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2006-10-30
No apagar das luzes da atual legislatura, parlamentares articulam reduzir em cerca de 15% a área pretendida para a demarcação do Parque Estadual do Cristalino, um dos mais ricos mananciais de biodiversidade da Amazônia. A proposta é do deputado e vice-governador eleito Silval Barbosa (PMDB).

Situado entre os municípios de Novo Mundo, Alta Floresta e Paranaíta, no extremo-norte do Estado, o Cristalino é formado atualmente por duas unidades distintas, criadas entre 2000 e 2001. Ao todo, as áreas somam 184,9 mil hectares. O projeto de Lei 67/06, encaminhado pelo executivo, propõe uma demarcação única para o parque.

Elaborado pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), o traçado reconhece as posses obtidas de boa fé e as áreas abertas no período anterior à criação das duas unidades. Em relação a esse texto, quatro emendas tramitam na Comissão de Constituição e Justiça.

Uma delas, de autoria do deputado Pedro Satélite (PPS), propõe a destinação de 20 mil hectares de áreas protegidas para implantação de um assentamento rural. O objetivo, segundo o texto da emenda seria o de “contribuir para o desenvolvimento sócio-econômico do município [Novo Mundo] e do Estado”.

O que mais preocupa os ambientalistas, no entanto, é um substitutivo integral de autoria do presidente da casa. O texto unifica e redefine os limites do parque para 162 mil hectares, exclui áreas ocupadas de forma irregular por terceiros e inclui, como compensação, áreas que já estão protegidas sob a forma de reservas particulares (RPPNs).

“Eu não acredito que esta alternativa prospere. Os prejuízos seriam muito grandes, e não apenas em relação à biodiversidade”, avalia o ambientalista Sérgio Guimarães, da Ong Instituto Centro de Vida (ICV). “Este substitutivo premia quem grilou e desmatou o parque e ainda avança sobre quem o está protegendo”.

Santuário
Formado por uma mescla de vários biomas, entre varjões, afloramentos rochosos e três tipos de florestas – de terra firme, estacional e de igapó – o Cristalino concentra a mais rica diversidade da Amazônia brasileira, segundo revelaram os estudos para a produção de seu plano de manejo.

São mais de 500 espécies de aves – 50 delas endêmicas, ou seja, de distribuição geográfica restrita –, 43 de répteis, 16 de peixes, 36 de mamíferos e 29 anfíbios. O parque ainda é banhado pelas águas do Rio Teles Pires e de seu afluente, Cristalino.

Uma eventual redução, entre outros prejuízos, poderá privar Mato Grosso dos recursos previstos no Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), do governo federal. “A inclusão do Cristalino no ARPA certamente será reconsiderada se uma medida como esta for levada adiante”, adverte Guimarães.

Na opinião do ambientalista, o governo do Estado – que se manifesta contrário a qualquer alteração em sua proposta original (ver matéria) - também enfrentaria um revés em seu esforço de reconstrução de imagem. “Seria difícil separar as figuras do deputado e do vice-governador eleito. Esta proposta sinalizaria que o governo não está interessado na conservação”. Durante dois dias, a reportagem tentou por várias vezes contato com o deputado Silval Barbosa, sem sucesso.

Governo vetará propostas de redução, garante secretário
O governo deverá vetar qualquer projeto que resulte em diminuição de sua proposta para o parque do Cristalino. A afirmação é do secretário de Meio Ambiente, Marcos Machado, que procurou não polemizar com os autores das emendas e do substitutivo.

“Respeito a iniciativa dos deputados, sob o argumento do interesse social, mas não concordo. Isto significaria regularizar áreas que são resultado de infrações ambientais”, apontou o secretário, para quem a lei e o decreto originais devem ser respeitados na íntegra.

Para Machado, a demarcação produzida pela Sema já assegura o direito daqueles que, de boa fé, ocuparam áreas em um período anterior à criação do parque. “Fizemos um projeto corretivo, mas que não indeniza um centímetro de área aberta depois da criação do parque. É o que consideramos mais correto”.

O secretário diz que o governo, por meio de suas lideranças no legislativo, tentará convencer os deputados a não aprovar alterações no traçado original.

“O mais razoável para Mato Grosso seria a rejeição do substitutivo, até porque corremos o risco de perder recursos da ordem de R$ 10 milhões do programa ARPA”, ressaltou Machado. “Se não for possível impedir a mudança, a recomendação é pelo veto”.

Substitutivo não deixa claro onde está área a ser trocada
O substitutivo integral proposto pelo deputado Silval Barbosa não estabelece de forma explícita a substituição de áreas ocupadas irregularmente pelas já protegidas sob a forma de reserva particular do patrimônio natural (RPPN).

A alternativa só transparece quando são considerados os limites e confrontações descritos no artigo primeiro do projeto. Ao se transferir os indicadores para mapas georeferenciados, se torna clara a intenção da manobra: amenizar o impacto da redução do parque.

A área particular em questão é a RPPN Cristalino, criada em 1997, de propriedade dos mesmos donos de um dos mais conhecidos empreendimentos turísticos das imediações do parque.

“Se olharmos apenas o texto do projeto, a impressão será a de que estão reduzindo a área original em 18 mil hectares, mas é preciso considerar que 7 mil hectares da RPPN foram anexados sem necessidade”, diz Sérgio Guimarães, do ICV.

Na justificativa, a proposta é apresentada como uma forma de “ordenar o texto do projeto original”. “(...) Além de alterar os limites e quantitativos da área, definindo critérios e princípios de desapropriação e concessão de áreas”. Neste momento, o projeto é avaliado pela Comissão de Constituição e Justiça. (RV)

Secretaria não vê mais razões para haver mudança no traçado
A Sema ainda não recebeu oficialmente o texto do substitutivo integral que tramita na Assembléia. Na semana passada, chegaram da Casa Civil para análise apenas as quatro emendas propostas ao texto encaminhado pelo governo.

Para a superintendente de Biodiversidade, Eliane Fachim, não há mais justificativas técnicas ou legais para se propor a mudança no traçado da unidade. “Tudo o que foi definido tecnicamente, inclusive para enfrentar as questões fundiárias, está contido no projeto original”.

Das quatro emendas já analisadas pela superintendência, duas tratam apenas de alterações pontuais no texto do projeto. Outra é a já mencionada tentativa de destinar parte da unidade a assentamentos rurais.

Há ainda uma emenda de autoria de Barbosa, que prevê a possibilidade de que as áreas de particulares dentro do parque sejam convertidas em RPPNs e projetos de ecoturismo, desde que “observadas a boa fé e o momento da ocupação”.

“No momento em que se finaliza a produção do plano de manejo e começa a ser constituído o conselho gestor do parque, só podemos ver tais iniciativas como um retrocesso que até nos surpreende. Essa indefinição precisa acabar”.
(Por Rodrigo Vargas, Diário de Cuiabá, 28/10/2006)
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