ONGs "ineptas" recebem 54% dos repasses ao setor, diz TCU
2006-11-13
Organizações não-governamentais sem condições ou sem capacidade para executar convênios com a União receberam mais da metade - 54,5% - das verbas federais destinadas a atividades para as quais faltam braços ao Estado, estima relatório de auditoria recém-aprovado do TCU (Tribunal de Contas da União), com base em amostra que para o órgão representa o padrão de comportamento dessas entidades.
O TCU analisou detalhadamente 28 convênios celebrados com dez ONGs. Eles cuidam da prestação de serviços na área de saúde indígena à concessão de bolsas de estudo, passando pela capacitação do programa Primeiro Emprego e pela compra de ambulâncias.
Os convênios analisados receberam R$ 150,7 milhões dos cofres públicos entre 1999 e 2005. O Siafi (sistema informatizado de acompanhamento de gastos federais) mostra que entidades privadas sem fins lucrativos movimentam quantias bilionárias de tributos arrecadados no período.
Desde 2001, com exceção de 2003 (ano de drástica redução de gastos não-obrigatórios), essas entidades vêm recebendo mais de R$ 2 bilhões por ano, em valores corrigidos pela inflação. O total de convênios é um mistério. Lideram os repasses os ministérios da Saúde e o de Ciência e Tecnologia.
Sem controle
A relação entre o Estado e as ONGs, de acordo com o TCU, é pautada pela quase absoluta falta de controle, com conseqüente perda aos cofres públicos e à população.
"O que está ocorrendo é uma verdadeira terceirização da execução das políticas públicas para organizações da sociedade civil, daí descambando para toda sorte de ilícitos administrativos, tais como a burla da exigência de concurso público e de licitações, o uso político-eleitoreiro dos recursos transferidos, o desvio de recursos para enriquecimento ilícito, entre muitos outros", diz a auditoria relatada pelo ministro Marcos Bemquerer Costa, à qual a Folha teve acesso.
O relatório determina a adoção de providências pelos ministérios do Planejamento e da Justiça. O TCU cobra a divulgação, pela internet, de todos os convênios para repasses de recursos públicos a entidades privadas, assim como do cadastro completo das entidades de interesse público (as Oscips) ou de utilidade pública.
O ministro Paulo Bernardo (Planejamento) disse que as recomendações do TCU serão acatadas pelo governo porque "há interesse em haver total transparência" no trato dos recursos públicos destinados às ONGs. Segundo ele, é preciso melhorar os mecanismos de controle desses convênios.
"Queremos restringir o acesso de recursos públicos apenas a quem tem condições", disse ele, ainda sem conhecer os detalhes da auditoria.
O TCU recomendou ao Tesouro Nacional que adote critérios "aferíveis e transparentes" para a escolha de entidades que receberão dinheiro público. Durante a auditoria, constatou-se que os planos de trabalho das ONGs não seguem regras determinadas pelo Tesouro. Em geral, os objetos dos convênios não são definidos com precisão, as metas são vagas e as irregularidades incluem ainda superfaturamento de preços e notas fiscais frias.
Além disso, foram detectadas falhas na avaliação que antecede a aprovação dos convênios. Há situações em que os pareceres dos órgãos públicos simplesmente inexistem.
É o caso de convênio entre o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Associação de Plantas do Nordeste, em que não houve análise técnica. A ONG atuou como mera intermediadora de recursos públicos, já que não executaria atividades de pesquisa para as quais foi contratada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia.
Em cinco convênios auditados da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), faltaram certidões que atestassem situação regular com o Fisco. Uma das entidades contratadas, a Urihi --Saúde Yanomami, teria sido criada, segundo o TCU, só para receber e gerenciar dinheiro (R$ 33,8 milhões) da Funasa.
Na avaliação dos auditores, dada a quantidade e a semelhança das falhas nas primeiras fases dos convênios, elas não se limitam a irregularidades formais. Seriam omissões, "ou até mesmo ações deliberadas para dificultar a efetividade do controle nas fases subseqüentes".
(Por Marta Salomon, Folha de S.Paulo, 12/11/2006)
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u86605.shtml