Uma área de 20 milhões de hectares conhecida como Centro de Endemismo Belém,
localizada entre Pará, Maranhão e Tocantins, é a mais desmatada de toda a
Amazônia. Tem apenas 23% de sua cobertura florestal intacta, revela
relatório inédito do Projeto Biota Pará, uma parceria entre a Conservação
Internacional do Brasil e o Museu Emílio Goeldi, lançado na manhã de
sexta-feira (3/10) em Belém (PA). A pesquisa é a primeira radiografia detalhada
da situação da floresta em um trecho de 243 mil km² - tamanho equivalente ao
Reino Unido. E alerta: espécies endêmicas da flora e fauna da região podem
sumir do mapa dentro de 30 anos, caso a degradação continue em ritmo
acelerado.
A pesquisa mostra que dos 33% dos remanescentes florestais encontrados, 23%
correspondem à floresta intacta e 10% são florestas exploradas com corte
seletivo. “Sobraram dois blocos importantes. Um compreende trechos de mata
privada, pertencentes a empresas que atuam na região. O outro está ao longo
do vale do Gurupi e abrange uma reserva biológica e quatro terras indígenas.
O caminho para a preservação é tentar reconstruir e proteger o que restou”,
diz José Maria Cardoso da Silva, vice-presidente de Ciência da Conservação
Internacional do Brasil.
O Centro de Endemismo Belém é a área mais antiga de ocupação humana na
Amazônia - em 2002, tinha população estimada em 5.850.000 habitantes. A
região abrange 147 municípios (62 no Pará e 85 no Maranhão) e inclui 41
áreas protegidas, sendo 27 Unidades de Conservação (UCs) e 14 Terras
Indígenas (TIs). Essas reservas verdes destinadas à preservação não foram
suficientes para conter as ações do homem e evitar que 67% do centro, diz o
relatório, fossem desmatados.
Segundo o estudo, 24% das áreas desmatadas são utilizadas para pecuária e
apenas 1,4% apresentam iniciativas de reflorestamento. “A região já está
sendo considerada a Mata Atlântica da Amazônia, porque vem sofrendo a mesma
pressão que este bioma. É uma área fragmentada, com a ocorrência de muitas
espécies ameaçadas de extinção”, destaca Arlete Almeida, coordenadora
técnica do projeto. A construção de rodovias como a BR 010 (Belém-Brasília),
BR 316 (São Luis–Belém) e PA 150 (Belém-Marabá), somada à conseqüente
ocupação desordenada do entorno, contribuíram para o desflorestamento
desenfreado. “O número reduzido de unidades de conservação e as novas
frentes de expansão econômica, como exploração madeireira e agropecuária,
também ocasionaram a perda das matas.”
A pesquisa mostra ainda que os fragmentos florestais restantes são mais
suscetíveis à invasão de espécies exóticas, à incidência de fogo e ao
colapso de serviços ambientais. As poucas áreas protegidas sofrem fortes
pressões, algumas em situações críticas, como a Reserva Biológica Gurupi
(MA) - último remanescente de Mata Amazônica do estado, com ocorrência de
espécies raras e ameaçadas -, completamente tomada por posseiros,
madeireiros e carvoeiros em plena atividade.
Em sua segunda fase (a primeira foi um mapeamento de toda a Amazônia para
identificar o centro mais degradado), o Projeto Biota Pará envolveu em torno
de 60 pessoas, entre pesquisadores da fauna, flora e equipe de apoio. Para
obter os dados, os especialistas utilizaram imagens de satélites e
realizaram diversas pesquisas in loco. A equipe analisou um mosaico composto
por 16 imagens de satélite Landsat e TM5, processados nos anos 2003 e 2004.
Em campo, os pesquisadores fizeram um levantamento florístico e estrutural
em 36 sítios localizados em florestas remanescentes e secundárias. Os
resultados serão apresentados na próxima semana para o Programa Áreas
Protegidas da Amazônia (Arpa), do Ministério do Meio Ambiente.
Extinção iminente
Sinônimo de perda da biodiversidade, a escassez de matas em bom estado de
conservação preocupa os pesquisadores. Das 176 espécies da fauna e flora que
constam da lista de ameaçadas de extinção do estado do Pará, 30 são
endêmicas do centro – o que quer dizer que ocorrem somente naquela região.
“Se continuar a degradação, em 30 anos essas espécies estarão extintas,
porque não ocorrem em outros locais. Alguma coisa tem de ser feita, porque
hoje não existe governança, ações de fiscalização e conscientização da
importância da floresta”, ressalta Alexandre Aleixo, curador da Coleção de
Aves do Museu Emílio Goeldi e responsável pelo levantamento de fauna e flora
do projeto.
O número de espécies do Centro de Endemismo Belém ameaçadas de extinção,
explica Aleixo, é muito maior do que 30. Isso porque esse número refere-se
somente às endêmicas, mas não inclui espécies que também ocorrem em outros
locais. “Ainda não dá para dizer quantas são ao todo, porque não terminamos
de cruzar os dados que temos sobre a região.” Entre os animais que correm
riscos de extinção estão o Macaco-caiarara (Cebus kaapori) e Cuxiú-preto
(Chiropotes satanas); e as aves Mutum-de-penacho (Crax fasciolata) e
Jacamim-de-costas-verdes (Psophia viridis obscura).
Plano de ataque
Além de apontar a situação atual da floresta no centro, o relatório traz
recomendações que podem ajudar a reverter o quadro da região no futuro. A
criação de novas unidades de conservação, principalmente de proteção
integral, é uma das maneiras de impedir que o desmatamento continue. Os
pesquisadores acreditam que garantir a participação das comunidades
indígenas na proteção das áreas é outro caminho para evitar mais desmando.
“Os índios são imprescindíveis para frear a retirada de floresta. Dos blocos
de mata que restaram no centro, 90% estão concentrados em terras indígenas”,
lembra Arlete Almeida, coordenadora técnica do projeto.
O relatório também sugere a expansão das áreas submetidas ao manejo
florestal sustentável; o envolvimento do setor privado, principalmente por
meio da criação de Reserva Particulares de Patrimônio Natural (RPPNs); o
incentivo e a recuperação de áreas degradadas; a implantação de corredores
ecológicos dos fragmentos existentes; e o monitoramento das áreas em
regeneração. “Ainda estamos estruturando a próxima fase do projeto. Mas,
possivelmente, vamos estudar a biologia das espécies endêmicas, para
elaborar um plano de conservação que leve em conta as necessidades de cada
uma”, adianta José Maria Cardoso da Silva, da Conservação Internacional.
(Por Aline Ribeiro,
OEco, 03/11/2006)