As últimas estatísticas publicadas pelo Instituto Oswaldo Cruz, responsável pela medição dos acidentes causados por agentes químicos no Brasil, apontam que o número de intoxicações por agrotóxicos cresceu 27% em cinco anos, passando de 4674, em 1999, para 5945 em 2003 - sendo que, desses últimos, 164 foram fatais. Em entrevista à Repórter Brasil, a estatística e coordenadora do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) do instituto, Rosany Bochner, informa que o número pode ser apenas a ponta do iceberg.
Segundo ela, ainda é muito difícil medir todas as intoxicações que ocorrem no Brasil, pois a maior parte dos casos ainda não é notificada. A captação de dados coordenada por ela contempla os acidentes relatados a 33 centros de toxicologia espalhados pelo país, que orientam a população e profissionais da saúde a como proceder em casos de intoxicação.
As estatísticas do Sinitox indicam que 34% dos acidentes com agrotóxicos aconteceram durante o trabalho no campo, sendo que a faixa etária mais sujeita ao problema é a das pessoas entre 20 e 29 anos. A região Sudeste é a que apresenta o maior número de intoxicações, com 2978 acidentes, seguda pelo Sul, com 1657, Nordeste, com 920, Centro-Oeste, com 355 e Norte, com 35 casos.
Repórter Brasil - Ao longo dos últimos cinco anos, houve um crescimento do número de acidentes causados por agrotóxicos. Em 1999, foram 4674 casos, enquanto em 2003 o número saltou para 5945. A que se deve esse aumento?
Rosany Bochner - Há vários fatores. Um deles é a melhoria de informação. Com o tempo, os centros que passam as informações para a gente melhoram a sua captação de dados. Mas acreditamos que esse aumento também se dá pelo maior consumo e produção. A questão da soja, por exemplo: acabei de ler uma notícia de que a Petrobrás vai usar a soja como combustível. Em paralelo, a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] diz que a soja é uma das culturas que mais usa agrotóxicos. Você começa a cruzar essas coisas e tudo leva a crer que estão aumentando mesmo as intoxicações. Mas essa é só uma pontinha do problema, pois não consigo tudo o que acontece no país em termo de intoxicação. Tenho só o que é notificado por esses centros, quando as pessoas ligam para saber o que fazer, como tratar... Esses casos são só uma amostra do que está acontecendo no país. Há casos em que a pessoa trata sem passar por esses centros e não vem para o meu sistema.
E os efeitos maléficos a longo prazo no uso de agrotóxicos? É possível medi-los?
Se uma pessoa usou um produto e logo se sentiu mal, ela sabe que aquele sintoma que ela tem veio dali. Aí ela vai ao hospital, conta qual foi o o produto que usou, o médico já faz uma relação e percebe que foi uma intoxicação, e o diagnóstico fica amarrado ao agrotóxico. Quando é um caso crônico, em que a pessoa faz uso do produto há muito tempo, ela não se dá conta que o mal-estar que tem é devido ao uso daquilo. Às vezes vai ao médico, e ele não pergunta no que ela trabalha, se ela se expõe a algum produto químico. Aí só é tratada a conseqüência, sem saber o que está causando aquilo. Para captarmos casos crônicos, o ideal seria fazermos uma busca ativa: a partir de um caso identificado, você iria onde essa pessoa trabalha, faria exames com outras pessoas, buscando outros casos. Mas isso é uma coisa mais cara, por isso o sistema de saúde não busca isso rotineiramente.
Os números apontam que a região Sudeste é a que concentra o maior número de casos de intoxicação por agrotóxicos. Por que isso acontece?
A região Sudeste é a que tem a população maior, o que faz com que ela tenha uma probabilidade maior de ter casos. Por isso, é necessário dividir os casos dessas regiões pela população delas. Quando se leva isso em consideração, o Sudeste não é a região que apresenta o maior coeficiente de incidência, mas a região Sul. Lá, temos muita cultura de fumo, e mesmo a soja. E região que planta muita soja apresenta um risco maior de intoxicação do que outra região.
As estatísticas também mostram que acontecem mais problemas na zona urbana do que na zona rural. É a mesma distorção que acontece em relação ao Sudeste?
Nós registramos muitos casos na área urbana, mas o risco de acidentes com agrotóxicos na zona rural é muito maior do que na zona urbana, se considerarmos a população. Me perguntam: como é que uma pessoa da zona urbana se intoxica com agrotóxicos? Se ela tem uma planta em casa e essa planta tem alguma doença, vai usar um produto nela, e esse produto é um agrotóxico. Já os agrotóxicos de uso doméstico e os raticidas registram um risco maior de acidentes na área urbana.
O que poderia ser feito para dimiuir os riscos de intoxicação por agrotóxicos?
Não é uma questão fácil. A pessoa que usa o agrotóxico não tem muita consciência da toxicidade do produto. Muitas não têm instrução, não têm informação. E não se gasta tempo em produzir material educativo para explicar essas coisas para as pessoas mais simples. As pessoas comem onde estão pulverizando, fumam, vão ao banheiro. A roupa que se usou para pulverizar, por exemplo, não pode ser lavada junto com a roupa da família. Eu já ouvi relatos de pessoas que preparavam a calda [mistura de agrotóxico com água] e misturavam com o braço.
Em contrapartida, há pouco tempo fizeram aquele tratoraço lá em Brasília, e pediram para que a Anvisa liberasse a importação de alguns agrotóxicos. Há muitos produtos utlizados pelos nossos vizinhos da América do Sul que são proibidos aqui no Brasil. Se a gente abrir as fronteiras para isso, imagina o que vai acontecer aqui dentro. Existem aqui casos de intoxicação com produtos que estão banidos no Brasil há muito tempo. Como é que tem gente se intoxicando com produto proibido no Brasil?
E esse risco de intoxicação acaba passando para quem se alimenta do que é produzido com esses químicos?
Há agrotóxicos específicos para cada tipo de cultura. Se um agrotóxico é para o café, não se pode usá-lo em uma outra coisa que não tem nada a ver. O agrotóxico tem um tempo de carência, ou seja, um tempo que ele fica na planta até perder a toxicidade. Assim, quando se colhe o produto, podemos ter certeza de que ele não está contaminado. Mas como há pessoas que usam os agrotóxicos em outras culturas, e o tempo de carência fica todo trocado, o vegetal colhido ainda está com o agrotóxico, que ainda não teve seu tempo de meia-vida.
Mas não é fácil ter uma solução para isso. Quem usa o agrotóxico não está interessado em preservar. Ele quer o produto mais barato. E o produto que não usa agrotóxico, infelizmente, não consegue ter a beleza do que usa, além da produção dele ser mais cara, e assim não consegue competir. As pessoas olham a beleza do produto. Se você vai comprar uma fruta, e tem uma toda bonita, grande, e a outra feia, pequena e mais cara, você leva a mais bonita e mais barata.
(Por Iberê Thenório, Agência de Notícias Repórter Brasil, disponível em
Ecoagência, 04/11/2006)