Vale cancela ajuda de R$ 9 mi a índios no PA
2006-11-01
Cansada do que classificou de "chantagem" do grupo indígena xicrim, a Vale do Rio Doce cancelou a ajuda financeira de R$ 9 milhões anuais que dá a 900 índios de duas comunidades da etnia que vivem em áreas próximas a Carajás (PA), onde está a maior base de sua extração de minério de ferro. Diante de novas ameaças de invasão, o diretor-executivo de Assuntos Corporativos da Vale, Tito Martins, disse que a companhia "não irá tolerar" uma nova invasão.
Há duas semanas, duas comunidades xicrim (Cateté e Djudjêkô) invadiram a unidade de Carajás, exigindo um maior repasse de recursos, a serem usados para a construção de casas e compra de veículos, entre outras coisas. Paralisaram a produção por dois dias, causando prejuízo de US$ 15 milhões.
Ontem, representantes da Vale, da Funai e dos índios estiveram reunidos em Brasília. Ao final do encontro, diz Martins, os líderes indígenas afirmaram que vão ocupar novamente a área de produção de minério. "A Vale não vai mais tolerar esse tipo de postura. Vamos recorrer às autoridades. Vamos chamar a PF e a PM para proteger o nosso patrimônio [e retirar os índios]", disse Martins.
Segundo ele, o dinheiro dado pela Vale aos índios -cujas comunidades estão a 100 km em linha reta da área de produção da companhia, que não está em terras indígenas- é uma ação "voluntária" da companhia e não representa uma indenização por uso do solo. O repasse é feito diretamente aos índios, sem a intermediação da Funai, embora a fundação seja uma das partes no acordo firmado com os índios há dez anos.
Em caso de invasão, diz, o acordo será imediatamente suspenso, como prevê cláusula do contrato se as atividades da companhias forem afetadas. Ao todo, a Vale destina R$ 25 milhões a seis comunidades indígenas no Norte e no Sudeste, que abrigam 3.500 índios.
Funai
O presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Mércio Pereira Gomes, disse ontem ter ficado "surpreso e perplexo" com o que chamou de "reação intempestiva" da Vale. Segundo Gomes, os advogados estão estudando uma forma de protocolar ação civil pública na Justiça Federal pedindo que a empresa seja obrigada a cumprir um decreto presidencial de março de 1997. No decreto, a Vale fica autorizada a obter o direito de uso da área onde estão as minas, mas, em contrapartida, tem de "dar amparo às populações indígenas". O presidente da Associação Indígena Kakarekre de Defesa do Povo Xicrim de Djudjêkô, Karangré Xicrim, não descartou a possibilidade de invasões, mas disse preferir chegar ao entendimento com diálogo. O advogado da Associação Indígena Bep-Noi de Defesa do Povo Xicrim do Cateté, Jorge Luís Ribeiro, disse que os índios estão indignados. "Eles dizem que o repasse é por benevolência, mas eles têm obrigações jurídicas com indígenas e não-indígenas da região. O que os índios estão reivindicando são direitos, e não favores", disse Ribeiro.
(Por Pedro Soares, Folha de S. Paulo, 01/11/2006)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0111200611.htm