As Áreas de Preservação Permanente (APPs) historicamente foram e continuam sendo sacrificadas, especialmente no meio urbano, onde dão lugar a estradas, favelas, avenidas e até mesmo a cidades inteiras. Essas áreas são protegidas por lei, entretanto, na prática a realidade é muito diferente.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça Antonio Hermann Benjamin, diz que a legislação brasileira é uma das melhores do mundo, mas que o problema está na sua aplicação. Para o jurista, a sociedade está despertando para a importância das APPs recentemente. “São 500 anos de história que as APPs eram simplesmente desconhecidas, eram equiparadas ao restante da propriedade”, observa.
De acordo com Benjamim, que também foi fundador do Instituto O Direito por um Planeta Verde, o problema maior está nas cidades. “Temos de um lado, a aglomeração informal e os loteamentos clandestinos e na esteira desse problema, o setor imobiliário especulativo que pega carona na questão social para enfraquecer a legislação e lançar seus empreendimentos para as classes média e alta em áreas de preservação”, critica. Benjamin acredita que a pressão na cidade é maior porque boa parte dos proprietários rurais já têm consciência da importância ecológica e econômica dessas áreas.
Ele cita como um avanço nesse processo de conscientização o trabalho das ONGs como um indicador de “vitalidade e maturidade sociais”. Elas servem não apenas para chamar a atenção sobre o assunto, mas também para entrar com ações civis públicas no Judiciário.
Para o ministro do STJ, a sociedade deve reconhecer a importância das APPs sob três óticas. A primeira é a ecológica, que trata da necessidade de preservar os serviços ambientais, mas que em via de regra, não sensibiliza os proprietários rurais.
A segunda, seria a ótica da qualidade da água, já que as desempenham um papel fundamental para manutenção do regime hidrológico. A terceira é o da segurança pública, pois nas grandes cidades as APPs são sinônimos de várzeas que alagam e de encostas que desmoronam nos períodos de chuva.
Já Elizete Siqueira, integrante do Grupo Temático de APPs da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA), comenta que o papel do Judiciário nesse processo é fundamental porque exerce uma vigilância com relação a utilização de APPs. Ela lembra que foi a partir de 1965, com o Código Florestal, que essas áreas começaram a ser reconhecidas como são hoje e mesmo assim, muitas áreas foram destruídas.
Geralmente as prefeituras são as que mais degradam as APPs. Mas a lei determina que os municípios não podem legislar de forma a contrária ao estabelecido pela legislações estadual e federal. Elizete destaca que o papel dos governos municipais ou estaduais é o de criar ou desenvolver políticas públicas para manter e restaurar as APPs.
Outra questão é o incentivo à criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) que estimularia a preservação das APPs. “Infelizmente existem poucas iniciativas isoladas”, lamenta a ambientalista do Instituto de Pesquisas da Mata Atlântica (Ipema), do Espírito Santo.
Ricardo Ribeiro Rodrigues, Doutor em Biologia Vegetal pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), reconhece especialmente o papel do Ministério Público, mas lamenta que as ações de recuperação e restauração das APPs urbanas ainda sejam isoladas. “O MP é o principal desencadeador do processo, mas não com uma ação coletiva e sim com iniciativas individuais”, resume.
APP conta com nova Resolução
A resolução 369 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de maio deste ano trouxe alguns avanços, na avaliação da agrônoma Elizete. Ela considera a regularização fundiária de morros e mangues pode ajudar na recuperação das APPs através de assentamentos urbanos sustentáveis. “É uma possibilidade, já que essas ocupações são um problema em todas as regiões metropolitanas do país”, avalia.
Segundo o diretor do Conama Nilo Diniz, a resolução 369 estabelece regras para casos excepcionais de utilidade pública, interesse social ou com baixo impacto ambiental e é uma resposta a legislações permissivas produzidas por alguns Estados e municípios. “Não havia um instrumento adequado para a mineração, por exemplo, já que, segundo o Ministério de Minas e Energia, cerca de 80% das jazidas de minério de ferro estão em APPs”, diz.
Para o pesquisador da Esalq, a legislação sobre APPs, apesar de ser uma das melhores do mundo, apresenta uma “falha histórica”. Rodrigues acredita que a legislação não deixa clara a necessidade da proteção da fonte geradora da APP, como por exemplo, a situação dos campos úmidos, que não são consideradas APPs, mas que são responsáveis pela origem de várzeas. “Foi um erro na fase de redação”, aponta.
Eleições atrapalharam encaminhamentos de ações
O Conama promoveu no mês de julho o Seminário Nacional Restauração de Áreas de Preservação Permanente (APPs) em Brasília. O evento apresentou experiências de vários segmentos da sociedade evidenciando uma expressiva mobilização para recuperação dessas áreas.
No encontro, foi criado um Grupo de Trabalho para analisar as propostas debatidas durante o seminário que servirão de subsídio na formulação de um programa nacional de recuperação de APPs. Entretanto, pouco se avançou das deliberações do evento. Segundo o diretor do Conama, a culpada pelo atraso do processo é a lei eleitoral que impede a realização de ações, como a de campanhas de mobilização.
Mas para a efetividade de políticas é preciso ter uma diretriz de todo o governo para proteção das APPs. Para o começo do trabalho, a idéia é fazer o levantamento da situação a partir de fotos de satélites para se verificar o nível da degradação dessas áreas em todo o país. "Com esse mapeamento será possível orientar políticas públicas para preservação e restauração", informa Diniz.
Ele espera que o tema recuperação de APPs seja transformado num programa novo do Ministério do Meio Ambiente que seja incluído no Plano Plurianual. "a Secretaria de Biodiversidade e Florestas já está considerando isso como uma prioridade", adianta.
O anúncio oficial da formalização do GT deverá ocorrer até o final do ano e uma dessas ações será uma campanha de recuperação de APPs proposta pelo grupo que debateu o tema “educação ambiental, comunicação e difusão”. Entre as definições do grupo estão a divulgação de projetos de recuperação de APPs, a coleta de sugestões para a construção de uma campanha de conscientização sobre a importância dessas áreas e a formação de um banco de dados com experiências positivas e negativas no manejo e na recomposição das APPs.
Na conclusão dos trabalhos, ficou evidente a falta de consenso com relação a legislação, especialmente na definição da ocupação de APPs em áreas urbanas.
O grupo de Iniciativas Técnicas discutiu a necessidade de se estipular normas para utilização de espécies exóticas, frutíferas e medicinais e a regulamentação da coleta de sementes em APPs. A coleta de sementes está classificada como “de baixo impacto” e autorizada pela resolução 369 do Conama.
Já o grupo de incentivos financeiros e tributários recomendou a necessidade de articulação para definição do pagamento dos serviços ambientais. A legislação atual seria um problema porque não se pode pagar diretamente ao produtor rural merecedor dos benefícios. O GT ainda sugeriu adequação da legislação sempre que possível para que os custos da manutenção não obriguem o produtor a sair do campo para as cidades.
O grupo de APP e Área Urbana apresentou a proposta de integração entre as funções ambientais – respeito às dinâmicas hídricas, geológicas e biológicas – e as funções de urbanidade – qualificação espacial e promoção do convívio social das APPs. Também destacou que, em cidades dentro de APAs e Zonas de Amortecimento de Ucs, as APPs devem ter tratamento diferenciado. Outra consideração foi a necessidade de valorização cênica da paisagem urbana.
O que são apps
As Áreas de Preservação Permanentes são espaços territoriais que exercem funções essenciais à proteção de ecossistemas, especificamente da água e do solo, têm as mais rígidas normas de preservação ambiental, nos quais a intervenção humana e as atividades econômicas devem ser mínimas. Os topos de morros, entornos de nascentes, margens de rios, dunas, restingas e manguezais são exemplos de APPs.
Essas áreas prestam serviços ambientais fundamentais para todos os seres vivos e para sua qualidade de vida, como produção e qualidade da água, controle de erosão, deslizamentos e assoreamentos, proteção de vales, da diversidade biológica, dos micro-climas, das paisagens, entre outros.
(Por Carlos Matsubara, Ambiente JÁ, 3/11/2006)
Publicado originalmente na segunda edição da
Revista Rede Pela Mata, da Rede de ONGs da Mata Atlântica – RMA