Ambientalistas temem megaprojetos no litoral Norte de SP
2006-10-30
Mais que o caso do Plano Diretor que pretendia liberar a verticalização em massa em São Sebastião, denunciado pelo Estado na semana passada, o que tem preocupado ambientalistas e políticos do litoral norte paulista são megaprojetos que mudarão radicalmente o perfil da região - reduto de praias badaladas e reserva de mata atlântica. No mês passado, quatro prefeituras protocolaram requerimento na Procuradoria-Geral da República solicitando uma análise ambiental detalhada, que considere o impacto conjunto de três projetos: a duplicação da Rodovia dos Tamoios, a ampliação do Porto de São Sebastião e a exploração do Campo de Mexilhão, todos previstos para os próximos cinco anos.
O maior receio do grupo diz respeito ao Estudo de Impacto Ambiental (Eia-Rima) do Campo de Mexilhão, da Petrobrás, para exploração de gás. Na avaliação de municípios e de organizações não-governamentais, o governo federal armou um “rolo compressor” para, a curto prazo, obter o licenciamento ambiental para as obras no campo, localizado em águas profundas, a 150 quilômetros da costa de Ilhabela. Segundo especialistas ouvidos pelo Estado, o processo se intensificou após a decisão da Bolívia de renegociar contratos de exploração de gás com a Petrobrás, o que tornou mais atraente investir em reservas nacionais.
No estudo encomendado pela Petrobrás à Habtec Engenharia Ambiental, municípios vizinhos ao gasoduto foram considerados áreas de influência indireta. Mas o Rio, que servirá apenas como base aérea de apoio às operações marítimas, virou área diretamente afetada. “Esse documento contém erros absurdos. Como São Sebastião, cidade que receberá combustíveis líquidos do Campo de Mexilhão, foi considerada área de influência indireta?”, diz Eduardo Hipólito do Rego, representante de ONGs do litoral norte.
Na última reunião do Conselho Estadual de Meio Ambiente, ambientalistas questionaram a falta de publicidade dada ao Eia-Rima do Campo de Mexilhão. A primeira audiência pública em que esses estudos serão apresentados e discutidos com a comunidade ocorre amanhã, em Caraguatatuba. A cidade abrigará uma unidade de processamento que vai separar o petróleo e o gás extraídos do fundo do oceano.
As demais audiências estão marcadas para o dia 31, em Paraibuna; dia 1º, em São José dos Campos; e o dia 3, em Taubaté. Entretanto, municípios diretamente afetados pela obra e por eventuais acidentes - como é o caso de Ilhabela - não estão na programação das audiências.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável pelo licenciamento da obra, informou que as audiências ocorrerão até fevereiro. E, se quiserem, todas as prefeituras podem solicitar reuniões em suas cidades. Procurada, a Petrobrás não respondeu às perguntas da reportagem.
Opiniões
Júlio da C. Rodrigues, dono de pousada: “A falta de habitação popular em São Sebastião é real. Na região, não há lotes com menos de 600 metros quadrados. Mas os políticos estão se aproveitando desse fato para aumentar a especulação imobiliária. Essa é uma região constituída de pequenas bacias hidrográficas, que não sustentariam grandes estabelecimentos. É possível promover a habitação popular sem ter de construir prédios na orla da cidade.”
Guilherme Afif Pres., da Ass. Comercial: “Conheço bem a Praia da Baleia, onde tenho casa. Não há nenhum interesse na verticalização, pois traria um adensamento que a região não suportaria. Mas é preciso um ordenamento da ocupação popular, que já está prejudicando a região. Sou contra o processo de verticalização, mas a favor de uma organização urgente e racional das habitações populares. É preciso fazer isso antes que ocorra favelização da região”
Edson Lobato, Dir. Núcl. São Sebastião: “Sempre fui contra a verticalização. Já recolhi até assinatura para evitar esse processo. Essa é uma questão que deveria ter sido mais discutida. A prefeitura não levou em conta indicadores importantes. São Sebastião tem a maior taxa de crescimento do Estado, 6% ao ano. Será palco de várias obras: a duplicação do porto, a construção de um presídio e a de uma usina de tratamento de gás. Falta casa para as pessoas que trabalham aqui. A região já tem 41 favelas.”
Carlos dos Santos, ambientalista: “A população das encostas precisa de uma moradia melhor, mas não temos infra-estrutura para suportar prédios. Nosso saneamento básico é precário.” Santos nasceu há 50 anos na Barra do Sahy e de lá nunca saiu. É um dos principais ativistas contra o novo Plano Diretor. Na entrada da Barra do Sahy, afixou uma faixa: “Não à verticalização. Sim à aprovação das Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social) com casas.”
Raquel César, personal trainer: “No fundo, essa proposta traz uma pura especulação imobiliária. Nós já temos pouca mata atlântica e ainda corremos o risco de perder o que há por aqui. Ninguém quer prédio aqui. A prefeitura sabe, mas insiste na idéia. E o saneamento básico daqui é insuficiente para atender a um adensamento populacional desses. Isso aqui não pode virar um Guarujá.”
Leonardo Pecora, arquiteto: “Se começa a verticalização em algum ponto da cidade, não pára mais. Tenho medo do aumento da violência, além dos problemas causados pelo crescimento da população, que precisaria ter uma rede maior de infra-estrutura como saneamento básico. Desisti de curtir um apartamento da minha família no Guarujá justamente porque não agüentava mais tantos prédios e o ar sufocado parecido com o de São Paulo.”
Maria Luiza Cantele, designer de interiores: “Ninguém quer esse projeto de verticalização e eles continuam insistindo. Venho pra cá há 20 anos e não tinha nada naquela época, a estrada era de terra. E hoje a Barra do Sahy não tem mais para onde crescer. É preciso, sim, achar uma solução para as favelas da cidade, mas não com prédios.”
Luciano Oliveira, médico: “Sou absolutamente contra a verticalização. Venho para São Sebastião desde 1991. O meio ambiente preservado e a quantidade de áreas verdes garantem a qualidade de vida daqui. Os prédios liberados no litoral sul de São Paulo afastaram os turistas da região.”
(Por Bruno Tavares e Ricardo Anderáos, O Estado de S. Paulo, 29/10/2006)
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