Cerca de 90% da população têm acesso à água potável no Brasil, proporção semelhante à de países com alto IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), como Coréia do Sul (92%) e Cuba (91%). Na coleta de esgoto, no entanto, o Brasil possui uma taxa de atendimento de 75%, inferior à do Paraguai (80%) e à do México (79%). Apesar da distância entre os indicadores brasileiros, ambos evoluíram entre 1990 e 2004, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2006.
O estudo, que esquadrinha a situação dos serviços de água e saneamento em 177 países e analisa o impacto do setor em outros indicadores sociais, aponta projetos brasileiros como exemplos de boas práticas. Entre os destaques estão o sistema de abastecimento de água de Porto Alegre, a estrutura de coleta de esgoto condominial de Brasília e a elaboração do plano de recursos hídricos no Estado do Ceará. A cooperação entre Brasil e Paraguai na usina de Itaipu é também elogiada pelo relatório.
O RDH 2006 aponta que a proporção de brasileiros com acesso a água potável aumentou 8% entre 1990 e 2004, de 83% para 90%. O avanço deixou o país perto da meta de elevar o indicador para 91,5% , estabelecida pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – uma série de metas socioeconômicas que os países-membros da ONU se comprometeram a atingir até 2015. Já os progressos em saneamento foram mais lentos. O percentual da população que conta com saneamento adequado subiu 6% entre 1990 e 2004, de 71% para 75%. Para atingir a meta de 85,5% almejada, o Brasil precisará intensificar o ritmo atual de expansão dos serviços e ampliar a cobertura em 14% até 2015.
Apesar de estar perto de cumprir a meta de acesso à água, o indicador atual deixa o Brasil em 74º no ranking mundial de cobertura — lista composta por 159 países e territórios e que não inclui 14 nações com alto IDH, como Bélgica e Itália. No ranking de saneamento, a taxa brasileira de atendimento é a 67ª maior entre as registradas por 149 países, grupo que deixa de fora 24 nações de IDH elevado, entre eles Noruega e França.
Parte significativa do déficit brasileiro em saneamento se refere à falta de atendimento à população de baixa renda, segundo o RDH 2006. O estudo diz que é possível perceber uma relação entre nível de pobreza e acesso a água e saneamento e usa a desigualdade no atendimento com coleta de esgoto no Brasil para ilustrar a afirmação. “À medida que a renda aumenta, a cobertura média melhora. Mesmo uma renda nacional média relativamente alta não é garantia de uma alta taxa de cobertura entre os pobres. No Brasil, os 20% mais ricos da população desfrutam de níveis de acesso a água e saneamento geralmente comparáveis ao de países ricos. Enquanto isso, os 20% mais pobres têm uma cobertura tanto de água como de esgoto inferior à do Vietnã”, destaca.
O Brasil é destacado no texto do RDH 2006 como um dos países que têm mais água do que podem consumir, mas que nem por isso conseguiu superar o desabastecimento nas regiões secas e entre a população de baixa renda. “As estatísticas nacionais do Brasil colocam o país no topo do ranking de países com maiores reservas de água do mundo. No entanto, milhões de pessoas que vivem no ‘polígono da seca’ — uma região semi-árida de 940 mil quilômetros quadrados que abrange nove Estados no Nordeste — enfrentam um problema crônico de falta de água”, afirma.
Boas práticas brasileiras
O RDH 2006 elogia as políticas públicas do setor de água e saneamento implantadas em Porto Alegre, Brasília e Ceará. O projeto brasiliense é apresentado como uma alternativa para países que não têm recursos para a implantação de redes de esgoto em comunidades pobres. A gestão de recursos hídricos no Ceará é exposta como uma possível solução para a disputa por água. Já a estrutura administrativa da empresa de água e saneamento da capital gaúcha é apontada no relatório como “prova” de que uma prestadora de serviço pública pode ser eficiente e “ultrapassar os padrões de funcionamento das empresas privadas”.
O serviço de abastecimento de água e coleta de esgoto de Porto Alegre — classificado pelo relatório como “excelente” — é apontado como exemplo de que é possível reestruturar o setor sem privatizar os serviços. “A reforma do setor de prestação de serviços produziu ganhos em termos de eficiência e transparência. O departamento municipal de água fornece às famílias acesso universal a água potável a um bom preço — melhorou de forma drástica as receitas e reduziu as perdas de água. A transparência e a autonomia política e financeira contribuíram de forma crítica para o sucesso”, frisa. “Como prova o exemplo de Porto Alegre, a reforma do setor de prestação de serviços pode reforçar o desempenho sem alterar os detentores das empresas que prestam os serviços”, completa.
A alternativa encontrada por Brasília para levar saneamento à população pobre que vive na periferia da capital é recomendada pelo RDH a países que não dispõem de recursos suficientes. “A companhia de Água e Esgotos e Brasília demonstra como tecnologias inovadoras podem ser ampliadas a partir de pequenos projetos para cobrir cidades inteiras”, afirma o texto. Para expandir a cobertura da rede coletora de esgotos à população pobre, sem condições de arcar com os custos da ampliação do sistema convencional, o Distrito Federal recorreu ao sistema condominial, que, ao invés de atender os domicílios individualmente, presta o serviço a quarteirões ou grupos de residências. “Estes sistemas têm em consideração a topografia local e as condições de escoamento, reduzindo dramaticamente o comprimento das tubulações”, explica o relatório.
O diferencial do Distrito Federal na implantação do sistema condominial foi a participação da comunidade, afirma o estudo. “O desenvolvimento do sistema de condomínio no Brasil teve um caráter tanto político como tecnológico. A participação comunitária nas tomadas de decisão é fortemente percebida como um direito e um dever do cidadão, e o condomínio gera uma unidade social que facilita as decisões coletivas. Os membros do condomínio têm de concordar com a localização da rede de ramais e se organizar para realizar as atividades complementares, o que inclui construção e manutenção. Hoje, esse sistema é a parte central de um sistema de esgotos que serve 2 milhões de pessoas só em Brasília”, destaca.
O Ceará é apresentado pelo relatório com um dos Estados brasileiros “mais bem sucedidos” na gestão dos recursos hídricos. O texto faz elogios à saída que os cearenses encontraram para solucionar uma disputa entre industriais e agricultores pelo fornecimento a água. Na tentativa de resolver o impasse, a empresa que faz a gestão de uma das bacias hidrográficas do Estado convocou para uma assembléia-geral os maiores consumidores do Estado, entre eles representantes da industria, agricultores e sindicatos e cooperativas de trabalhadores rurais, para elaborar um plano de gestão do consumo da água. “Conseguiram-se bons resultados graças ao elevado número de participantes”, salienta o texto. “A experiência acabou sendo disseminada”, completa.
A relação entre os governos brasileiro e paraguaio na usina de Itaipu é apresentada pelo RDH 2006 como modelo de cooperação bem sucedida na utilização dos recursos hídricos. “Brasil e Paraguai constituem um exemplo dos benefícios potenciais obtidos através do intercâmbio e da cooperação. O acordo de Itaipu, datado de 1973, pôs fim a uma disputa fronteiriça que já durava 100 anos, possibilitando a construção conjunta do gigantesco complexo hidrelétrico de Guairá Itaipu”, afirma. “Ambos países ganham com a cooperação, em contraste com o que ocorre na Ásia Central, onde o fracasso da cooperação deu origem a enormes prejuízos”, completa.
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Agência PNUD Brasil, 09/11/2006)