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2006-11-10
O 8 de março deste ano foi apenas o começo. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) promete continuar sua luta pela conscientização da população contra o "modelo concentrador do agronegócio" e o "deserto verde". É o que garante o líder do MST, João Pedro Stédile. Veja quais são os planos do movimento diante da iminente mudança no cenário político do Rio Grande do Sul e as articulações que prepara com entidades em nível internacional.

Ambiente Já - Quais são os planos do MST perante o novo governo do Estado que assume o poder no ano que vem? O que o movimento pretende realizar no próximo dia 8 de março?
Stédile - A nossa obrigação, como eu disse na palestra, é fazer um trabalho permanente de conscientizar a nossa base para elevar o nível de conhecimento, de consciência da realidade. É isso que nós estamos fazendo permanentemente. Agora, as ações não são planejadas como e fosse alguma coisa assim, matematicamente. Isso depende muito de cada movimento, dos problemas que enfrentam na base. O que é certo é que, seguramente, as nossas companheiras da Via Campesina seguirão aproveitando o 8 de março para fazer novas ações de mobilização que tragam mais consciência para a nossa sociedade e que denunciem esse modelo perverso do agronegócio que afeta não só a monocultura de eucalipto como outras monoculturas, como os alimentos que vêm já cada vez mais contaminados com o uso do agrotóxico que o agronegócio vem trazendo.

Ambiente Já - Existe alguma articulação do MST com o Uruguai para manifestações contra as fábricas de papel que estão se instalando naquele país?
Stédile - Nós temos duas articulações que envolvem os uruguaios e os argentinos. Tem uma que é uma rede ambientalista que se chama Amigos da Terra, cuja sede é justamente em Montevidéu. Com freqüência são feitas reuniões aqui no Cone Sul para debater como o meio ambiente está sendo agredido e quais são as ações comuns que cada um de nós pode fazer nos seus países. E a outra rede é a da própria Via Campesina, dos movimentos camponeses. Aí no caso do Uruguai é mais fraco. Praticamente, nas últimas décadas eles acabaram com os camponeses. Mas com os argentinos já há diversas organizações camponesas. Eu acho que o lado bom dessa intervenção de empresas transnacionais é que como são as mesmas empresas que estão lá no Uruguai, que estão na Argentina, que estão aqui no Brasil, isso facilita, também, nos obriga a ter cada vez mais uma consciência internacional e nós começarmos a nos articular para fazer também ações internacionais ao mesmo tempo.

Ambiente Já - Com relação à aprovação do cultivo de transgênicos, o MST chegou a entrar com ação de inconstitucionalidade a uma medida provisória do governo Lula, de 2003, que liberou esse plantio para uma safra. Depois, com a aprovação da Lei de Biossegurança, em março de 2005, essa ação perdeu o objeto, mas existe uma outra que requer que a lei seja considerada inconstitucional por ter vários dispositivos que contrariam o texto da Constituição de 1988, como possibilitar o plantio de transgênicos sem a necessidade de estudo prévio de impacto ambiental. Só que esta última ação está há mais de um ano no Supremo Tribunal Federal (STF) e não foi julgada. O MST vai se mobilizar para obter a declaração de inconstitucionalidade da lei?
Stédile - A nossa pressão é mais no geral em relação à opinião pública, não tanto em direção ao STF, porque a gente sabe que lá há mais do que um poder judicial, aquilo lá é uma extensão do poder político, só reflete o que as classes dominantes dominam no Congresso, no Poder Executivo, e assim por diante. Então o nosso esforço é conscientizar a população de que a Lei de Biossegurança vai, como ela está, ser usada cada vez mais pelas empresas apenas para o seu lucro. E o que é pior: mesmo quando a gente consegue alguns avanços na lei, como é o caso da determinação de rotulagem de todos os produtos transgênicos nas prateleiras dos supermercados, eles não obedecem. Essa determinação já existe desde abril de 2003, e até hoje nós não vimos nenhum produto em prateleira de supermercado que tenha lá a caracterização “Esse produto contém transgênicos”. Então, isso também é uma denúncia que nós fazemos com maior freqüência junto com o Greenpeace e com outros meios ambientalistas: conscientizar o consumidor que exija a aplicação dessa lei. Outros companheiros, o próprio Idec [Instituto de Defesa do Consumidor], têm atuado mais nessa questão jurídica. Mas eu acho que nós, dos movimentos camponeses, o nosso papel maior é ir mais além do acompanhamento dessas disputas jurídicas. É conscientizarmos a população e fazermos atos que sirvam de pedagogia, de exemplo, como as mulheres fizeram aqui na Aracruz. E é isso que nós vamos continuar fazendo.

Ambiente Já - Isto significa que o MST vai realizar ações em supermercados, por exemplo?
Stédile - Claro, eu acredito que as companheiras estão discutindo pelo menos para nós exigirmos a rotulagem dos transgênicos, para chamar a atenção de como está piorando a qualidade dos alimentos em função dos agrotóxicos, o que é tão grave quanto os transgênicos.

Ambiente Já - Qual é a sua avaliação do primeiro mandato do governo do presidente Lula em relação ao meio ambiente?
Stédile - O governo Lula é um governo de composição. Tem uma área de direita, uma de centro e uma de esquerda. Tem todas as forças políticas. Não é um governo de esquerda. Por isto, se transforma num governo ambíguo. Em todas a áreas em que ele atua, seja no meio ambiente, seja na reforma agrária, ele vem tomando medidas ambíguas. Tem medidas que favorecem a conservação do meio ambiente, e às vezes vem a pressão da direita, e o governo toma medidas que prejudicam o meio ambiente.

Ambiente Já - É o caso dos embates entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura na questão dos transgênicos e entre o Ministério do Meio Ambiente e o das Minas e Energia por causa do licenciamento de grandes hidrelétricas?
Stédile - Exatamente. É este o governo que nós temos, um governo ambíguo.
(Por Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 10/11/2006)

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