshima, o suficiente para destruir sete vezes o planeta Terra.
Além disso, desde a Guerra do Golfo, em 1991, até hoje, foram lançados mísseis com urânio empobrecido
com 3.061 toneladas de material radioativo, uma contaminação estimada em 1.3 x 1014 bequeréis.
Ex-coronel do exército dos EUA, onde trabalhou como médico, Durakovic percebeu os riscos dos novos
armamentos quando começou a atender os soldados norte-americanos que retornaram do Iraque contaminados
com a radiação dos mísseis também utilizados no Conflito dos Balcãs, no Afeganistão e na segunda Guerra
do Golfo. O urânio empobrecido é quase tão concentrado quanto o urânio natural e pode conter traços de
plutônio.
Estes mísseis são feitos com isótopos de urânio para aumentar o poder de penetração. Eles são capazes de
perfurar com facilidade qualquer tanque de guerra. No entanto, quando explodem espalham uma poeira
radioativa na atmosfera. A contaminação acontece principalmente quando estes resíduos são inalados.
Através do sistema respiratório, o urânio chega até os ossos e acaba comprometendo o sistema
imunológico.
A equipe do Uranium Medical Research Center, uma ONG criada depois que Durakovic perdeu o emprego nas
Forças Armadas, analisou a contaminação radioativa no Afeganistão. “Encontrei U236 em todos os meus
pacientes. Este isótopo não existe na natureza. Foi produzido pelo homem nestes 15 anos de guerra
nuclear”, explica o médico e pesquisador Asaf Durakovic em entrevista ao jornal Extra Classe.
Inverno nuclear
Para o especialista, a grande acumulação de lixo radioativo nos últimos 60 anos está ameaçando a vida na
Terra. Segundo Durakovic, existe meio milhão de metros cúbicos de lixo radioativo de alto nível gerado
na produção de armas nucleares e mais de 40 mil toneladas de combustível gasto nos reatores nucleares.
Todas as alternativas de armazenagem destes resíduos radioativos utilizadas até hoje são inseguras,
alerta Asaf Durakovic, um dos participantes do IV Fórum Internacional de Mídia sobre Proteção da
Natureza, Proteção da Saúde promovido pela Associação Cultural Greenaccord de 4 a 7 de outubro em Monte
Porzio Catone, nas proximidades de Roma.
Em 1957, recorda, houve uma explosão em Kishtym, nos Montes Urais, devido ao calor gerado pela grande
concentração de resíduos radioativos em apenas um lugar. Durakovic classifica como uma grande bobagem a
proposta de lançar depósitos nucleares ao espaço devido ao custo e ao risco de explosão na decolagem do
foguete.
Depósitos marítimos já foram utilizados no passado, ressalta, mas não são mais aceitos. “Todos os
depósitos hoje existentes são inseguros, verdadeiras bombas-relógio”, adverte o ex-coronel especialista
em radiação ionizante. Para ele, a situação é ainda pior nos países em desenvolvimento.
“A Universidade de Ibadan em recente relatório ressaltou a total ineficiência do depósito de lixo
radioativo na Nigéria”, informa Durakovic. Ele ressalta ainda que os testes nucleares realizados na
terra e no mar também deixaram, e ainda deixam, grande quantidade de resíduos com enorme dano ambiental.
“Estamos com um grande problema, mas não percebemos, pois ele é invisível. É preciso parar de produzir
estas armas radioativas. A produção não pára porque existem muitos interesses econômicos envolvidos. A
retirada e a estocagem do lixo nuclear movimentaram nos EUA mais de 200 bilhões de dólares nos últimos
dez anos”, relata.
A energia nuclear também não pode nunca ser vista como uma alternativa para resolver o problema do
aquecimento global, ressaltou ainda Asaf Durakovic, da ONG Uranium Medical Research Center, pois pode
causar um efeito contrário, um inverno nuclear, devido ao enorme risco de contaminação nuclear.
Para saber mais: www.umrc.net
(Por Roberto Villar Belmonte, jornal Extra Classe/ novembro de
2006, disponível em
Ecoagência de Notícias, 11/11/2006)