Jornalista serve de cobaia e encontra substâncias tóxicas acumuladas em seu organismo há décadas
2006-11-08
Os produtos químicos modernos impedem que pragas devastem plantações, tiram manchas de tapetes e salvam vidas. Mas as conseqüências de estarem em todos os lugares estão se revelando. Muitos dos compostos absorvidos pelo corpo ficam lá durante anos – e os temores relativos a seus efeitos sobre a saúde estão crescendo.
Graças à química moderna, os ovos não grudam na frigideira, os desodorantes duram o dia todo e os carros aceleram a até 100 quilômetros por hora em menos de 10 segundos. Tudo tem um preço: as substâncias que impulsionam a vida moderna – de toxinas já estudadas a novos compostos – se acumulam em nosso corpo e ali permanecem durante anos.
Meu experimento como cobaia humana está tomando um rumo assustador.
Um químico sueco está ao telefone, falando sobre retardantes de fogo, substâncias químicas que, por razões de segurança, são adicionadas a todos os produtos que podem entrar em combustão. Encontrados em colchões, tapetes, gabinetes plásticos de TVs, circuitos eletrônicos e carros, os retardantes de fogo salvam, somente nos Estados Unidos, centenas de vidas a cada ano. Mas essas substâncias também acabam indo parar onde não deveriam: no interior do meu corpo.
Ake Bergman, da Universidade de Estocolmo, está me contando que acabou de receber o resultado de um exame que mede em meu sangue os níveis de determinados compostos de retardantes chamados éteres difenil polibromados (PBDEs, polybrominated diphenyl ethers). Em camundongos e ratos, dosagens elevadas de PBDEs alteram o funcionamento da tireóide, causam problemas reprodutivos e neurológicos e prejudicam o desenvolvimento do sistema neurológico. Pouco se sabe a respeito de seu impacto na saúde humana.
"Espero que você não seja paranóico, mas essa concentração é bem alta", diz Bergman com leve sotaque. O nível em meu sangue de um PBDE particularmente tóxico, encontrado sobretudo em produtos fabricados nos Estados Unidos, é dez vezes mais elevado que a média determinada por um estudo restrito com americanos – e mais de 200 vezes da média na Suécia.
Na verdade, sou um escritor empenhado em uma jornada de autodescoberta química. No outono passado, fui submetido a exames para detectar 320 substâncias químicas que poderia ter ingerido juntamente com alimentos e bebidas, com o ar que respiro e através de produtos que entram em contato com a minha pele. Eles incluem substâncias químicas a que posso ter sido exposto décadas atrás, como o DDT e as bifenilas policloradas (PCBs, polychlorinated biphenyls); poluentes, como chumbo, mercúrio e dioxinas; pesticidas mais recentes; ingredientes de plástico; e os compostos quase milagrosos que nos espreitam a vida moderna, como xampus cheirosos, panelas antiaderentes e tecidos resistentes à água e ao fogo.
Esse tipo de exame está fora do alcance da maioria das pessoas – os meus foram pagos por National Geographic e custariam cerca de 15 mil dólares – e poucos laboratórios têm capacidade técnica para detectar as doses quase imperceptíveis dessas substâncias. Eu me submeti aos exames para descobrir quais delas se acumulam no corpo de um americano típico ao longo de sua vida e de onde elas poderiam vir. Também estava buscando uma maneira de pensar sobre os riscos, benefícios e incertezas – todo o complexo relacionamento com o mundo moderno representado pelo "fardo" químico que rodopia no interior do nosso corpo.
Para ser sincero, acho que agora estou sabendo bem mais do que gostaria.
Bergman quer desvendar o mistério dos altos níveis de retardante de fogo em meu sangue. Havia comprado recentemente móveis ou tapetes novos? Não. Passo muito tempo perto de monitores de computador? Não, meu notebook é de titânio. Moro perto de alguma fábrica que produz retardantes? Não, a mais próxima está a mais de 1,5 mil quilômetros. Foi então que me ocorreu algo. "E quanto a aviões?", pergunto. "Ah", diz ele, "você costuma voar muito?" "No ano passado, foram quase 320 mil quilômetros", respondo. "Interessante", diz Bergman, que então me conta que há muito estava curioso a respeito da contaminação por PBDEs nas cabines de aviões, cujos revestimentos de plástico e tecido são impregnados de retardantes de fogo, de modo a atender aos critérios de segurança estabelecidos pelos órgãos responsáveis pela aviação.
"Já pensei em solicitar financiamento para uma pesquisa sobre os teores de PBDEs em pilotos e comissários de bordo", diz Bergman. Por enquanto, contudo, essa conexão não passa de uma hipótese. O modo como ingeri essa substância, da qual jamais ouvira falar até semanas atrás, continua sendo um enigma. E há ainda uma questão mais urgente: o quão preocupado devo ficar?
A mesma coisa vale para outras substâncias que absorvi do ar, da água, da frigideira antiaderente que usei hoje de manhã para preparar ovos mexidos, do xampu aromático, do meu reluzente celular. Estou bem de saúde e, até onde sei, não tenho nenhum dos sintomas relacionados com a contaminação por substâncias tóxicas.
Em níveis mais altos, algumas destas, desde o mercúrio até as PCBs e a dioxina, famosa por ter sido usada como agente desfolhante na Guerra do Vietnã, produzem efeitos medonhos. No entanto, muitos toxicólogos insistem em que as quantidades ínfimas dessas substâncias em nosso corpo quase nunca constituem motivo de preocupação.
Uma parte por bilhão (ppb), a unidade-padrão para se medir a maioria das substâncias químicas no corpo, é equivalente a 2,5 mililitros de tinta vermelha em uma piscina olímpica. Além disso, algumas das substâncias mais temidas, como o mercúrio, se dissipam após dias ou semanas – pelo menos uma vez que o contato é interrompido.
Mas, mesmo que muitas estatísticas de saúde tenham melhorado nas últimas décadas, não há como negar que também houve um inexplicável recrudescimento de certas enfermidades. Desde o início da década de 1980 até o fim da seguinte, decuplicou o número de casos de autismo; do início da década de 1970 até meados dos anos 1990, um certo tipo de leucemia aumentou 62%, registrou-se o dobro do número de defeitos congênitos em bebês do sexo masculino e cresceram 40% os casos de câncer no cérebro de crianças. Alguns especialistas desconfiam de que isso tenha a ver com as substâncias químicas artificiais que se encontram nos alimentos que ingerimos, na água que bebemos e no ar que respiramos. Ainda não há nenhum indício conclusivo nesse sentido. No entanto, ao longo dos anos, uma após a outra, substâncias químicas antes consideradas inofensivas mostraram-se prejudiciais depois que alguém se deu o trabalho de ir atrás dos dados.
Do DDT às PCBs, o setor químico sempre lançou primeiro seus compostos no mercado e só depois descobriu quão prejudiciais eram à saúde das pessoas. Muitas vezes as autoridades responsáveis adotaram a postura de considerar inofensivas tais substâncias até que se comprovasse sua periculosidade, permitindo o que Leo Trasande, pediatra e especialista em saúde ambiental, chama de "experimento descontrolado com as crianças americanas".
Todos os anos, a Agência de Proteção Ambiental (ou EPA, Environmental Protection Agency) dos Estados Unidos examina em média 1,7 mil novos compostos que as indústrias pretendem comercializar. No entanto, a Lei de Controle de Substâncias Tóxicas, de 1976, só requer, para sua aprovação, que sejam testados caso haja indícios de nocividade – algo que raramente ocorre em novas substâncias. O órgão aprova 90% dos novos compostos sem impor nenhuma restrição.
Até pouco tempo atrás ninguém jamais medira os níveis médios de contaminação em parcelas consideráveis da população americana. Nenhuma regulamentação exige tal coisa, os testes são dispendiosos e ainda não dispomos de tecnologia acurada para detectar os teores mais baixos.
No ano passado, os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (ou CDC, Centers for Disease Control and Prevention) deram o primeiro passo para remediar essa situação, divulgando dados sobre 148 substâncias, desde o DDT e outros pesticidas até metais, PCBs e ingredientes de plástico, com base na avaliação de seus resquícios na urina e no sangue de milhares de indivíduos. O estudo pouco dizia sobre seu impacto na saúde das pessoas testadas ou como estas teriam entrado em contato com tais substâncias.
O meu périplo químico teve início em uma manhã de outubro, no Hospital Mount Sinai em Nova York, onde fiz exames de urina e sangue sob a supervisão de Leo Trasande, que se especializou no tratamento de crianças expostas a outras toxinas que afetam o cérebro. Ele aceitara ser um dos consultores desse projeto, que começou quando um técnico do hospital extraiu 14 ampolas do meu sangue – na 12a comecei a me sentir tonto e a suar frio. Na 13a, Trasande foi obrigado a recorrer a seus sais aromáticos, que subiram por minhas narinas como uma labareda e me permitiram agüentar até o fim.
De Nova York, as amostras de sangue foram enviadas à empresa Axys Analytical Services, na ilha Vancouver, no Canadá, um dos poucos laboratórios no mundo capazes de detectar as mais sutis substâncias químicas. Ali são realizadas várias análises, de ovo de águia a tecido humano, para pesquisadores e órgãos governamentais. Semanas depois, segui atrás de minhas amostras e fui ao Canadá a fim de descobrir como a Axys fazia para identificar quantidades ínfimas de compostos que circulam em meu corpo.
Com isso, pude observar as amostras passando por múltiplas etapas de processamento, nas quais foram aos poucos sendo isolados grupos de compostos em meio a milhares de outros, naturais e artificiais, presentes no sangue e na urina. Em seguida, os extratos são transferidos para uma sala limpa de alta tecnologia, na qual há espectrômetros de massa, reluzentes equipamentos do tamanho de geladeira. Neles, os compostos de uma amostra são arremessados através de um tubo comprido com vácuo, onde um campo magnético altera a trajetória das moléculas, com as mais leves sofrendo desvios mais acentuados. A medida exata do desvio revela o tamanho e a identidade de cada molécula.
Semanas depois, recebi da Axys os resultados – uma tabela de números em partes por bilhão ou por trilhão – e com base nisso tentei descobrir a origem desses elementos tóxicos. Alguns deles remontam à época em que eu ainda estava no útero, quando recebi de minha mãe parte de sua carga química, através da placenta e do cordão umbilical. Outra parte veio depois de meu nascimento, durante a amamentação.
Depois de desmamar, comecei a colecionar minhas próprias substâncias químicas. Cresci na região nordeste do estado do Kansas e ali passei incontáveis dias quentes e mormacentos brincando em um aterro sanitário às margens do rio Kansas. Localizado em uma escarpa de calcário, acima da correnteza marrom em cujas margens havia fileiras de choupo e trilhos ferroviários, o aterro era um tesouro repleto de garrafas velhas, máquinas quebradas, volantes de direção e outras coisas que só os meninos sabem apreciar direito.
Isso foi no fim da década de 1960, e meus amigos e eu não tínhamos como saber que esse aterro seria considerado mais tarde como uma ameaça pelo órgão de proteção ambiental dos Estados Unidos, a EPA. Descobriu-se que naquele canto do condado Johnson, ao longo dos anos, empresas e indivíduos haviam jogado toneladas de material contaminado com produtos químicos tóxicos. "Tudo começou como um simples aterro, antes que houvesse regras e normas para a segurança desses locais", diz Denise Jordan-Izaguirre, cuja missão é manter informada a população para que esta não seja contaminada por substâncias tóxicas. "Ali foram despejados escória de minérios e metais pesados. E, como não tinha cercas nem guardas, qualquer criança podia entrar lá." Eu, por exemplo.
Hoje recoberto, lacrado e mantido sob monitoramento, o aterro, conhecido como Doepke-Holliday, está situado a menos de 1 quilômetro, rio acima, de um ponto de captação de água para o condado, exatamente a água doce que abastecia a minha casa e 45 mil outros lares. Na década de 1960, o condado já tratava a água desviada do rio, mas não de todas as substâncias contaminantes. E a água doce vinha de 21 poços que dependiam de um lençol freático próximo ao aterro.
Quando era menino, a área do Kansas em que morávamos era imunda e o aterro não era a única fonte de toxinas. A poucos quilômetros de casa havia muitas indústrias às margens do rio, para não falar de uma fumarenta usina de eletricidade. A caminho do centro de Kansas City, mergulhávamos numa nuvem pestilenta de fumaça e um fedor químico. Labaredas erguiam-se das chaminés das fábricas de fertilizantes, em penachos de sódio amarelo-mostarda, e dejetos de animais eram jogados no rio. Nos campos da região circundante, tratores e aviões lançavam sobre as plantações DDT e outros pesticidas, formando grandes nuvens, que nós, as crianças, às vezes atravessávamos de bicicleta, segurando a respiração e nos sentindo muito corajosos.
Atualmente o ar da região está limpo e o rio não recebe mais efluentes – um testemunho visível do êxito dos programas de recuperação ambiental nos Estados Unidos, incentivados pelas leis da Água Limpa e do Ar Limpo aprovadas na década de 1970. Todavia, os resultados dos meus exames realizados pela Axys mais parecem um diário químico de 40 anos atrás. Meu sangue contém resquícios de várias substâncias hoje proibidas ou de uso restrito, entre as quais o DDT (sob a forma de DDE, um subproduto da degradação do DDT) e outros pesticidas, como o clordano e o heptaclor, usados contra cupim.
Freqüentei a faculdade em uma época e um local que marcaram o auge da contaminação por outro conjunto de substâncias encontradas em meu corpo – as bifenilas policloradas, ou PCBs, antes usadas como isolante elétrico e fluidos para troca de calor em geladeira, condicionador de ar, transformador e outros equipamentos. As PCBs podem estar à nossa espreita em qualquer aterro ou fábrica antiga. Mas as maiores disseminações de PCBs ocorreram ao longo do rio Hudson, no estado de Nova York, entre as décadas de 1940 e 1970, período em que a General Electric usou a substância em suas fábricas nas cidadezinhas de Hudson Falls e Fort Edward. Cerca de 225 quilômetros mais abaixo no rio fica a cidade de Poughkeepsie, onde freqüentei a Faculdade Vassar no fim da década de 1970.
As PCBs, sob forma sólida ou oleosa, podem resistir durante décadas no ambiente. Em experimentos com animais, elas prejudicam as funções hepáticas, aumentam o teor de gordura no sangue e provocam câncer. Alguns dos 209 tipos de PCBs assemelham-se, em termos químicos, às dioxinas e ocasionam outras disfunções em cobaias: danos aos sistemas reprodutor e nervoso, assim como problemas de crescimento. Em 1976, quando se tornou óbvia sua natureza tóxica, as PCBs foram proibidas nos Estados Unidos e a GE deixou de usá-las. No entanto, até então a empresa lançava legalmente o excesso de PCB no Hudson, que o carregava rio abaixo até Poughkeepsie, uma das oito cidades que dependiam do rio para seu abastecimento de água.
Em 1984, um trecho de 320 quilômetros do rio Hudson, desde Hudson Falls até a cidade de Nova York, foi declarado área de risco e teve início um programa para a retirada das PCBs do rio. Até hoje, sob a supervisão das autoridades ambientais, a GE já gastou 300 milhões de dólares nessa limpeza, dragando e eliminando as PCBs dos sedimentos fluviais. A empresa também vem se empenhando para impedir que as PCBs acumuladas em suas fábricas vazem para o rio.
Estima-se que aves e outros animais selvagens ao longo do Hudson tenham sido afetados pela poluição, mas o impacto desta nos seres humanos é menos palpável. Um estudo sobre as populações que vivem à margem do rio Hudson detectou um aumento de 20% na taxa de hospitalização por causa de doenças respiratórias, ao passo que outro, mais tranqüilizador, não registrou aumento nas mortes por câncer na região. Entretanto, para muitas pessoas dali, o medo é real.
"Cresci a um quarteirão da fábrica de Fort Edward", conta Dennis Prevost, oficial aposentado do Exército e militante em prol da saúde pública, que responsabiliza as PCBs pelo câncer no cérebro que matou seu irmão de 46 anos e uma vizinha de 20 e poucos anos.
O cientista Ed Fitzgerald, que já trabalhou para a Secretaria Estadual de Saúde, está realizando o mais completo estudo sobre os efeitos das PCBs na população local. Ele disse que já explicou a Provost e outros moradores que o risco representado pelos poços era provavelmente pequeno, uma vez que as PCBs tendem a se depositar no fundo dos mananciais subterrâneos. Segundo ele, o consumo de peixes pescados no rio Hudson é uma forma de contaminação bem mais provável.
De volta à minha casa em San Francisco, encontro uma nova geração de produtos químicos – compostos que ainda não foram proibidos e cuja presença, tal como a dos retardantes de fogo, vem crescendo ao longo dos anos, tanto no ambiente como no nosso organismo. Ao bebericar água após fazer exercícios, eu talvez esteja me expondo ao bisfenol A, um ingrediente amplamente usado em plásticos rígidos, como garrafas de água e óculos de segurança.
O bisfenol A provoca anormalidades no sistema reprodutor de animais em laboratório. Ainda bem que os níveis em mim eram tão baixos que a substância nem foi detectada – um raro momento de alívio em meu périplo pelo mundo das toxinas.
E aquele leve aroma de lavanda que há no xampu com que lavamos o cabelo? Por trás dele estão os ftalatos, moléculas que dissolvem fragrâncias, tornam mais espessas as loções e dão flexibilidade ao PVC, ao vinil e a alguns tubos intravenosos de uso médico. Os painéis da maioria dos carros estão encharcados de ftalatos, assim como embalagens de plástico para alimento. O calor e o desgaste podem libertar moléculas de ftalato, e os humanos acabam por ingeri-las ou absorvê-las pela pele. Como levam de minutos a horas para dissipar-se no corpo, na maioria das pessoas há uma flutuação de seus níveis no decorrer do dia.
Tal como o bisfenol A, os ftalatos desorganizam o desenvolvimento reprodutivo nas cobaias. Recentemente, um grupo de especialistas concluiu que, embora ainda não existam indícios de periculosidade dos ftalatos, há motivos de "preocupação", sobretudo quanto aos possíveis efeitos em bebês. "No caso dos seres humanos, não temos dados para saber se os níveis atuais são inofensivos", diz a especialista em ftalatos Antonia Calafat, que trabalha nos CDC. Meus resultados, em cinco dos sete ftalatos testados, ficaram acima da média. Leo Trasande especula que alguns dos meus níveis de ftalato mostraram-se elevados porque tirei minha amostra de urina pela manhã, logo após tomar banho e lavar o cabelo.
Do meu repertório de químicas internas também constam os ácidos perfluorados (PFAs, perfluorinated acids) – compostos que entram na fabricação de revestimentos antiaderentes e antimanchas. A 3M os usava em seus produtos Scotchgard até descobrir que estavam se disseminando pelo ambiente, o que levou a empresa a eliminá-los de seus produtos. Nos animais de laboratório, tais substâncias químicas prejudicam o fígado, afetam os hormônios da tireóide, provocam defeitos congênitos e talvez câncer, mas pouco se sabe sobre os efeitos tóxicos em seres humanos.
A poluição originária de pontos mais distantes também deixou sua marca no resultado dos meus exames: meu sangue tinha traços ínfimos, inofensivos, de dioxinas que escapam de fábricas de papel, de certas indústrias químicas e de incineradores. No meio ambiente, as dioxinas se depositam no solo e na água e em seguida entram na cadeia alimentar. Elas se acumulam na gordura dos animais e a maioria das pessoas as ingere juntamente com a carne e os derivados de leite.
E depois há o mercúrio, uma neurotoxina capaz de danificar permanentemente a memória, as áreas de aprendizado do cérebro e o comportamento. Usinas termelétricas que queimam carvão são uma das principais fontes de mercúrio, lançando-o através das chaminés na atmosfera, onde é dispersado pelo vento e depois retorna à superfície com a chuva, acumulando-se em lagos, rios ou oceanos. Ali as bactérias o transformam em um composto chamado de "metilmercúrio", o qual entra na cadeia alimentar depois de ser absorvido na água pelo plâncton que serve de alimento aos peixes pequenos. Os grandes predadores no topo da cadeia alimentar marinha, como o atum e o peixe-espada, são os que mais acumulam em seu corpo o metilmercúrio – que acaba sendo ingerido pelos apreciadores de pescados.
Para os moradores do norte da Califórnia, a contaminação por mercúrio também é um legado da corrida ao ouro de 150 anos atrás, quando os mineiros usavam mercúrio líquido para separar o metal de outros minérios na confusão de lavras abertas em Sierra Nevada. Ao longo das décadas, regatos e lençóis freáticos lavaram os sedimentos repletos de mercúrio na escória das antigas minas e os lançaram na baía de San Francisco.
Não costumo comer peixe e os níveis de mercúrio em meu sangue estavam baixos. Mas fiquei curioso para saber o que aconteceria se me empanturrasse de peixes de grande porte. Assim, comprei postas de linguado-gigante e peixe-espada no mercado do antigo Ferry Building, à beira da baía de San Francisco. Ambos haviam sido pescados logo adiante da Ponte Golden Gate, onde poderiam ter acumulado mercúrio das velhas lavras. Naquela noite jantei o linguado com manjericão e shoyu; já o peixe-espada ficou para o desjejum da manhã seguinte, acompanhado de ovos (preparados em uma frigideira antiaderente).
Vinte e quatro horas depois fiz com que outra amostra de sangue fosse examinada. O nível de mercúrio havia mais que dobrado, passando de 5 para 12 microgramas por litro, acima dos valores recomendados. Na faixa de 70 a 80 microgramas por litro, o mercúrio torna-se perigoso para os adultos, mas níveis mais baixos podem afetar as crianças. "Já houve casos de redução de QI em crianças que apresentavam 5,8 microgramas por litro de mercúrio", diz Leo Trasande. Ele me aconselhou a não repetir o experimento culinário (1 micrograma por litro é igual a 1 ppb).
Bem mais difícil, porém, é ficar longe dos retardantes de fogo, os PBDEs, responsáveis pelos resultados mais preocupantes. Nosso mundo ficou saturado desses compostos desde que foram introduzidos, há três décadas. Os cientistas notaram a presença dos PBDEs em todo o planeta: em ursos-brancos no Ártico, cormorões na Inglaterra e orcas no Pacífico. O químico sueco Bergman e seus colegas foram os primeiros a alertar sobre os riscos à saúde, em 1998, quando relataram aumento nos PBDEs no leite materno, de zero em amostras de leite de 1972 preservadas para uma média de 4 ppb em 1997.
Tais compostos se destacam de plásticos e tecidos sob a forma de partículas de poeira ou de gases que aderem à poeira – depois inalada pelas pessoas. Os bebês que engatinham pelo chão apresentam uma dosagem especialmente elevada.
Em 2001, pesquisadores suecos administraram uma mistura de PBDEs similar àquela usada em móveis a jovens cobaias, e o resultado foi que estas se saíram mal em testes de memória, aprendizado e comportamento. No ano passado, cientistas da Faculdade de Medicina da Universidade Charité, em Berlim, relataram que fêmeas de rato prenhas com níveis de PBDEs equivalentes aos meus deram à luz filhotes machos com sistemas reprodutores disfuncionais.
Mas as margens de segurança podem estar se estreitando. Após revisar vários estudos, Ronald Hites, da Universidade de Indiana, apurou um aumento exponencial em pessoas e animais, com os níveis dobrando em intervalos de três a cinco anos. Diante das conseqüências, por que correr risco com essas substâncias químicas? Não seria melhor proibi-las desde já?
Em 2004, foi exatamente isso o que os europeus fizeram no caso do penta e do octa-BDEs, que, de acordo com os testes em animais, são os mais tóxicos desses compostos. A Califórnia também irá proibi-los até 2008; e, em 2004, a Chemtura, com sede no estado de Indiana e única empresa que os produz nos Estados Unidos, já se comprometeu a tirá-los aos poucos do mercado. Atualmente, porém, não há nenhum plano para acabar com o deca-BDE, muito mais comum que os outros. Eles comprovadamente se dissipam com mais rapidez no ambiente e nas pessoas, embora os subprodutos desse processo talvez incluam os mesmos penta e octa-BDEs.
Tampouco é evidente que a proibição de uma substância química suspeita seja sempre a melhor opção. Colchões e assentos de avião de fácil combustão também não são perspectiva animadora. Recentemente, a Universidade de Surrey, na Inglaterra, avaliou os riscos e os benefícios dos retardantes de fogo em produtos de consumo e concluiu o seguinte: "Os benefícios de muitos retardantes, ao reduzirem a possibilidade de incêndios, superam os riscos para a saúde humana".
Afinal, com exceção de determinados poluentes, todos os produtos químicos industriais foram criados com alguma finalidade. Até mesmo o pesticida DDT, o arquivilão no clássico livro Primavera Silenciosa, publicado em 1962 por Rachel Carson e que inaugurou o movimento ambientalista moderno, foi no início exaltado como substância milagrosa, pois eliminava os mosquitos transmissores de malária, febre amarela e outras pragas. Ele salvou incontáveis vidas antes de ser banido em quase todo o mundo por sua nocividade para a vida selvagem. "Nem todos os produtos químicos são prejudiciais", argumenta Scott Phillips, um toxicólogo clínico de Denver. "Ao mesmo tempo que houve aumento na taxa de alguns tipos de câncer", continua ele, "também vimos a expectativa de vida dobrar no último século."
"O fundamental é conhecermos mais a respeito dessas substâncias para não sermos surpreendidos por riscos inesperados", diz a senadora pela Califórnia Deborah Ortiz, autora de um projeto de lei que prevê o monitoramento da exposição a tais substâncias químicas.
Em 2005, a União Européia deu sua aprovação inicial a uma proposta de regulamentação jurídica denominada Reach – Registration, Evaluation, and Authorization of Chemicals (Registro, Avaliação e Autorização de Produtos Químicos) –, a qual transfere às indústrias o ônus de comprovar a segurança dos produtos que vendem ou usam e de mostrar que os benefícios destes no fim das contas são maiores que os riscos. A proposta, que não conta com o apoio nem da indústria nem do governo americano, também prevê incentivos para que as empresas encontrem alternativas mais seguras a retardantes de fogo, pesticidas, solventes e outros produtos suspeitos. Isso daria um impulso ao chamado "movimento da química verde ou sustentável", uma busca de alternativas que já vem ocorrendo em laboratórios de ambos os lados do Atlântico.
Por mais perturbadora que tenha sido até agora minha pesquisa do fardo químico em meu organismo, o fato é que ainda ficaram de fora milhares de compostos, entre eles pesticidas, plásticos, solventes e um ingrediente de combustível de foguetes chamado perclorato que vem contaminando mananciais em muitas regiões do país. Tampouco realizei exames para detectar coquetéis químicos – misturas de substâncias que talvez sejam inofensivas isoladamente, mas que, juntas, prejudicam as células humanas. Quando misturados, pesticidas, PCBs, ftalatos e outros "podem ter efeitos multiplicadores ou podem se revelar antagonistas entre si", diz James Pirkle, dos CDC, "ou podem ser inofensivos. Não temos a menor idéia."
Assim que finalmente recebo os resultados completos dos exames toxicológicos, eu os mostro ao meu clínico particular, que reconhece estar pouco familiarizado com essas substâncias, excetuando o chumbo e o mercúrio. Mas ele reitera que, até onde consegue saber, estou bem de saúde. E diz para não me preocupar. Por isso, não pretendo deixar de viajar regularmente de avião, de fazer ovos mexidos em frigideira antiaderente ou de usar xampu perfumado. Mas tenho certeza: jamais voltarei a sentir a mesma tranqüilidade em relação a todos esses produtos químicos que facilitam de tantas formas a nossa vida.
(National Geographic, Outubro de 2006)