Para agrônomo da Cooperbio, soja é inviável para a produção de biodiesel
2006-10-31
O biodiesel não pode representar uma salvação para a monocultura de soja, que tem alto custo de produção e
ainda baixa produtividade na produção de óleo vegetal. Apesar das grandes transnacionais do agronegócio
desejaram tomar conta do mercado do biodiesel, a alternativa para os pequenos agricultores é diversificar os
cultivos, evitando a monocultura, manter a produção de alimentos e entrar no plantio de biodiesel de forma
autônoma, sem depender de grandes empresas. Essa é a avaliação do engenheiro-agrônomo Alexandre Borscheid,
que trabalha no projetos da Cooperbio (de Palmeira das Missões) da Biopampa (de Bagé), em parceria com a
Petrobras, para a produção de biocombustível, envolvendo o trabalho de milhares de pequenos agricultores e
assentados no Rio Grande do Sul.
- Você acredita que a soja será útil para a produção de biodiesel?
Alexandre Borscheid - Eu acredito que não, porque a soja foi desenvolvida historicamente para ser uma fonte de
proteína, tanto que ela contém apenas 18% de óleo. Então, para ser produzida como uma oleaginosa, tendo o seu
produto principal o óleo, ela é inviável porque é muito pouco produtiva. Eu acredito que não, a menos que, com a
tecnologia, se pudesse desenvolver outras variedades com mais óleo. Mas eu acredito que não, porque há um outro
elemento que hoje compromete o cultivo da soja, que é o alto custo de produção. A soja é um cultivo
petrodependente, ou seja, que depende de grandes quantidades de insumos derivados de petróleo, como é o caso
dos adubos químicos e dos agrotóxicos. A tendência, com o aumento do preço do petróleo, é o custo de produção
da soja se elevar ainda mais. Por isso que ver na soja transgênica uma perspectiva para a produção de biodiesel,
eu acredito que não tem viabilidade.
- Com a necessidade crescente de produção de energia, é possível que ocorra uma disputa de áreas agrícolas
entre a produção de biocombustível e a produção de alimentos?
AB - Com toda a certeza. Essas grandes commodities têm essa disputa. Até porque a soja é uma das principais
fontes de proteína vegetal. E para a produção animal, tanto de frango como de suínos, e na própria bovinocultura, a
soja é uma fonte de alimento protéico fundamental. O desejo de continuar produzindo soja como fonte protéica
vegetal para a produção animal vai continuar existindo. E com certeza vai haver aqueles que vão trabalhar a soja
para a produção de biodiesel. Por isso, em todo o mundo, a tendência é que haja uma disputa de áreas de cultivo
agrícola entre a produção de alimento e a produção de biocombustível. É um perigo, uma encruzilhada que a
humanidade vai enfrentar nas próximas décadas. Por conta da grande crise energética que vai se viver no planeta,
com o fim das reservas de petróleo, a tendência é a produção do biocombustível. Com toda a certeza, o
biocombustível vai disputar áreas agrícolas com a produção de alimentos, o que seria um grande risco para a
humanidade.
- O que os pequenos agricultores devem fazer para entrar na produção de biodiesel sem deixar de produzir
alimentos?
AB - Eu acho que a agricultura camponesa, em hipótese alguma, pode se transformar em propriedade de produção
apenas de biodiesel. Tem que estar inserido, porque é uma fonte de renda e uma atividade que vai estar em disputa
no planeta. Mas hoje, se sabe que a imensa maioria dos alimentos produzidos vem das pequenas propriedades, da
agricultura familiar. Deixando de ser isso, se descaracteriza e perde força inclusive política no enfrentamento contra
o latifúndio. Então, produzir álcool e óleo para biodiesel são atividades em que a agricultura familiar vai participar.
Mas seria um grande equívoco deixar de produzir alimento, que é a principal atividade, na qual se firma a agricultura
camponesa, onde ela tem sua viabilidade. Se a agricultura familiar migrar essencialmente para a produção de
biocombustível, isso significa um risco para as pequenas propriedades, como um risco sério para toda a
alimentação humana.
- Para os pequenos agricultores, o desafio é evitar a monocultura e manter a produção de alimentos?
AB - A pequena propriedade de economia familiar não tem como viabilizar sua sustentação se for no modelo de
monocultura. A grande viabilidade das pequenas propriedades é o sistema de produção diversificada.
Fundamentalmente, mudando a base tecnológica de produção, que hoje é agroquímica, passando para um modelo
agroecológico. Isso é que vai dar a sustentação desses agroecossistemas das pequenas propriedades. É
fundamental construir bem sistemas integrados que possam produzir biocombustível e alimentos. Aí entra a
importância do bom aproveitamento dos resíduos da extração de óleos. No caso da mamona, do pinhão-manso e
do tungue, que são plantas cuja torta do grão de onde é extraído o óleo é tóxica, elas não podem ser fornecidas
diretamente para o animal. Teriam que passar por um tratamento físico, térmico ou químico para tirar essa
toxidade, o que não vale a pena, até porque são tortas de grande valor para adubação orgânica. No caso dessas
plantas, elas vão ter um papel importante no sistema integrado de produção como fonte de adubo orgânico, para
incorporar matéria orgânica no solo e recuperar a fertilidade do solo. No caso do girassol, amendoim e de outras
oleaginosas que não têm problema de toxidade, são alimentos importantes para a produção animal. Com isso, as
pequenas propriedades poderão aumentar a produção de ovos, de leite, de carne, viabilizando ainda mais os
sistemas de produção nas economias familiares.
- Para finalizar, do que se trata essa tecnologia do H-Bio, que tem sido mencionada como uma alternativa?
AB - O H-Bio é uma tecnologia desenvolvida pela Petrobras, na qual o óleo vegetal é adicionado diretamente no
petróleo bruto e a partir daí é refinado. Ou seja, o óleo vegetal é refinado misturado com o petróleo. Esse H-Bio, do
ponto de vista ambiental, não terá muito efeito. Um aspecto interessante dos biocombustíveis é a redução da
emissão de gases poluentes que provocam o efeito estufa. Já o H-Bio não terá o mesmo efeito. Tanto é que a
legislação determina que mesmo o diesel produzido a partir do H-Bio tem que ser adicionado os 8% de biodiesel,
porque o efeito dele não é o desejado. Nesse sentido, é uma tecnologia que amplia o uso do petróleo, porque vai
aumentar a possibilidade de reservas, como uma fonte de energia líquida para ser consumida. Mas do ponto de
vista ambiental não vai resolver. Nós acreditamos que não é uma tecnologia que vá ter grandes resultados para o
ambiente, para a humanidade, para os pequenos agricultores. Neste momento, o ideal ainda é o biodiesel. O H-Bio
vai interessar às empresas petroleiras, que vão aumentar sua disponibilidade de matéria-prima para produzir
derivados de petróleo.
(O Nacional, 30/10/2006)
http://www.onacional.com.br/