O inglês Nicholas Stern, chefe do serviço econômico do governo de seu
país, recebeu há dezesseis meses uma tarefa colossal: medir o impacto do
aquecimento global na economia mundial. Ex-economista-chefe do Banco
Mundial e diplomado pelas universidades de Cambridge e de Oxford, Stern
lançou mão de modernos modelos matemáticos e econômicos na tentativa
pioneira de estimar os prejuízos decorrentes do chamado efeito estufa –
o acúmulo de gases poluentes na atmosfera, que está fazendo a
temperatura da Terra subir assustadoramente. O ambicioso trabalho
resultou num relatório batizado de "Estudo Stern", lançado na semana
passada na Inglaterra e recebido com barulho pelos ambientalistas. Nele,
Stern discorre sobre os prejuízos econômicos no mundo com o aquecimento
global, que chegam à cifra monumental dos 7 trilhões de dólares, e faz
um alerta urgente: "É preciso agir agora". Nesta entrevista, concedida
por telefone de Londres, Stern explica como o homem deve se preparar
para habitar um planeta mais quente e instável, elogia as pesquisas do
Brasil na área de biocombustíveis e avisa que os efeitos mais duros do
aquecimento global recairão sobre os países mais pobres. A seguir, a
entrevista.
Veja – Qual o impacto que o aquecimento global terá sobre a
economia mundial se nada for feito para melhorar a situação atual?
Stern – Se deixarmos as coisas tal como estão hoje, o planeta vai
perder entre 5% e 20% do PIB mundial. Estamos falando, portanto, de
perdas que podem chegar a cerca de 7 trilhões de dólares. O porcentual
muda bastante, de 5% a 20%, porque depende das variáveis inseridas no
cálculo. No nosso estudo, falamos em 20% porque fazemos uma abordagem
mais ampla, incluindo estimativas sobre o impacto que o aquecimento
global terá sobre a vida dos mais pobres, sobre os gastos com saúde
pública etc. Claro que não são números precisos, porque é impossível
prever com segurança hoje impactos que serão efetivamente sentidos
dentro de algumas décadas.
Veja – Dentro de quanto tempo o mundo começará a sentir os
efeitos do aquecimento global?
Stern – Dentro de quarenta a cinqüenta anos sentiremos o impacto
do que já fizemos contra o planeta. São efeitos que aparecerão na forma
de desastres naturais, como secas, enchentes e furacões progressivamente
mais intensos. Não importa o que fizermos agora, esses efeitos serão
sentidos, eles já são inevitáveis. Assim, tudo o que fizermos nas
próximas duas ou três décadas só terá impacto no fim deste século.
Veja – O que é preciso fazer?
Stern – Está claro que temos de diminuir os níveis da emissão
global de gases poluentes, como o gás metano que sai das mineradoras e o
dióxido de carbono dos automóveis, fábricas, aviões. A redução desses
gases não pode demorar mais do que vinte anos. Se for feita, poderá
diminuir grandemente os riscos que o planeta corre. Calculamos que o
custo de fazer essa redução de gases corresponderia a cerca de 1% do PIB
mundial nos próximos anos. O certo é que, se começarmos a investir
seriamente em tecnologias limpas, por volta de 2050 atingiremos um
patamar de menor agressão ao meio ambiente. Mas, claro, sempre pode
demorar muito mais.
Veja – Com 1% do PIB de investimento podemos chegar a um nível
aceitável de emissão de gases?
Stern – Sim. Um gasto dessa magnitude nos levaria a grandes
descobertas em termos tecnológicos. Estaríamos dirigindo carros movidos
a hidrogênio e os biocombustíveis seriam uma realidade. Também
conseguiríamos gerar eletricidade abundante por meio da energia solar,
da energia nuclear, do vento e da água. É muito importante que países
dependentes de carvão, e há muitos nessa situação, aprendam a explorá-lo
e a estocá-lo de forma adequada. Sabemos que países como a Índia, a
China, a Austrália, os Estados Unidos e a Polônia têm grandes reservas
de carvão. Isso significa que, dentro de muitos anos, esses países ainda
estarão usando carvão para gerar eletricidade, o que é altamente
poluente. Somente agora estamos aprendendo a explorar o carbono e a
guardá-lo de novo no solo, e essa é uma tecnologia fundamental.
Portanto, é imperativo que haja incentivos para reduzir a produção de
materiais com carbono. O nosso estudo é otimista, mas só haverá uma
mudança de rumo se todos os países agirem em conjunto. Nenhum país pode
resolver esse problema sozinho.
Veja – Por que os países pobres serão mais atingidos pelas
mudanças climáticas?
Stern – Por várias razões. Uma é a geografia: os países mais
próximos à linha do Equador sofrerão duramente, porque são os mais
quentes. É onde estão os países mais pobres, por um azar geográfico.
Outro fator é a limitação das atividades econômicas desses países.
Países mais pobres têm economia centrada em atividades agrícolas, setor
mais vulnerável às mudanças climáticas que sofreremos. Em terceiro, os
países pobres dispõem de menos dinheiro para investir em formas de se
proteger contra os efeitos do aquecimento global. Nesses lugares, há
menos dinheiro para gastar em infra-estrutura e na adaptação necessária
para protegê-los.
Veja – Em seu estudo, o senhor calcula que os países pobres
poderão perder até 10% do PIB. Não é um cálculo exagerado?
Stern – As perdas econômicas para os países pobres realmente
serão bem maiores do que as verificadas nos países desenvolvidos. Esse
número deve variar com o tempo daqui em diante. Será menos do que 10%
agora e mais do que isso depois. É uma questão de risco, de
probabilidades. Pode vir a ser menos do que isso ou mais do que isso. O
aumento das perdas se dará com o tempo, e isso será pior nos países
pobres.
Veja – O esforço global para reduzir a emissão de gases poluentes
pode prescindir do apoio dos Estados Unidos, que são responsáveis por
36% das emissões?
Stern – Não. Claro que precisamos que os Estados Unidos se
conscientizem da necessidade de diminuir as emissões de gases poluentes,
e acho que as atitudes e as idéias dos americanos começam a mudar. Eles
estão desenvolvendo iniciativas significativas na Califórnia e em
importantes cidades do nordeste. O governo americano vem tomando medidas
para promover o desenvolvimento de novas tecnologias. Apesar de não
terem apoiado o Tratado de Kioto, os Estados Unidos estão começando a
mudar. E não são os únicos. A Índia e a China também estão mudando. Na
China, já foram definidas fortes metas de eficiência no uso de energia.
O objetivo é cortar em 20% o desperdício nos próximos cinco anos.
Acredito que o mundo já começou a entender a importância dos impactos do
aquecimento global, mas precisa agir mais rápido para mitigar os
prejuízos. Todos os países têm de trabalhar para isso, porque todos
contribuem para essa situação. Sozinho, nenhum país pode diminuir os
níveis de emissão de forma significativa. O Brasil, por exemplo, é um
caso especial de país que pode contribuir de maneiras eficazes para esse
esforço global.
Veja – Por quê?
Stern – Porque o Brasil utiliza mais energia hidrelétrica do que
os outros países. Também investe pesadamente no desenvolvimento de
biocombustíveis. Além disso, tem uma grande área de florestas. O Brasil
vem contribuindo enormemente em termos de pesquisa em novas tecnologias.
Eu penso que, se conseguirmos descobrir como cultivar biocombustíveis em
terras menos nobres, em vez de produzi-los em terras férteis, será uma
tremenda contribuição para o uso de energias limpas. O etanol, por
exemplo, é uma boa forma de energia limpa, mas são necessárias terras
nobres para cultivar cana. Seria um grande passo conseguir produzir
celulose ou óleos vegetais em terras pobres. O Brasil tem grandes áreas
de terra pobre, assim como a Ásia Central e a América do Norte.
Veja – Existe tecnologia disponível para cultivar biocombustíveis
em terras inférteis?
Stern – Essa tecnologia está quase disponível. Com ela, o Brasil
terá contribuído enormemente para diminuir o aquecimento global. Outra
contribuição se dá na luta pela preservação das florestas. Estive no
Brasil em abril deste ano e participei de debates interessantes sobre o
uso de menos carbono na economia. Foi uma visita muito produtiva.
Pretendo voltar ao Brasil para investigar as possibilidades de produção
de energias limpas, porque o país tem se mostrado original nessa área. O
Brasil também está pensando e agindo na questão do desmatamento da
Amazônia. Para mim, o mundo é o maior beneficiário da diminuição do
desmatamento. Claro que o Brasil se beneficia igualmente disso, mas,
como beneficiário, o resto do mundo deveria ajudar o Brasil e aqueles
países onde as florestas ainda resistem. Eles precisam receber
assistência. É a terra deles e eles têm de decidir a estratégia e a
política para isso. Mas me parece que o resto do mundo deveria ajudar o
Brasil, a Indonésia e a Malásia, países que ainda têm florestas.
Veja – A ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva,
sugeriu recentemente a criação de um fundo internacional de proteção à
Amazônia. É uma utopia ou uma idéia factível?
Stern – É uma idéia excelente. É justamente o tipo de iniciativa
que acreditamos ser importante. O ministro das Finanças da Inglaterra,
Gordon Brown, disse que vai trabalhar junto ao Banco Mundial para tentar
obter apoio internacional para esse tipo de iniciativa. Acredito que a
discussão sobre o aquecimento global está se movendo no sentido de
apoiar ações como essa.
Veja – O senhor está otimista quanto à perspectiva de conservação
da Floresta Amazônica?
Stern – A conservação é fundamental, mas a ameaça à Amazônia
também vem do aumento da temperatura global. A seca da Amazônia pode
afetar profundamente o Brasil. Então, é importante que o país seja um
dos líderes mundiais na demanda por fortes medidas para mitigar as
emissões globais de gases poluentes. O Brasil sofreria pesadamente se a
Amazônia morresse. Se as montanhas de neve dos Andes, fonte de boa parte
da água na América do Sul, começarem a derreter, isso significará uma
grande perturbação nas correntes de água do continente. O Brasil tem
muito a perder. Portanto, é importante que o país continue algo que já
começou: a pressão por ações internacionais. Essa pressão permanente,
junto com o papel do país no desenvolvimento de biocombustíveis e o
esforço para proteger as florestas, faz do Brasil um ator extremamente
importante na luta pela diminuição das emissões de gases poluentes.
Veja – O que pode acontecer com a Amazônia se as emissões de
gases poluentes não forem reduzidas?
Stern – Há modelos científicos que sugerem que dentro de
cinqüenta ou 100 anos a Amazônia pode secar e morrer. Isso se
continuarmos no mesmo nível de emissões em que estamos agora. Não falta
tanto tempo assim. Pode acontecer durante a vida de nossos filhos e
netos. Temos de agir fortemente nos próximos vinte anos para reduzir os
riscos de que isso aconteça. Mas não há nada certo aqui. Estamos falando
de investir agora para controlar e reduzir riscos de que tragédias
ocorram.
Veja – O que o Brasil pode fazer?
Stern – O desenvolvimento de tecnologias diferentes é
fundamental. O Brasil é líder no desenvolvimento de biocombustíveis e
pode mostrar ao resto do mundo que isso não custa tanto e não é tão
difícil assim, que outros países podem seguir em sentido parecido.
Preciso enfatizar que ir além do etanol é muito importante, devido à
necessidade de terras nobres para cultivar cana. O Brasil também pode
dividir sua tecnologia e suas idéias com outros países pobres. O Brasil,
a África do Sul e a Inglaterra estão trabalhando juntos com outros
países africanos, como Moçambique e Angola, para implantar algumas
dessas idéias lá. Uma coisa é desenvolver tecnologias, e outra é
disseminá-las e dividi-las. O Brasil será um líder nisso.
Veja – O que o senhor achou da proposta de "internacionalizar" a
Amazônia, sugerida por David Miliband, secretário do Meio Ambiente do
governo britânico?
Stern – Prefiro não comentar sobre propostas específicas, mas o
nosso estudo tem um capítulo sobre desmatamento de florestas. Nesse
capítulo, dizemos que o país onde a árvore fica deve ser o responsável
por protegê-la. Mas o resto do mundo, que se beneficiaria do fim do
desmatamento, deveria ajudar os países que estão fazendo esforços para
cessar o desmatamento. Porém, cabe ao país, sozinho, determinar sua
forma de trabalhar. E isso por duas razões. Em primeiro lugar, por uma
questão de soberania e, em segundo, porque o país saberá bem melhor do
que qualquer estrangeiro o que fazer.
Veja – No seu estudo, o senhor cita a China e a Índia como
exemplos de países que se tornarão grandes poluidores e que vão
contribuir para o aumento das emissões de gases poluentes. Por que o
Brasil, também tido como um país com grande potencial de crescimento
econômico, não está nessa lista?
Stern – O Brasil é um país relevante no cenário internacional,
mas é menor e não vem crescendo tão rápido quanto a China e a Índia.
Além disso, está investindo em tipos diferentes de tecnologia, como a
hidreletricidade e os biocombustíveis, e deve ter um futuro menos
poluente. Mesmo assim, o Brasil ainda é responsável por um grande nível
de emissão de gases poluentes, aspecto no qual o desmatamento das
florestas tem peso importante.
(Por Diego Escosteguy,
Veja, 08/11/2006)