Bolívia e Venezuela querem mudar geopolítica do gás
2006-11-03
A construção de postos de vigilância na fronteira da Bolívia e uma hipotética defesa mútua com a Venezuela brilha na superfície da aliança entre estes dois países, mas, no fundo vibra uma estratégia para controlar e usar politicamente as formidáveis alavancas energéticas da América do Sul. O anúncio de que a Bolívia construirá, com ajuda da Venezuela, dois postos para controlar e melhorar o fluxo de transporte em sua fronteira, um em Riberalta, departamento de Beni, a nordeste de La Paz e de frente para o Peru, e outro em Puerto Quijarro, no sudeste próximo ao Paraguai, incentivou especulações divulgadas pela imprensa regional nas últimas semanas.
“Mas a questão de fundo não é esse modesto pacto militar, mas a aliança energética que parece se traduzir no afastamento da Petrobras em favor das companhias de petróleo estatais da Venezuela e Argentina, isto é, do eixo Caracas-Buenos Aires que coloca sua mão no gás boliviano”, disse à IPS o analista venezuelano de assuntos internacionais Alberto Garrido. Petróleos da Venezuela AS (Pdvsa) já tem pronto para investir US$ 1,5 bilhão em negócios de hidrocarbonetos na Bolívia, e a Energia Argentina AS (Enarsa) acaba de assinar um convênio por 20 anos para se abastecer com até 27,7 milhões de metros cúbicos diários de gás boliviano, e para isso serão mobilizados nessas duas décadas para La Paz quase US$ 50 bilhões entre investimentos e compras.
Por seu lado, a Petrobras parece pressionada diante da negociação de um novo acordo com a Bolívia para compra de seu gás natural a preços superiores aos de 1º de maio, quando o governo esquerdista de Evo Morales anunciou a nacionalização de suas reservas de hidrocarbonetos, a par de tratar de defender seus investimentos nesse país de US$ 1,5 bilhão. Segundo Garrido, La Paz e Caracas apostam forte com estas jogadas a favor de suas estratégias de poder. No caso da Bolívia, “o convênio com a Argentina estabelece que esse gás não deve ir para o Chile, porque o acesso a essa energia é a única pressão que Santiago tem para negociar a questão da saída para o mar” perdida desde o final do século XIÇX com a chamada guerra do Pacífico.
Em Caracas, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, “falou em consolidar uma potência energética na região, como base para enfrentar o império norte-americano”, disse o analista. “Venezuela e Bolívia coligadas têm a reserva de petróleo número um e a segunda e terceira de gás, em todo o hemisfério”, acrescentou. Dessa forma, o general Alberto Muller, chefe do Estado Maior presidencial da Venezuela, disse em uma conferência na Escola Superior de Guerra Aérea de seu país que “o petróleo é uma arma e deve ser usada, tanto para cooperação quanto para resistência. Trata-se de chantagear com o petróleo para conseguir os objetivos deste processo”, afirmou. Também Chávez disse que se alguma força interna ou externa atacar o governo da Bolívia “nosso país não ficará de braços cruzados, porque dali depende o destino da integração do continente”.
Entretanto, quando meios de comunicação reproduziram inquietações ventiladas no Chile, Paraguai e Peru sobre um acordo, o ministro venezuelano da Defesa, general Raúl Baduel, explicou que esse convênio se baseia em um contexto de “cooperação técnica para melhorar as capacidades de cada país” e contribuir para o desenvolvimento de zonas deprimidas. De concreto, disse Baduel, engenheiros militares venezuelanos ajudarão a melhorar a infra-estrutura de Puerto Guijarro e a construir um forte em Riberalta “para assentar exclusivamente tropas bolivianas”, ressaltou, rechaçando a hipótese de unidades ou bases das forças armadas venezuelanas se estabelecerem no país do altiplano da cordilheira dos Andes.
Em La Paz, o ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana, disse à IPS que somente esses dois pontos receberão ajuda técnica venezuelana, por isso “é uma idéia absurda, ilógica e que beira o ridículo afirmar que a Bolívia esta em uma corrida armamentista”. Quintana recordou que a Bolívia gasta apenas US$ 14 por pessoa na área da defesa e seu orçamento para o setor, de US$ 114 milhões anuais, não se compara nem de longe com os dos vizinhos Chile, que gasta US$ 2,2 bilhões ao ano, ou o Peru, com US$ 1 bilhão, e menos ainda do que o Brasil, que destina à segurança entre US$ 7 bilhões e US$ 8 bilhões.
A Bolívia vai destinar em cinco anos US$ 12,5 milhões para a construção de fortes em regiões de fronteira, incluindo um na região de Silala, na fronteira com o Chile. Santiago subestimou a importância do acordo Caracas-La Paz, pois “esse apoio é dirigido à proteção do território muito difícil que tem a Bolívia, com problemas de contrabando e migração em sua fronteira”, admitiu a ministra da Defesa do Chile, Vivianne Blanlot. O chefe do exército chileno, general Oscar Izurieta também concordou que o convênio “não é uma preocupação importante para seu país. Temos todos os antecedentes, estamos informados e mantemos um relacionamento permanente com o exercito boliviano”, afirmou o militar.
Por sua vez, o Peru, cujo presidente, Alan García, manteve embates retóricos com Chávez, expressou preocupações pela construção de uma nova base diante de sua fronteira. “Se for mudado o status quo será um gesto de desconfiança, para chamá-lo de alguma maneira”, disse à IPS o chanceler peruano, José Antonio García Belaúnde. Entretanto, como o acordo entre Caracas e La Paz está parado no Senado após ter sido aprovado na Câmara de Deputados, “ainda é uma possibilidade, não uma decisão tomada”, acrescentou. Belaúnde e seu companheiro de gabinete, o ministro da Defesa, Allan Wagner, esperam pela visita a Lima, este mês, o ministro da Defesa da Bolívia, Walter Santa Cruz, para tratar extensamente da questão.
Na oposição peruana, Juan Mariátegui, membro do Parlamento Andino, acusou o governo de Alan García de exagerar, pois a Bolívia “não vai construir bases, mas módulos com não mais do que 15 efetivos para vigiar a linha de fronteira. Que invasão farão com 15 soldados”, perguntou. “Quando se produz uma intervenção norte-americana na região a chancelaria peruana fica muda, mas, quando se informa sobre a colaboração da Venezuela com o país-irmão Bolívia se fala exageradamente de intervencionismo”, disse Mariátegui. José Robles, da área da defesa no Instituto de Defesa Legal em Lima, disse á IPS que, “de todo modo, preocupa e he lógico que o Peru pergunte por que da noite para o dia a Bolívia decidiu instalar uma de suas bases militares na fronteira”.
No Paraguai (que travou uma guerra com a Bolívia em 1932-1935), o senador Eusebio Ramón Ayala, do opositor Partido Radical Autêntico, disse ter “especial sensibilidade para este assunto, embora, segundo Morales, a substituição não de grande porte. “Mesmo procedendo (o acordo) de Chávez, que está em um afã armamentista que pode romper o equilíbrio de força na região”, alertou.
A Venezuela vai comprar da Rússia 53 helicópteros MI-25, 26 caça-bombardeios Sukhoi 30 e cem mil fuzis de assalto Kalashnikov AK-30 com uma fábrica de munições para eles, a fim de renovar seus equipamentos bélicos muito velhos. Entretanto, Garrido advertiu que também Brasil e México estão comprando Sukhoi russos e a Argentina adquire novas baterias de mísseis.
(Por Humberto Márquez, IPS, 01/11/2006)
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