O desenvolvimento sustentável não pode ser tratado apenas como uma questão restrita a políticas ambientais e tecnológicas. Este foi o tom do colóquio “Produção, cultura de consumo e desenvolvimento sustentável”, que ocorreu no último dia 24, no Seminário Internacional Cultura e Trabalho, promovido pelo Serviço Social do Comércio (Sesc). Os problemas da desigualdade social e dos modos de produção atuais foram apontados como obstáculos diretos para se alcançar uma forma de desenvolvimento capaz de preservar o meio ambiente e, ainda assim, proporcionar melhores condições de vida a pessoas excluídas do sistema de trabalho.
Guillermo Foladori, professor da Universidade Autônoma de Zacatecas do México, afirma que, com o decorrer do tempo e com a chegada das novas tecnologias, os problemas ambientais podem ser sanados e superados, mas isso não traria necessariamente uma melhoria no bem-estar social ou mesmo a diminuição das desigualdades sociais. “Nos últimos 15 anos, os países desenvolvidos melhoraram do ponto de vista ambiental, mas, no mundo todo, do ponto de vista social, melhoraram?”, questiona. “No decorrer desses últimos 30 anos, as políticas, que têm a ver com o destino ambiental e com a questão da sustentabilidade, foram dirigidas quase exclusivamente para a parte ecológica e deixaram de lado problemas sociais”, afirma.
Para Luciane Lucas dos Santos, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing, os resultados referentes à sustentabilidade não pode ser medidos apenas em função de aspectos econômicos; os resultados ambientais e sociais devem ser incluídos. “Quando se fala na possibilidade de consumo, nas mudanças dos moldes de produção e consumo, não é uma questão só de meio ambiente. Nós não estamos desconectados desse ambiente, isso é sistêmico. Não é uma opção, não são possibilidades, estamos falando de sobrevivência, são coisas que afetam a todos nós e não só as organizações”, afirma Luciane.
Foladori defende que um modelo sustentável só é possível a partir da mudança dos modos de produção. O professor lembra que quase 80% da produção mundial estão concentradas nas mãos de algumas corporações. “Essas corporações estão gerando desemprego e concentrando riqueza a nível mundial”, afirma. Atualmente, 80% do consumo, da produção e da renda estão localizadas em países onde estão menos de 20% da população mundial.
Luciane refuta o princípio de que as desigualdades podem ser solucionadas a partir da ampliação do consumo e defende a redistribuição de renda.
“O consumo só pode ser sustentável se nós estivermos trabalhando em prol das transformações dos moldes de produção e de consumo das organizações”, lembra Luciane. Para ela, uma das formas de se mudar a cultura do consumo e de produção são os atos de boicote por parte do consumidor a produtos que tenham a exploração socioambiental condenável como antecedente em suas cadeias de produção. “Isso pode acabar induzindo certas preocupações por parte da produção”. A pesquisadora ressalta que a importância da reflexão critica do papel do consumidor.
Anita Kon, professora do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, concorda com a importância do consumo no sistema e não acredita no desmonte do modelo capitalista: “O consumo tem que ser encarado de uma maneira a dominarmos a produção capitalista, que é muito forte. Pode haver continuidade da acumulação capitalista, com concentração de produção, se forem instituídas condições de geração de emprego. A idéia é a gente tentar, mesmo através da acumulação capitalista, influenciar a maneira como essa acumulação é feita”.
Foladori contraria essa visão: “Não é possível consumir nada que não seja produzido previamente. A questão central é como, no mundo, vamos mudar o sistema da produção. Na medida em que se muda a produção, se mudará o consumo. A produção comanda e obriga o consumo. Do ponto de vista da dinâmica do valor e da acumulação do capital não interessa o consumidor independente e pessoal. O papel das pessoas é secundário nessa dinâmica grande. É importante do ponto de vista da consciência, da mobilização para outros fins. Se há preocupação em mudar a questão ambiental, tem que pensar em mudar o sistema de produção”.
O professor do México lembra que, atualmente, há uma pressão exercida pelo ritmo da acumulação capitalista que obriga que uma nova invenção seja colocada no mercado em pouco tempo para que haja retorno rápido do investimento feito. “Há um século, ela demorava décadas para chegar no mercado. Não há experiência histórica sobre os produtos e, de um dia para o outro, aparecem um monte deles no mercado do mundo todo, por causa da globalização. Não se tem tempo para saber quais são os possíveis efeitos sobre o meio ambiente e sobre a saúde humana. Por isso, não estamos falando da boa vontade de algumas empresas e corporações em mudar. Estamos falando de um sistema que obriga essas empresas e corporações atuarem de uma determinada maneira”.
(Por Natália Suzuki,
Agência Carta Maior, 31/10/2006)