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2006-11-09
O Brasil está repetindo os mesmos erros praticados há mais de dez anos pelos principais produtores mundiais de camarões, lamentou o professor e empresário Alexandre Alter Wainberg em sua palestra no Centro de Recursos Ambientias (CRA) da Bahia para os alunos de mestrado em Desenvolvimento Sustentável, promovido em parceria com a Universidade Nacional de Brasília (UNB).

Para o palestrante “infelizmente não aprendemos com a lição dos mais velhos”. Ele acredita que o rendimento bom, na fase inicial do empreendimento, cega o empresário para a realidade do negócio, levando-o a superpovoar as áreas de produção, com o intuito de auferir mais lucro num menor espaço de tempo e com menos investimentos.

Esses e outros temas relacionados à aqüicultura, a expansão da carcinicultura, o despreparo do poder público para fiscalizar e legislar; o papel das ONGs e a sua proposta de desenvolvimento da à aqüicultura orgânica, como uma saída para o desenvolvimento sustentável dos estuários, estão nesta entrevista concedida à Assessoria de Comunicação do CRA.

Ascom - Qual a importância da carcinicultura em cativeiro para o futuro da humanidade?
Alexandre-Sendo um empresário ecólogo, minha interpretação sempre tenderá a relacionar os benefícios à humanidade com a sustentabilidade do planeta como um todo. Sob este ponto de vista, a aqüicultura tem cumprido o importante papel de substituir a extração pura e simples dos recursos naturais aquáticos por frutos do mar de boa qualidade produzidos controladamente em ambientes artificiais. Apesar de não ter conseguido reduzir o esforço pesqueiro sobre os mares, a aqüicultura certamente impediu que este crescesse em resposta ao aumento da demanda mundial por pescados. Segundo a FAO, os frutos do mar produzidos artificialmente já respondem por cerca de 50% do consumo mundial e apresentam tendência crescente de participação. A carcinicultura já responde por uma parcela significativa dos camarões produzidos no mundo e sua participação tende a aumentar. Atualmente, a oferta suplanta a demanda resultando na queda dos preços e popularização do camarão, que se tornou acessível a uma parcela muito maior de pessoas. É o fruto do mar mais consumido nos EUA, roubando a liderança do atum que se mantinha por muitos anos. Não creio que o futuro da humanidade esteja diretamente relacionado com o futuro da carcinicultura. A sustentabilidade do planeta está muito mais relacionada com a crescente população e seu padrão acelerado de consumo de recursos naturais. A carcinicultura será somente mais uma ferramenta que a humanidade disporá para seu desenvolvimento. Se será um desenvolvimento sustentável ou não, só o tempo dirá.

Ascom – Em comparação com outras culturas de subsistências quais as vantagens e desvantagens?
Alexandre - A carcinicultura não é uma cultura de subsistência. Seu perfil é de commodity direcionada para o mercado internacional.

Ascom – Na última década, o Brasil apresentou um grande crescimento dessa atividade, atraído pelo boom que ela representa. Será que o país estava preparado para a sua implantação e expansão?
Alexandre- A carcinicultura repete sempre o mesmo ciclo em todos os países em que se implantou. Seu desenvolvimento é cheio de altos e baixos devido a problemas ambientais, sanitários e econômicos que se revezam sucessivamente. No início, o crescimento é rápido, pois não existe uma acumulação da atividade ultrapassando o nível sustentável e os resultados econômicos gratificantes impulsionam uma febre de expansão. O perfil de subdesenvolvimento dos países líderes na produção, localizados no sudoeste asiático e América do Sul, contribui para o despreparo do poder público em fazer face à nova atividade que se expande explosivamente. Geralmente, perde-se o controle sobre o desenvolvimento e o nível de sustentabilidade é ultrapassado.

Ascom - A carcinicultura no Oriente já tem um histórico bastante valioso. Isso tem servido de lição para os produtores brasileiros? Se não, qual a principal causa e o resultado dessa desatenção?
Alexandre - Infelizmente não aprendemos com a lição dos mais velhos. A Ásia tem um histórico de pelo menos 10 anos à nossa frente e estamos repetindo no Brasil todos os erros que eles cometeram. Para mim, o dinheiro fácil na fase inicial cega o empresário para a realidade do negócio. Em todos os congressos internacionais que estive ao longo da minha vida profissional, a delegação brasileira era sempre uma das mais numerosas. Todos viam os problemas.

Ascom - Quais os principais pecados capitais da carcinicultura em cativeiro no país?
Alexandre - A carcinicultura brasileira não ocasionou problemas significativos quando comparada à carcinicultura dos outros países líderes na produção mundial, tais como China, Indonésia, Índia, Vietnã, Equador e outros. Nestes locais os manguezais e recursos hídricos foram devastados de forma brutal. Somente na província de Ca Mau, no Vietnam, foram construídos cerca de 100 mil hectares de viveiros de camarão apenas no ano de 2003. Em todo o Brasil existem menos de 20 mil hectares de fazendas construídas, em sua maioria, em antigas salinas, nos apicuns que ficam atrás dos mangues. Neste ponto, os grupos ambientais foram importantes no Brasil. Talvez sem a sua ação o desenvolvimento por aqui tivesse repetido o de lá. É de conhecimento público que a Associação Brasileira de Criadores de Camarão tentou por bastante tempo desenvolver um programa para construção de 100 mil hectares de fazendas de camarão.
Os principais erros cometidos são os mesmos dos outros lugares, em escala menor: destruição de ecossistemas costeiros tais como os manguezais; poluição dos recursos hídricos com nutrientes provenientes da ração e fertilização química; introdução de espécie exótica no meio ambiente natural; utilização de produtos químicos tais como cloro, conservantes e medicamentos não controlados; interferência sobre os usuários tradicionais dos recursos naturais, tais como os pescadores e marisqueiros.
Na minha opinião, o principal pecado da carcinicultura brasileira foi acreditar que sua liderança poderia sustentar a expansão sem amparo legal, apoiando-se na crença da ineficiência dos meios legais e no poder econômico gerado pelas divisas de exportação. As ONG s ambientais mostraram-se muito mais articuladas e o momento econômico não está beneficiando os carcinicultores. Tudo indica que a atividade terá mais restrições pela frente até que encontre uma maneira de satisfazer a sociedade não só pela via do fornecimento de um produto, mas pela contribuição ao desenvolvimento sustentável.

Ascom – Os movimentos ambientalistas são radicais com a implantação dessa atividade no país, pois considera altamente impactante, com sérios prejuízos para o meio marinho, notadamente para mangues e similares. Qual a sua opinião sobre o assunto?
Alexandre - Tanto os ambientalistas quanto os carcinicultores tem se extremado, não contribuindo para o avanço real das discussões. Simplesmente dizer não à carcinicultura tem se mostrado contraproducente, pois o fato real é que a expansão continua apesar de toda gritaria. Em minha opinião, cabe aos movimentos ambientais forçar, e se possível ajudar, aos carcinicultores a encontrar formas sustentáveis de realizar sua atividade. Aos carcinicultores, através das suas lideranças, reconhecerem que a atividade traz problemas que devem ser solucionados antes da expansão. Existem vários exemplos que tem demonstrado caminhar na direção de aumentar os índices de contribuição da carcinicultura ao desenvolvimento sustentável. Caberia às ONG s, lideranças e governo apoiá-las.

Ascom – Hoje você desenvolve a carcinicultura natural (orgânica). Quais são as vantagens para o meio ambiente e sua importância no mercado nacional e internacional?
Alexandre - Sempre tenho tentado esclarecer que não existe carcinicultura orgânica. No nosso ponto de vista, se é orgânico é policultivo. Existem várias empresas que se denominam orgânicas, mas praticam somente a substituição dos insumos convencionais por insumos orgânicos certificados. Não é o caso da Primar. Para a Primar, os estuários são ecossistemas frágeis, mas de grande produtividade e biodiversidade. Nós tentamos reproduzir a pirâmide ecológica do ecossistema ocupando os nichos com espécies comerciais dentro do limite da capacidade de carga do ecossistema. Esta capacidade de carga é muito difícil de ser determinada e tomamos a precaução de ir subindo aos poucos, tateando, antes de ultrapassar o limite. Já produzimos camarões e ostras orgânicas e vamos desenvolver tecnologia para outras espécies em parceria com as universidades que nos têm apoiado. Os benefícios ambientais alcançados estão sendo medidos em diversas teses de mestrado e doutorado desenvolvidas por estudantes de universidade do Brasil e da Alemanha. Estes estudos têm demonstrado o crescente aumento da biodiversidade e da qualidade dos recursos hídricos relacionados às operações de cultivos da Primar. Para o consumidor, a Primar tem proporcionado a disponibilidade de camarões e ostras orgânicas certificadas de excelente sabor e textura, aliados ao elevado padrão sanitário e praticidade de apresentação. Acreditamos que a tendência mundial no mercado de alimentos penderá para produtos com produção certificada sustentável.

Ascom - Será que a carcinicultura orgânica será a saída para o desenvolvimento sustentável dessa atividade? Quais os estímulos que o governo poderia colocar à disposição do produtor?
Alexandre - A aqüicultura orgânica é uma saída para o desenvolvimento sustentável dos estuários. Existem várias medidas que podem beneficiar a aqüicultura de maneira geral. Atendo-se aos principais estímulos que o governo, nas várias esferas, poderia prover para impulsionar a aqüicultura orgânica posso citar: licenciamento ambiental simplificado com isenção ou redução significativa das taxas, pois, por princípio, a atividade é de baixíssimo impacto ambiental; regulamentação da Lei 10.831 sobre agricultura orgânica, ordenando a atividade no Brasil, incluindo um capítulo sobre aqüicultura orgânica; repressão das práticas desleais e fraudulentas no mercado brasileiro de pescados, principalmente, a adição de água para fraudar no peso, adoção da classificação internacional dos tamanhos dos pescados denominando-os de médios e grandes, ao bel prazer do produtor, e uso de aditivos químicos não informados nos rótulos.
(Por Ronaldo Macedo, Ascom/CRA-BA, 19/10/2006)


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