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2006-11-13
As esperanças, desconfianças e expectativas frente ao segundo governo Lula e ao futuro imediato do Brasil povoam as discussões do 3º Congresso da Cáritas Brasileira, um órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que aconteceu até o dia 12 de novembro em Aracaju. O encontro, que reuniu cerca de 400 pessoas de todas as regiões do país, serviu também para comemorar o Jubileu de Ouro da Cáritas e resgatar sua história no Brasil.

Em 50 anos de atuação, a organização que nasceu no seio da Igreja Católica para articular ações sociais em benefício dos brasileiros mais necessitados confunde sua própria trajetória com a trajetória de lutas dos movimentos sociais por um Brasil mais justo. Toda essa riqueza foi relembrada numa emocionante narrativa organizada pelas diversas regionais da Cáritas e deu o tom de politização do encontro.

Convidado pelo congresso a fazer uma análise de conjuntura do Brasil, Plínio de Arruda Sampaio confessou sentir-se "como se estivesse conversando em casa" ao dirigir suas palavras aos religiosos, agentes da Cáritas e militantes sociais reunidos na capital sergipana. Forjado na luta política da esquerda católica do Brasil, Plínio analisou a história do país desde Getúlio Vargas e, depois de afirmar que "a grande maioria aqui acha que seria ainda pior sem o Lula, e tem razão", falou sobre o que espera da política brasileira nos próximos anos: "O Lula resgatou algumas antigas bandeiras no segundo turno e agora o povo espera que ele faça o que prometeu. No entanto, o ressurgimento de discussões como a transposição do São Francisco, o aumento da idade mínima para a aposentadoria e uma nova flexibilização das leis trabalhistas indicam um outro caminho do governo. No segundo turno, não foi a liderança que guiou a massa, foi a massa que constrangeu a liderança", disse.

"Quando ficar clara essa reversão de expectativa do povo em relação ao segundo mandato de Lula teremos um outro momento político", aposta Plínio que, no entanto, acha que isso ainda pode demorar: "Nesse momento ainda não há reversão nenhuma. O povo ainda está na expectativa e não deu nenhum sinal de que está descontente. Agora, é de se prever - uma vez que Lula não terá mais o argumento do segundo governo ou de uma nova possibilidade - que daqui a pouco ele chegue no ponto do faz ou não faz. Não posso afirmar que vai haver, mas digo que é de se esperar uma reversão de expectativas. Quando chegar na metade do governo e não tiver acontecido nada, o que o povo vai dizer? Nessa hora, acho que as lideranças que avalizaram o Lula vão ser cobradas".

Depois de afirmar que Lula "não está dando a mínima para o PT", Plínio, que foi candidato pelo PSOL ao Governo de São Paulo, disse não acreditar que esteja ocorrendo em seu antigo partido uma batalha interna entre setores mais conservadores e outros que querem dar uma guinada desenvolvimentista ao segundo mandato: "Não sei até que ponto essa disputa não é estimulada pelo próprio Lula, pois vários dos que estariam em disputa são ministros dele. Essa idéia de deixar a ambigüidade prevalecer é expressão da política tradicional, da política que desmente, que dissimula, que faz negaça. Isso é o Brasil do passado e não nos conduz a nada", disse, antes de se permitir uma alfinetada no ministro da Fazenda: "Nunca soube que o Guido Mantega fosse de tomar iniciativa própria, ele sempre foi um homem do Lula", disse.

Plínio afirmou que "o Brasil ainda não está maduro para o socialismo" e que os movimentos sociais não se encontram em condições de repetir momentos de ascensão vividos em períodos recentes: "O melhor momento para uma ruptura ocorreu no fim da década de 70 e toda a década de 80, quando nós, devagarzinho, construímos o PT, a CUT, a CPT (Comissão Pastoral da Terra) e as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base). Em 89, o Lula perdeu a eleição por muito pouco, sem aliança com a direita, sem Aerolula e sem Duda Mendonça. Era o Lula das lutas sindicais, da reforma agrária e do não pagamento da dívida", disse.

Romaria pelo São Francisco
O 3º Congresso da Cáritas Brasileira que aconteceu em Sergipe foi um termômetro do atual momento político em diversas comunidades de base do Brasil, sobretudo na Região Nordeste, onde a organização tem mais fortes suas ações de combate à pobreza e convivência com o semi-árido. Nesse sentido, a maior preocupação dos congressistas foi com a aparente retomada do projeto de transposição das águas do rio São Francisco pelo governo federal.

Para marcar posição contrária à transposição, o congresso e as comemorações pelos 50 anos da Cáritas no Brasil terminaram no domingo (12/11) com uma celebração eucarística às margens do Velho Chico. Organizada pela Diocese de Propriá, a romaria teve uma cerimônia onde as diversas delegações levaram um pouco da água do rio para suas cidades.

Além dos religiosos e dos agentes da Cáritas, marcaram presença no congresso em Aracaju representantes de agricultores, associações familiares, indígenas, jovens e adolescentes, quebradeiras de coco e assentados, além de observadores e parceiros vindos de outros países. O evento abrigou também uma Feira de Economia Popular Solidária, onde foram comercializados produtos de vários empreendimentos solidários e cooperativas acompanhados pela Cáritas. Além do resgate da história da organização, também ocorreram mini-assembléias sobre mística e espiritualidade e um painel com o tema "O futuro da Cáritas e a Cáritas do futuro", onde se discutiram os desafios para os próximos anos dos católicos que são comprometidos com as transformações sociais.
(Por Maurício Thuswohl, Agência Carta Maior, 13/11/2006)

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