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2006-11-06
A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) decidiu suspender o pagamento anual de R$ 9 milhões aos índios Xicrin, no Pará, após 200 indígenas das aldeias Cateté e Djudjêkô ocuparem, em 17 e 18 de outubro, as instalações da mina de ferro da Província Mineral de Carajás, localizada no município de Marabá. Os Xicrin paralisaram as atividades da empresa e reivindicaram o diálogo com a empresa para o aumento do repasse financeiro recebido pelas comunidades indígenas. A decisão da Vale desafia e desrespeita decreto presidencial e leis ambientais e traz à tona as disputas pelas terras indígenas ainda sem demarcação.

A concessão da Província Mineral de Carajás à CVRD para a exploração mineral foi determinada pelo Senado em 1986. Em março de 1997, a decisão foi reconhecida por um decreto presidencial, assinada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. A área em questão tem quase 412 mil hectares. De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), trata-se da maior mina a céu aberto do mundo, com uma reserva de ferro que permitiria a empresa retirar 250 mil toneladas do minério por um período de 470 anos.

A Funai entende que a decisão da Vale em suspender o pagamento descumpre uma condição determinante para que a empresa recebesse a concessão da área para a lavra. Entre outras resoluções, como a proteção e a conservação de recursos naturais, o decreto de FHC estabelece que a CVRD assuma “o amparo das populações indígenas existentes nas proximidades da área concedida, na forma do convênio formalizado com a Fundação Nacional do Índio - Funai, ou quem suas vezes fizer”.

Desde então, Termos de Compromisso foram estabelecidos entre a mineradora, Funai e comunidades para que houvesse o repasse financeiro, reconhecido no decreto presidencial como a forma de amparo dessas populações. O repasse é, na verdade, uma compensação aos indígenas pela utilização dos recursos naturais dessas terras.

Em nota, a mineradora alega que “esse apoio vem sendo realizado de modo voluntário – não sendo, portanto, uma obrigação legal”. Segundo a Vale, a responsabilidade de garantir recursos financeiros para atender às necessidades das comunidades é do Estado. Mas com o processo de privatização da companhia, o “amparo” previsto no decreto de 1997 passa a ser responsabilidade da CVDR.

De acordo com o procurador-geral do Ministério Público Federal no Paraná, Felício Pontes, apesar de a política ambiental brasileira não determinar o que ou quanto seria a compensação ambiental a ser paga por uma empresa que explora recursos naturais em terras indígenas, é necessário que haja um retorno para as comunidades impactadas: “A Vale está usando recursos das terras indígenas. Ela não pode explorar tudo e deixar de pagar uma compensação aos índios”, afirma.

Segundo o procurador, o Termo de Compromisso estabelecido entre a Vale, Funai e comunidades indígenas é vago, pois não determina o valor exato que deve ser repassado aos índios pelo uso de suas terras.

Já para Saulo Feitosa, o vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), não se trata de contribuição voluntária, como alega a empresa. “Ao pagar esse valor aos índios, a Vale não está sendo generosa e também não é uma ação voluntária. Ela não tem como negar o impacto que provoca na terra e na cultura indígena”, afirma.

Segundo o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, a instituição pretende fazer valer os direitos dos indígenas por meio de uma ação civil pública, na qual será enfatizada a validade do decreto assinado por FHC. “A determinação tem que ser cumprida como obrigação por ter tido a terra e não por benevolência, amparo, esmola ou apoio”, afirma.

O Cimi, no entanto, afirma ser crítico em relação a esses tipos de convênios. “Se hoje não há legislação que estipulam as bases da mineração em terras indígenas, qualquer convênio é questionável e pode ser anulado, porque não há base jurídica”, afirma Feitosa.

Para Gomes, a lei de Política Nacional do Meio Ambiente de 1981, n.º 6938, valeria nesse caso. A lei impõe ao poluidor ou predador a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados. Ao usuário cabe a contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

Ao mesmo tempo em que a Vale se nega a pagar a quantia de R$ 9 milhões, ela alega que, em apenas dois dias, a paralisação de sua produção provocada pelos Xikrin rendeu um prejuízo de US$ 10 milhões. Na semana passada, a companhia se tornou a segunda maior empresa do setor minerador após a aquisição da empresa canadense, Inco, uma das maiores produtoras de níquel do mundo. Até o fechamento da matéria, a mineradora não se atendeu ao pedido de entrevista da reportagem.

Direito à mobilização
Para o dia 11 de setembro, estava prevista uma reunião entre a CVRD, a Funai e os indígenas para que houvesse reajuste no repasse financeiro às comunidades, mas o evento não aconteceu. “Os índios pediram formalmente, por escrito, a reunião, mas a empresa nunca atendeu”, afirma Mércio Gomes, presidente da Funai.

Para suspender o pagamento aos indígenas, a Vale justifica que o Termo de Compromisso proposto em junho deste ano contém cláusulas de cancelamento imediato, caso haja ações dos índios que paralisem as atividades da companhia. Segundo o presidente da Funai, esse acordo não chegou a ser assinado pelas comunidades e, portanto, os índios não têm compromisso com esse convênio.

A CVRD anunciou que denunciaria a mobilização dos Xikrin à Organização dos Estados Americanos. “É um absurdo essa iniciativa. É uma inversão total da realidade e uma tentativa de confundir a opinião pública”, opina o vice-presidente do Cimi. Para Feitosa, os direitos humanos dos indígenas estão sendo violados, bem como o seu território e a sua cultura. “A Vale rompeu unilateralmente o acordo e está impedindo o direito de mobilização dos indígenas”.

Princípios constitucionais
A Vale afirma que não possui nenhuma mina em terras indígenas. No entanto, levantamentos antropológicos feitos por especialistas e organizações socioambientais apontam a região de atuação dos Xikrins como sendo das comunidades. Hoje, as próprias tribos reconhecem parte da área explorada pela CVRD como sendo delas e por isso reivindicam a compensação financeira como direito pela exploração.

Atualmente, a Constituição brasileira determina que a exploração de recursos mineral só pode ser feita por uma empresa com a autorização prévia do Congresso Nacional e após um parecer das comunidades indígenas impactadas, mas que terão participação nos resultados da lavra.

O presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, diz que, de fato, essa área não foi considerada terra indígena e por isso não houve demarcação. Com a crise, ele lembra que a reivindicação dos índios de que a área é, sim, terra indígena, retorna à discussão. De acordo com ele, se houver mesmo a comprovação de que essas terras sob exploração da CVRD forem dos índios, a exploração mineral na região se torna ilegal e inviabilizaria as atividades da empresa de mineração.

No final dos anos 60, quando houve concessões de lavra para a CVRD, grande parte da terra indígena dos Xikrin acabou não sendo demarcada, por meio de um acordo político, para que não as atividades da mineradora não fossem, prejudicadas.
(Por Natália Suzuki, Agência Carta Maior, 03/11/2006)

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