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2006-11-09
Elefantes são herbívoros tranqüilos. Sem predadores naturais, só recorrem à violência quando se sentem ameaçados. Nos últimos anos, no entanto, ficaram mais agressivos. Os ataques fatais a pessoas, animais e outros elefantes tornaram-se mais freqüentes. Em certas partes da Ásia e da África, eles investem contra carros, casas e, às vezes, vilas inteiras sem ser provocados. Mais de 500 pessoas foram mortas nos últimos cinco anos só em dois estados da Índia. No Sri Lanka, ataques de elefantes matam quarenta pessoas por ano. Na década de 80, a média era de apenas doze mortos. No mês passado, um turista inglês que fazia um safári numa reserva florestal do Quênia foi pisoteado até a morte por um elefante quando saiu do carro para apreciar a natureza. Em julho, um paquiderme invadiu uma casa na Ilha de Sumatra, na Indonésia, agarrou um morador com a tromba e o matou. "Tromba não é arma. Normalmente, é usada apenas para segurar alimentos e galhos", disse a VEJA a psicóloga americana Isabel Gay Brad-shaw, especialista em elefantes da Universidade Estadual de Oregon, nos Estados Unidos. "O que está ocorrendo é algo totalmente fora dos padrões."

Após estudar manadas na Ásia e na África, Isabel concluiu que a mudança de comportamento se deve ao colapso da estrutura familiar dos elefantes, ocasionado pela caça dos animais mais velhos e pela redução das reservas de vida selvagem nas últimas décadas. No estudo publicado na revista Nature no ano passado, ela afirma que a espécie como um todo sofre agora de um distúrbio psicológico bem conhecido entre os seres humanos, o stress pós-traumático, que deixa esses animais propensos à depressão e à agressividade excessiva. Na semana passada, um estudo feito em um zoológico de Nova York mostrou que os elefantes são capazes de reconhecer a própria imagem no espelho. A experiência, realizada por pesquisadores da Universidade Emory, de Atlanta, coloca o paquiderme no reduzido grupo dos animais com autoconsciência, que inclui o homem, o chimpanzé e o golfinho. Uma manada de elefantes é um grupo familiar coeso, em que cada membro está estreitamente ligado aos demais. O sistema de comunicação dentro do grupo, com vibrações no solo, vocalizações e movimentos com o corpo, é um dos mais complexos já observados entre animais. O conhecimento – como encontrar água ou se comportar dentro do grupo – é transmitido entre as gerações. Os filhotes passam oito anos sob a tutela da mãe e também aprendem com tias, primas e, sobretudo, com a matriarca que lidera o grupo. Após esse período, os machos jovens se afastam para uma temporada de aventuras entre os machos adultos.

O sentimento familiar é tão intenso que, no ano passado, na Zâmbia, elefantes atacaram um carro que tinha atropelado dois filhotes. O veículo foi virado seguidas vezes, e a estrada foi bloqueada nos dois sentidos por mais de seis horas. A matança motivada pela venda das presas de marfim e pela caça esportiva fez com que a população mundial de elefantes caísse de 10 milhões em 1900 para os atuais 500.000. Os esforços de preservação conseguiram evitar a extinção desses mamíferos – em muitas reservas há até superpopulação –, mas não foram suficientes para impedir o desequilíbrio nos laços familiares. Não apenas caiu o número de matriarcas e fêmeas mais velhas, como também o de machos adultos, cujo papel é manter os mais jovens na linha. Na Tanzânia e na Zâmbia, na África, foram identificados vários grupos sem fêmeas adultas – não é surpresa que, nessas condições, os elefantes se comportem como jovens transviados. Em julho de 2005, três elefantes do Parque Nacional Pilanesberg, na África do Sul, foram abatidos a tiros depois de matar 63 rinocerontes e atacar carros com turistas. Descobriu-se depois que o trio tinha testemunhado a matriarca ser morta por caçadores. O trauma dessa experiência havia despertado a conduta agressiva dos órfãos.

O mecanismo fisiológico que leva a esse comportamento intempestivo foi estudado com imagens de cérebro de elefantes pelo neurocientista americano Allan Schore, da Universidade da Califórnia. Schore descobriu que o convívio com os mais velhos na infância tem o efeito de desenvolver algumas áreas ligadas à emoção e à agressão no hemisfério direito do cérebro. "Quando os elefantes não têm contato com os adultos na infância ou sofrem algum trauma, essas áreas se desenvolvem de maneira anormal, o que aumenta a predisposição do filhote a se tornar violento", disse Schore a VEJA. Para resolver esse tipo de desvio, os especialistas têm recorrido a táticas heterodoxas. No Quênia, o Instituto David Sheldrick para a Vida Selvagem especializou-se em adotar elefantes órfãos, que passaram a ser cuidados por mães humanas. Elas ficam a maior parte do tempo ao lado dos animais e chegam a dormir com eles nos estábulos. Mais de sessenta elefantes voltaram para a vida selvagem com essa técnica. "Os animais têm necessidades parecidas com as dos humanos e, se pudermos dar isso a eles, conseguiremos coexistir pacificamente", diz Isabel Bradshaw, que está preparando um livro sobre o aumento dos conflitos entre os paquidermes e os seres humanos.
(Por Duda Teixeira, Veja, 08/11/2006)

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