Japão tenta superar a síndrome de Hiroshima e Nagasaki
2006-11-03
A possibilidade de o Japão, único país do mundo que sofreu bombardeios com armas nucleares, possuir tais armas de destruição em massa desperta amargas recordações a Shoji Kihara, um ativista pela paz de 57 anos que vive na cidade de Hiroshima. “Considero terrível para os pacifistas só o fato de o Japão pensar nisso, depois de todas as dificuldades pelas quais passamos e as quais ainda enfrentamos depois que a bomba atômica foi jogada sobre Hiroshiima”, disse Kihara em entrevista à IPS. Kihara nasceu depois da derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, em 1945. No dia 6 de agosto, antes da rendição, os Estados Unidos jogaram uma bomba atômica sobre a cidade.
Mais de 140 mil pessoas morreram nesse ataque, o primeiro com armas nucleares contra um objetivo civil na história. Dois dias mais tarde, a aviação norte-americana lançou outra, contra Nagasaki. Entre os que morreram na primeira estavam duas irmãs de Kihara. Seu pai morreu quando ele tinha 4 anos, por causa de uma doença ocasionada pela radiação que continuou afetando a cidade e que inclusive hoje faz vítimas. “Depois de experiências tão horríveis, trememos de medo e indignação quando os políticos japoneses lidam com a perspectiva de que nosso país tenha armas nucleares”, disse o ativista, representante do não-governamental Group for No-Nukes (Grupo contra as armas nucleares). “Lutarei até a morte para deter uma corrida armamentista nuclear nesta região”, acrescentou.
No pós-guerra, o Japão abandonou sua tradicional beligerância e suas atitudes imperialistas e se converteu em um dos principais defensores do pacifismo e do desarmamento nuclear. Mas, essa posição, apoiada pelo publico, parece estar em baixa nestes dias entre políticos e especialistas. Os últimos sinais nesse sentido foram emitidos pelo ministro das Relações Exteriores, Taro Aso, que sugeriu que o Japão deveria debater abertamente a compra de armas nucleares depois do teste atômico feito no mês passado pela Coréia do Norte. “No momento em que o país vizinho consegue obter armas nucleares, é hora de discutir o assunto”, disse o conservador chanceler.
Esses comentários ocorreram depois dos que foram feitos por outro ministro, Shoichi Nakagawa, para quem “os países com armas nucleares não são atacados’. Esses comentários causaram comoção no Japão. O jornal conservador Yomiuri – de maior venda no país – chamou por um debate público promovido por Aso, mas o jornal liberal Asahi advertiu, em editorial do dia 22 passado, que o chanceler enviou “uma mensagem errônea ao mundo”. Para distender o clima, o primeiro-ministro, Shinzo Abe, se apressou em declarar que o Japão nunca se afastará de sua política contrária às armas nucleares, embora a Coréia do Norte as possua.
Shunji Taoka, especialista em questões de defesa e segurança da Ásia oriental, concorda com Abe, embora não pro professar o pacifismo. “O crescente pesadelo nuclear na Ásia oriental colocou o foco sobre a vulnerabilidade militar do Japão, que está rodeado por países com armas nucleares (China e Rússia) e não pode se proteger de um ataque nuclear”, explicou. Porém, segundo Taoka, a maior dissuasão de um Japão nuclear é a oposição dos Estados Unidos. “Uma revisão por parte de Tóquio de sua posição antinuclear, inclusive com fins de autoproteçao, é algo altamente perigoso. Tóquio sofrerá um colapso econômico devido à indignação dos Estados Unidos, o que também poderá disparar uma crise global”, afirmou.
A vulnerabilidade japonesa em caso de um ataque nuclear da Coréia do Norte se converte em uma oportunidade para dar uma segunda olhada no que até há pouco era um tema tabu. O conhecido ativista Hideaki Ban disse que agora há menos oposição à perspectiva de desenvolver armas nucleares do que há poucas décadas, uma mudança da opinião publica que ganha força na medida em que a imprensa se concentra nas débeis capacidades de defesa do país. “Enquanto o governo está plenamente consciente de não querer ter armas nucleares, os comentários de Aso e outros políticos estão voltados a por a perspectiva sobre a mesa, o que pode influir no público enquanto a ameaça norte-coreana começa a crescer”, explicou á IPS.
Ban também responsabiliza a educação japonesa de pós-guerra, centrada mais no crescimento econômico do que na defesa, de abrandar a oposição publica às armas nucleares. “A geração jovem não foi educada sobre os horrores das armas nucleares e, portanto, não tem fortes sentimentos, com as pessoas mais velhas, contra a guerra’, disse Ban. Por seu lado, Taoka afirmou que o Japão terá de se conformar, no momento, em estimular sua capacidade de defesa junto com os Estados Unidos para enfrentar a ameaça norte-coreana.
(Por Suvendrini Kakuchi, IPS, 01/11/2006)
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