O Brasil está repetindo os mesmos erros praticados há mais de dez
anos pelos principais produtores mundiais de camarões, lamentou
o professor e empresário Alexandre Alter Wainberg em sua palestra
no Centro de Recursos Ambientias (CRA) da Bahia para os alunos de
mestrado em Desenvolvimento Sustentável, promovido em parceria
com a Universidade Nacional de Brasília (UNB).
Para o palestrante “infelizmente não aprendemos com a lição dos
mais velhos”. Ele acredita que o rendimento bom, na fase inicial do
empreendimento, cega o empresário para a realidade do negócio,
levando-o a superpovoar as áreas de produção, com o intuito de
auferir mais lucro num menor espaço de tempo e com menos
investimentos.
Esses e outros temas relacionados à aqüicultura, a expansão da
carcinicultura, o despreparo do poder público para fiscalizar e
legislar; o papel das ONGs e a sua proposta de desenvolvimento da
à aqüicultura orgânica, como uma saída para o desenvolvimento
sustentável dos estuários, estão nesta entrevista concedida à
Assessoria de Comunicação do CRA.
Ascom - Qual a importância da carcinicultura em cativeiro para o
futuro da humanidade?
Alexandre-Sendo um empresário ecólogo, minha interpretação
sempre tenderá a relacionar os benefícios à humanidade com a
sustentabilidade do planeta como um todo. Sob este ponto de vista,
a aqüicultura tem cumprido o importante papel de substituir a
extração pura e simples dos recursos naturais aquáticos por frutos
do mar de boa qualidade produzidos controladamente em
ambientes artificiais. Apesar de não ter conseguido reduzir o
esforço pesqueiro sobre os mares, a aqüicultura certamente
impediu que este crescesse em resposta ao aumento da demanda
mundial por pescados. Segundo a FAO, os frutos do mar
produzidos artificialmente já respondem por cerca de 50% do
consumo mundial e apresentam tendência crescente de
participação. A carcinicultura já responde por uma parcela significativa dos
camarões produzidos no mundo e sua participação tende a
aumentar. Atualmente, a oferta suplanta a demanda resultando na
queda dos preços e popularização do camarão, que se tornou
acessível a uma parcela muito maior de pessoas. É o fruto do mar
mais consumido nos EUA, roubando a liderança do atum que se
mantinha por muitos anos. Não creio que o futuro da humanidade esteja diretamente relacionado com o futuro da carcinicultura. A sustentabilidade do planeta está muito mais relacionada com a crescente população e seu padrão acelerado de consumo de recursos naturais. A
carcinicultura será somente mais uma ferramenta que a humanidade disporá para seu desenvolvimento. Se será um desenvolvimento sustentável ou não, só o tempo dirá.
Ascom – Em comparação com outras culturas de subsistências
quais as vantagens e desvantagens?
Alexandre - A carcinicultura não é uma cultura de subsistência. Seu
perfil é de
commodity direcionada para o mercado internacional.
Ascom – Na última década, o Brasil apresentou um grande
crescimento dessa atividade, atraído pelo boom que ela representa.
Será que o país estava preparado para a sua implantação e
expansão?
Alexandre- A carcinicultura repete sempre o mesmo ciclo em todos
os países em que se implantou. Seu desenvolvimento é cheio de
altos e baixos devido a problemas ambientais, sanitários e
econômicos que se revezam sucessivamente. No início, o
crescimento é rápido, pois não existe uma acumulação da atividade
ultrapassando o nível sustentável e os resultados econômicos
gratificantes impulsionam uma febre de expansão. O perfil de
subdesenvolvimento dos países líderes na produção, localizados no
sudoeste asiático e América do Sul, contribui para o despreparo do
poder público em fazer face à nova atividade que se expande
explosivamente. Geralmente, perde-se o controle sobre o
desenvolvimento e o nível de sustentabilidade é ultrapassado.
Ascom - A carcinicultura no Oriente já tem um histórico bastante
valioso. Isso tem servido de lição para os produtores brasileiros? Se
não, qual a principal causa e o resultado dessa desatenção?
Alexandre - Infelizmente não aprendemos com a lição dos mais
velhos. A Ásia tem um histórico de pelo menos 10 anos à nossa
frente e estamos repetindo no Brasil todos os erros que eles
cometeram. Para mim, o dinheiro fácil na fase inicial cega o
empresário para a realidade do negócio. Em todos os congressos
internacionais que estive ao longo da minha vida profissional, a
delegação brasileira era sempre uma das mais numerosas. Todos
viam os problemas.
Ascom - Quais os principais pecados capitais da carcinicultura em
cativeiro no país?
Alexandre - A carcinicultura brasileira não ocasionou problemas
significativos quando comparada à carcinicultura dos outros países
líderes na produção mundial, tais como China, Indonésia, Índia,
Vietnã, Equador e outros. Nestes locais os manguezais e recursos
hídricos foram devastados de forma brutal. Somente na província
de Ca Mau, no Vietnam, foram construídos cerca de 100 mil
hectares de viveiros de camarão apenas no ano de 2003. Em todo
o Brasil existem menos de 20 mil hectares de fazendas construídas,
em sua maioria, em antigas salinas, nos apicuns que ficam atrás
dos mangues. Neste ponto, os grupos ambientais foram importantes
no Brasil. Talvez sem a sua ação o desenvolvimento por aqui
tivesse repetido o de lá. É de conhecimento público que a
Associação Brasileira de Criadores de Camarão tentou por bastante
tempo desenvolver um programa para construção de 100 mil
hectares de fazendas de camarão.
Os principais erros cometidos são os mesmos dos outros
lugares, em escala menor: destruição de ecossistemas costeiros tais como os manguezais; poluição dos recursos hídricos com nutrientes provenientes
da ração e fertilização química; introdução de espécie exótica no meio ambiente natural; utilização de produtos químicos tais como cloro, conservantes e medicamentos não controlados; interferência sobre os usuários tradicionais dos recursos naturais, tais como os pescadores e marisqueiros.
Na minha opinião, o principal pecado da carcinicultura brasileira foi
acreditar que sua liderança poderia sustentar a expansão sem
amparo legal, apoiando-se na crença da ineficiência dos meios
legais e no poder econômico gerado pelas divisas de exportação.
As ONG s ambientais mostraram-se muito mais articuladas e o
momento econômico não está beneficiando os carcinicultores. Tudo
indica que a atividade terá mais restrições pela frente até que
encontre uma maneira de satisfazer a sociedade não só pela via do
fornecimento de um produto, mas pela contribuição ao
desenvolvimento sustentável.
Ascom – Os movimentos ambientalistas são radicais com a
implantação dessa atividade no país, pois considera altamente
impactante, com sérios prejuízos para o meio marinho,
notadamente para mangues e similares. Qual a sua opinião sobre o
assunto?
Alexandre - Tanto os ambientalistas quanto os carcinicultores tem
se extremado, não contribuindo para o avanço real das discussões.
Simplesmente dizer não à carcinicultura tem se mostrado
contraproducente, pois o fato real é que a expansão continua
apesar de toda gritaria. Em minha opinião, cabe aos movimentos
ambientais forçar, e se possível ajudar, aos carcinicultores a
encontrar formas sustentáveis de realizar sua atividade. Aos
carcinicultores, através das suas lideranças, reconhecerem que a
atividade traz problemas que devem ser solucionados antes da
expansão. Existem vários exemplos que tem demonstrado caminhar
na direção de aumentar os índices de contribuição da carcinicultura
ao desenvolvimento sustentável. Caberia às ONG s, lideranças e
governo apoiá-las.
Ascom – Hoje você desenvolve a carcinicultura natural (orgânica).
Quais são as vantagens para o meio ambiente e sua importância no
mercado nacional e internacional?
Alexandre - Sempre tenho tentado esclarecer que não existe
carcinicultura orgânica. No nosso ponto de vista, se é orgânico é
policultivo. Existem várias empresas que se denominam orgânicas,
mas praticam somente a substituição dos insumos convencionais
por insumos orgânicos certificados. Não é o caso da Primar. Para a
Primar, os estuários são ecossistemas frágeis, mas de
grande produtividade e biodiversidade. Nós tentamos reproduzir a
pirâmide ecológica do ecossistema ocupando os nichos com
espécies comerciais dentro do limite da capacidade de carga do
ecossistema. Esta capacidade de carga é muito difícil de ser
determinada e tomamos a precaução de ir subindo aos
poucos, tateando, antes de ultrapassar o limite. Já produzimos
camarões e ostras orgânicas e vamos desenvolver tecnologia para
outras espécies em parceria com as universidades que nos têm
apoiado. Os benefícios ambientais alcançados estão sendo medidos em
diversas teses de mestrado e doutorado desenvolvidas por
estudantes de universidade do Brasil e da Alemanha. Estes estudos
têm demonstrado o crescente aumento da biodiversidade e da
qualidade dos recursos hídricos relacionados às operações de
cultivos da Primar. Para o consumidor, a Primar tem
proporcionado a disponibilidade de camarões e ostras orgânicas
certificadas de excelente sabor e textura, aliados ao elevado padrão
sanitário e praticidade de apresentação. Acreditamos que a
tendência mundial no mercado de alimentos penderá para produtos
com produção certificada sustentável.
Ascom - Será que a carcinicultura orgânica será a saída para o
desenvolvimento sustentável dessa atividade? Quais os estímulos
que o governo poderia colocar à disposição do produtor?
Alexandre - A aqüicultura orgânica é uma saída para o
desenvolvimento sustentável dos estuários. Existem várias medidas
que podem beneficiar a aqüicultura de maneira geral. Atendo-se
aos principais estímulos que o governo, nas várias esferas, poderia
prover para impulsionar a aqüicultura orgânica posso citar: licenciamento ambiental simplificado com isenção ou redução significativa das taxas, pois, por princípio, a atividade é de baixíssimo impacto ambiental; regulamentação da Lei 10.831 sobre agricultura orgânica,
ordenando a atividade no Brasil, incluindo um capítulo sobre
aqüicultura orgânica; repressão das práticas desleais e fraudulentas no mercado brasileiro de pescados, principalmente, a adição de água para fraudar no peso, adoção da classificação internacional dos tamanhos
dos pescados denominando-os de médios e grandes, ao bel
prazer do produtor, e uso de aditivos químicos não informados
nos rótulos.
(Por Ronaldo Macedo,
Ascom/CRA-BA, 19/10/2006)