No ano de 2006, declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação (IYDD), como está a situação brasileira? A questão vem sendo debatida e monitorada no Brasil de diversas formas. A partir da definição da Convenção das Nações Unidas de Combate a Desertificação (UNCCD), uma área cerca de 13% do território nacional - localizada no chamado “Polígono das Secas” (Região Nordeste e norte de Minas Gerais) - é suscetível aos processos de desertificação. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, nessa área vivem 17% da população do país.
A desertificação brasileira atinge, portanto, mais de 20 milhões de pessoas, em uma área de 18 mil quilômetros quadrados localizada nas regiões de Gilbués, no Piauí; do Seridó, entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba; de Irauçuba, no Ceará; e de Cabrobó, em Pernambuco. Enquanto o Rio Grande do Norte é um dos estados brasileiros mais afetados com o problema: 40% do seu território é desertificado (158 dos 167 dos municípios potiguares são atingidos), Gilbués é o maior núcleo de desertificação da América Latina.
Em 2004, o governo federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente (MMA), lançou o Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil). O projeto reúne propostas para o desenvolvimento sustentável das regiões atingidas de forma socialmente justa e ecologicamente adaptada, por meio do aumento da produtividade da terra e da reabilitação, conservação e gestão sustentada dos recursos naturais. Contudo, entidades da sociedade civil e organizações não-governamentais, como a Associação Pernambucana de Defesa da Natureza (Aspan) e a Associação Maranhense para a Conservação da Natureza (Amavida), que se articularam com o governo para a elaboração do PAN-Brasil, afirmam que o governo não cumpriu os compromissos e acordos firmados há dois anos. Por outro lado, segundo informações da Secretaria de Recursos Hídricos do MMA, os acordos estão em andamento em todos os estados e a expectativa da instituição é que até 2009 a questão da desertificação tenha sido freada.
Desertificação e arenização
A desertificação afeta, hoje, um bilhão de pessoas em mais de 100 países, transformando uma quarta parte dos solos produtivos do planeta em terras estéreis. Segundo pesquisas do Centro Hadley para Previsão e Pesquisa Climática, vinculado ao Escritório Metereológico do Reino Unido, esse quadro será mais crítico. O trabalho publicado na edição de outubro do The Journal of Hydrometerology prevê que cerca de um terço do globo será deserto em 2100 e que metade da superfície da Terra enfrentará secas severas. A mudança climática é o principal agente do fenômeno, de acordo com o estudo. Um relatório britânico publicado ontem (31/10), assinado pelo ex-economista chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern, mostra que as mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global podem levar o mundo à recessão até 2050.
Para o geógrafo Archimedes Perez Filho do Instituto de Geociências da Unicamp, o conceito desertificação deve ser usado com cuidado. “Desertos como o do Atacama, no Chile, são produtos de uma escala de tempo que vai além da presença do homem na superfície terrestre”, explica ele.
O pesquisador afirma que a natureza transforma-se e modifica-se em função de três escalas de tempo: geológica, histórica – relacionada com a presença do homem na superfície terrestre – e atual. Nessa direção, defende Perez, o semi-árido brasileiro é uma resposta de uma escala de tempo geológica, enquanto que os processos de degradação do solo no Brasil central, por exemplo, é resultado de uma escala de tempo histórica.
O geógrafo acredita que se o aumento de temperatura entre 1,5ºC a 5ºC para o planeta, previsto por metereologistas, se confirmar, nos próximos cem anos, o processo de arenização comprometerá muitas áreas brasileiras, principalmente no Brasil central.
“Uma vez que ainda há precipitação, o conceito de deserto não se enquadra”, argumenta o pesquisador. A arenização é o resultado da retirada de sedimentos das partes mais altas do relevo pela ação das chuvas torrenciais, em associação com a ação do vento, que se depositam nas partes mais baixas. Esse processo é favorecido pelo desmatamento e dificulta a fixação da vegetação, formando as células de areia.
O desmatamento para a agricultura e pecuária extensiva em solos arenosos (pobres em argila, responsável pela retenção da água no solo), promove processos erosivos que resultam na arenização ou mesmo na formação de desertos antrópicos (terras degradadas pela interferência humana). Preocupado com a possível mudança da matriz energética brasileira para os biocombustíveis, que provavelmente avançará a fronteira agrícola no Centro Oeste, Perez ressalta a importância de planejamento ambiental no território brasileiro. “O desmatamento em solos frágeis deve ser considerado crime”, defende o geógrafo.
Além do mau uso do solo, as mudanças climáticas também se refletem no território brasileiro. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou um aumento da temperatura na região do Pantanal de 2ºC nos últimos anos, o que eleva a evaporação dos rios. Segundo pesquisadores da instituição, esse fenômeno promoverá um processo de desertificação irreversível na região.
(Por Zulmara Carvalho,
ComCiência, 01/11/2006)