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2006-11-06
A construção de acordos para deter o aquecimento global é uma delicada obra de arquitetura política, os interesses em jogo são "extremamente elevados" e é preciso que se encontre alguma forma para que países como Estados Unidos e Austrália participem. Estas são algumas das opiniões que o astrogeofísico Luiz Gylvan Meira Filho, professor do Instituto de Estudos Avançados da USP, colocou à Agencia Brasil, em entrevista sobre os desafios da segunda etapa do Tratado de Quioto. Meira Filho foi um dos participantes do Projeto Basic, que arquitetou propostas para levar à 12ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, em Nairobi, no Quênia, na próxima semana.

Agência Brasil - O que é o Projeto Basic?
Luiz Gylvan Meira Filho - É um projeto conjunto entre China, Índia, África do Sul e Brasil, de caráter acadêmico, sobre a evolução do regime internacional sobre mudança de clima. Houve quatro workshops, em cada um destes países, o último deles foi no Brasil, em agosto.
Reuniu especialistas de universidades e academias de ciências, que discutiram como deve ser a evolução, depois de 2012, do regime internacional que regulamenta o tratamento dado pelos países ao problema de mudança global de clima. É uma obra de arquitetura política, não muito simples, porque os interesses em jogo são extremamente elevados, importantes para todos os países.

ABr - Quais são os desafios que se colocam para esta segunda etapa do protocolo e as propostas?
Meira Filho - O grupo brasileiro apresentará dez sugestões na próxima reunião dos membros de Quioto, a chamada de Proposta de São Paulo. São vários elementos e se espera que algumas delas sejam de interesse dos países para a evolução do regime. Uma conclusão importante, que parece um pouco óbvia, mas que deve ser ratificada, é que haja um segundo período, a partir de 2013, em que continue valendo o Protocolo [já que o prazo para o final da primeira etapa expira em dezembro de 2012].
Parece simples, mas não é. É preciso que os países industrializados, membros do Protocolo, concordem em estabelecer para eles próprios novos limites, novas metas de redução de emissões. Além disso, é importante que haja uma evolução, de alguma forma, para envolver países que não aderiram ao Protocolo de Kyoto, os mais famosos são Estados Unidos e Austrália.
Ninguém pode forçar nenhum país a aderir a um acordo internacional, isso é sempre um ato soberano dos países. Mas há uma obrigação de todos os países de encontrar alguma forma de evitar o que se chama de “mudança perigosa do clima”.
Porque todos os países são parte da convenção das Nações Unidas sobre mudança global do clima. Se estes dois países, que são importantes, resolveram não fazer parte do Protocolo de Quioto, é importante que se encontre alguma outra forma, para que eles participem do esforço global para evitar a mudança no clima.

ABr - Haverá uma segunda etapa do Projeto Basic?
Meira Filho - Alguns de nós achamos que seria interessante se nós propuséssemos uma segunda etapa do Projeto Basic, para continuar este tipo de debate. Isso ainda não está decidido, mas muitos de nós gostaríamos que isso fosse feito. A comissão européia apóia iniciativas do tipo, em todo mundo, que são de interesse da Europa. A Europa há muitos anos se preocupa com a questão do clima, por isso era ofereceu financiamento. Foi formado um consórcio em cada um dos quatro países, e nós, do IEA, vencemos o concurso para receber estes recursos e executar o Projeto Basic. O relatório final será apresentado em novembro à Comissão Européia, e será perguntado se eles se interessariam em financiar uma segunda etapa do projeto.

ABr - Quais são as principais dificuldades para se chegar a um consenso em um tratado internacional. E as críticas de Estados Unidos e Austrália aos países em desenvolvimento como o Brasil?
Meira Filho - Eu não vejo críticas ao Brasil, Índia, China e África do Sul. O que ocorre é que em muitos países, inclusive no Brasil, se fala que “nós somos a favor da convenção e etc”, mas na realidade, na hora de você incorporar as políticas públicas, um programa para combater a mudança de clima, na prática, os países não estão conseguindo fazer isso.
Veja aqui no Brasil.
O Brasil sempre foi um defensor da Convenção [Quadro] e do Protocolo de Quioto. Se você olhar as políticas que vêm sendo implementadas na área de energia, verá que no último leilão de energia foram aprovadas usinas térmicas a carvão - e importado, porque o Brasil tem pouco carvão - enquanto que sob o ponto de vista de mudança do clima, é mais interessante construir usina hidrelétrica, não usina térmica, muito menos a carvão.
Daí, você tem uma diferença entre o discurso e a ação. A maior causa da emissão de gases de efeito estufa no Brasil é o desflorestamento da Amazônia. Fala-se muito sobre ações na Amazônia, do combate ilegal da extração ilegal de madeira, mas efetivamente não há um programa de governo que inclua, por exemplo, uma meta para limitar da taxa de desflorestamento da Amazônia.
E a mesma coisa acontece dentro dos Estados Unidos, que dizem serem favoráveis a evitar as mudanças no clima, que farão várias coisas, como desenvolver tecnologias etc, mas encontram dificuldades em estabelecer programas que efetivamente tenham por objetivo limitar as emissões. Então o problema é político e econômico, é um problema difícil.
(Por Renato Brandão, Agência Brasil, 05/11/2006)
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2006/11/05/materia.2006-11-05.5760904867/view

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